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Wednesday, April 11, 2012

DISSECANDO COPACABANA II



1
Inesperado que era, mas minha musa precisava de um ingresso para o jogo do Fluminense. Um rapaz educado acertou a venda comigo na internet. Saí do trabalho, espiei os bardos da miséria na Cruz Vermelha, cheguei em casa, banho tomado e chinelos nos pés. Combinamos o resgate do ticket no alto da Santa Clara, bem perto de onde um dia morei: o escadão. Logo ao lado, residia Isabela, para quem fiz um poema certa vez e Bruna gostou tanto.

2
Idas e vindas, o pessoal meio desconfiado de mim aos pés do escadão. Mal sabem os jovens que já passei ali muitas vezes. Talvez tenha sido meu camisão preto. O rapaz, solícito, me cumprimenta, pago, recebo o ingresso e resolvo flanar novamente pelo bairro que é minha eterna casa. Queria ter ido ao Copa D’or visitar Rafael, mas o horário de visitas já tinha expirado.

3
Santa Clara, 345. Morei ali em 1974, o prédio já não existe mais, derrubado que foi para dar vez a uma luxuosa edificação. Naquele endereço, ficou em minha mente o mais puro sonho do que era Papai Noel: meu pai deixou os presentes na porta da frente, tocou a campainha, voltou pelos fundos e não percebi nada. Vivíamos debaixo de ditadura, meu tio já estava há tempos no exílio, eu não sabia de nada: queria brincar e ser feliz por alguns instantes. Tínhamos TV a cores, luxo da época. Eu estudava no Colégio Pernalonga, caro, cheio de filhos de militares reacionários e ricos de ocasião. Fiquei pouco tempo, não sem antes ter levado um pito no passeio da escola porque perguntei sobre a praia ser vermelha na Praia Vermelha, o que gerou a fúria de dois homens do exército que vigiavam nosso passeio escolar. Nosso prédio era baixo, sem elevadores, mas o apartamento era bem grande. Uma vizinha era fofoqueira, chamada Mimi – tudo segundo o relato infalível da minha mãe. Da outra vizinha eu não lembro o nome, mas achava-a muito parecida com a Madame Min das histórias em quadrinhos. Minha casa não era das mais normais: mãe contratou Cícero, o cozinheiro, para os trabalhos lá de casa. Ele só andava trajadíssimo, com uniforme e só cozinhava com aquele chapelão típico, imagine. Ah, e era homossexual, o que era suficiente para toda a rua e parte do bairro olhassem de esguelha para aquela família com um pai alto, nariz aquilino e feições judaicas, mas uma bela e jovem mãe e seu filho baixinho e gordinho.

Saímos dali para alguns meses de inferno em Madureira. Lembro do dia da mudança: foi a primeira vez que vi minha mãe chorar. Chorei junto.

Passo em frente ao memorial do prédio e acho graça. A vida é uma bobagem.

4
Boca do lobo, passagem para o Bairro Peixoto. O antigo prédio do Ricardinho. Eu e Fred íamos à casa dele quase toda  noite, era o único de nós a ter um incrementado Atari, era 1983. Dona Susi era muito bonita e divertida, sempre com piadas de sopetão, o próprio Ricardo e a irmã dele, Ursula. Voltávamos tarde da noite, principalmente aos sábados, duas, três, quatro da manhã. Nenhuma bebida, nenhuma droga, nada demais: Atari, refrigerante e as eternas cantadas na Conceição, empregada da casa e que foi embora daqui muito mais cedo do que o razoável. Coisas de pobres garotos felizes aos catorze anos de idade.

Ao lado da portaria do prédio, ficava a Casa dos Marujos. Faleceu. Menos mal que, metros adiante, a Casa Mimosa e a Padaria Apolo XI sobrevivem com imensa dignidade. Senti algum alívio.

5

Atravesso a Barata Ribeiro e fico assustado em saber que, no lugar da Modern Sound, entrou uma Leader. Antes, era o Bruni Copacabana, onde no dia de Natal de 1984 eu fui com Patrícia de mãos dadas para ver os Muppets. Do outro lado da rua, morava o Marco, vizinho de Costinha. Precisamos de mais lojas de livros, discos e artes – e, claro, de menos magazines com suas novidades mofadas.

O prêmio de consolação era comer pasteizinhos na Suprema, tradição decenal do bairro, achei que ainda dava tempo. Olhei, espiei, flagrei e cadê a loja? Sumiu. Morreu. Mataram a Suprema. Sei que ainda restou a filial do Leme, mas não entendo como os moradores do bairro não fizeram uma passeata contra o fim de um de seus símbolos maiores. As massas da Suprema eram o que há.  Tudo enfim.

Copacabana traz choro e riso. Liguei para Kátia – que foi sem sombra de dúvida uma das três mulheres mais bonitas do bairro nos meus áureos tempos. Ainda é, sempre será. Vera, claro. Eliane também, não posso sonegar minhas admirações. Kátia me confirmou o fim da Suprema. Perdi chão. Caminhei, só restava o eterno e intocável Cirandinha. Preocupação mesmo, só quando vi que era um dos clientes mais jovens do belo salão, sendo que caminho para os cinquenta. O americano estava impecável, o rissole de camarão também – a Cirandinha não falha, mesmo que suas vizinhas Barbosa Freitas e Sloper não descansem em paz.

6
Telefono para Marcelo, tomo o rumo da praia. A velha magia do trash elegante é sempre instigante. E gatas e putas e camelôs importados. E crianças e velhas. E machões e travecos. Dois capoeiristas. Um senhor com jeito de praticante de safári. Uma loura alucinante joga futevôlei. Fausto Fawcett merecia estar ali. Encontro Marcelo, lembro dos tempos em que Xuru se fazia de gringo para subir da cobertura do Othon – e sempre dava certo. Ou do dia em que estive com Bola no Sindicato do Posto 6 e quase beijei Cássia Eller na boca – a baixinha ficou com medo, o que compreendo. Paramos num boteco, caíram duas cervejas, algumas decepções e várias risadas. É que a vida escorre e dilacera o tempo.

Horas depois, rua Francisco Sá, 51. Isso quer dizer alguma coisa que não sei explicar. Tomo a condução e, na descida da avenida Copacabana, sorvo lentamente cada pedacinho do meu eterno bairro. Uma da manhã, hora de dormir, até breve.

Paulo-Roberto Andel

1 comment:

Roger de Sena said...

Demais, Paulo!
Consegui reviver alguns bons momentos da "minha" Copacabana.
Pouco depois da Copa de 74, mudei-me do Posto 6 (Joaquim Nabuco) para a Tonelero 293 (uma pequena vila entre a Santa Clara e o túnel). Esse teu flanar de hoje foi meu também naqueles velhos tempos!
Essas crônicas vão virar livro! Tenho certeza!