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Monday, August 11, 2014

os garotos do 238

Peguei o 238 na Mem de Sá e espiei não somente o movimento das ruas mas também o dos passageiros. Gente trabalhadora, mulheres bonitas, vovôs, jovens yuppies e perto da porta, quatro estudantes do Cefet - inevitável lembrar de Elika. Foi uma viagem rápida, talvez uns vinte minutos, mas que me fez navegar no tempo. Um dia proveitoso e até prazeroso em alguns sentidos: rir bastante, olhar o passado com serenidade, recordar poesias, algumas leves promessas eróticas, contas a pagar e receber. Voltando ao ônibus, os garotos riam e brincavam, enquanto falavam de seus pequenos medos: a troca de matérias, a necessidade de estagiar, algumas aulas desimportantes, outras essenciais. As gatonas da sala, a incerteza do futuro. Os quatro de mochilas, camisetas, jeans e tênis. Um falava do longo caminho de volta para Belford Roxo, o outro sonhava com uma boa janta, o terceiro falava dos seus temores com Estatística - do mesmo jeito que certa bela mulher me disse - e o quarto, o mais grandão e tímido, alternava risos contidos e pequenos silêncios. Calado, pensei que, há muitos anos, quando eu tinha o futuro e a esperança nas mãos, fui exatamente um deles, podia ser perfeitamente o quinto daquela turma. Senti saudades, ainda que fale com alguns daqueles amigos da faculdade até hoje. Na verdade, também hoje eu ainda sonho como eles, mas sem o futuro que só a juventude proporciona. Quando chegaram no Cefet e saltaram, foi como se eu descesse com eles, fosse até o hall da faculdade e ganhasse o beijo de alguma amiga bonita. Dali fui até o Shopping Tijuca pensando naqueles quatro jovens lutadores em busca de sonhos - eu fui um deles, acertei, errei muito e talvez não mudasse uma vírgula se pudesse voltar no tempo - a vida é para ser vivida e não trocada só porque não foi perfeita. Logo passei pelo querido Maracanã, a avenida feito uma artéria de puro sangue, carros para todos os lados, meu pensamento apontando para onde não devia. Saltei do 238 e imediatamente comprei um cachorro quente pra ainda me sentir um jovem estudante. A seguir, já no centro de compras, entrei na Saraiva e comprei o primeiro cd dos Racionais, com os grandes raps do tempo em que eu era mochila, camiseta, sonho e esperança. Quando caminhei para meu trabalho de estúdio, espiei a Saens Peña e revi na alma os cinemas do fim dos anos 80: éramos jovens demais, víamos filmes entre as aulas, um excelente pretexto para beijar as garotas. O poeta Cazuza foi implacável: "eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades, o tempo não para". Os museus são vida. Horas depois, já deitado em meu quarto, a televisão falando desimportâncias e servindo de companheira, o futuro tão incerto, pensei em quem não devia mas tanto gosto, houve quem me chamasse para o bate papo virtual e eu imaginei como foi o fim de noite daqueles meninos com todo o futuro nas vísceras: um jantar, um banho, uma noite de sono, o sonho de um dia melhor. Quis ser de novo como eles. Na verdade, ainda sou. Comprovadamente, nunca deixei de ser. Provavelmente, sou um eterno estrangeiro de meu tempo e espaço. Sempre foi assim; só me bastava uma vida melhor para as pessoas. Tomara que eles descansem bem, continuem amigos e driblem as intempéries deste mundo injusto e egoísta. Sou um deles e nunca deixarei de ser. Entretanto, Robin Williams tinha que morrer logo agora? Ele era uma estrela nas telas tijucanas que eu tanto admirava dia desses. 

@pauloandel

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