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Wednesday, February 16, 2011

AMOR SOB ESCOMBROS
















A belíssima (e triste idem) foto de André Durão, do Globo Esporte, me soa como uma poesia seca, rascante, tirada a fórceps de um ventre doente.

Durante trinta e dois anos eu frequentei esse lugar como se fosse a minha própria casa. Sonhei com ele. Coisas que vi acima destas pedras estão intactas em minha memória.

Quantas vezes não cheguei bem mais cedo do que o necessário, apenas para espiar o gigante de concreto que é (ou foi) uma verdadeira bandeira da pátria brasileira? Muitas e muitas. Mil partidas.

Foi no Maracanã que andei de mão dada com meu pai pela última vez.

Bola dente-de-leite e os amigos do Cìcero Penna para bater uma pelada na geral. As traves eram feitas com caixinhas de leite CCPL.

Geraldo fez um golaço em Mazzaropi, a massa botafoguense ajoelhou e chorou. Eu estava com eles.

O gol de bicicleta de Romário. O pênalti que Paulo Goulart defendeu de Zico, muito antes de 1986. O maior três a dois de todos os tempos. Os risos do Xuru. O maravilhoso pó-de-arroz jogado pelo Careca. Cachorro-quente Geneal e refrigerante na máquina que os vendedores traziam nas costas. O bandeirão Tricolor que minha mãe costurou para mim. a massa flamenga em êxtase, muitas vezes antes de uma grande derrota. A força vascaína. A minha pátria amada das Laranjeiras. Alvaro Doria em claros delitos. Mil histórias.
Será que, em nome da modernidade e do futuro, era preciso fazer isso com o Coliseu do futebol?

A copa do mundo dura um mês. O Maracanã tinha sessenta anos.

Fluminense, Botafogo e Gávea têm mais de cem.

Foi uma morte lenta. Várias obras que nunca levaram em conta o verdadeiro espírito do lugar. Aos poucos, tiraram os pobres de dentro do estádio, ao menos como pagantes ou puladores de grades. Agora reclamam que as pessoas não têm ido ao Engenhão; como esperar um banimento de hábito e uma mudança a seguir tão rápidos? Agora, mais agora, uma demolição disfarçada. Não entendem que o Maracanã era o templo sagrado, intocável. Há palácios mais modernos do que o Taj Mahal, mas quem seria louco de pô-lo abaixo por isso?

Cristóvão deu um grande drible e Manguito desabou. Mendonça nos trucidou. Assis e Romerito foram a redenção. Roberto e suas precisas finalizações. Leandro e seu toque de bola inconfundível. Edinho, o craque da defesa. Luizinho, rei dos gols. Paulo Victor, discípulo de Castilho. Não é preciso falar de Didi, Garrincha, Pelé - todos sabem o que isso quer dizer.

Neste lugar, vivi grandes dias dos melhores anos de minha vida.

Colocaram minha infância e adolescência em destroços.

Ingenuamente, espero que não tenha sido em vão.


Paulo-Roberto Andel, 16/02/2011


1 comment:

Elika Takimoto said...

EU sei o que vc sente. Eu passei por isso quando vi a casa de minha amiga em bento Ribeiro ser demolida para virar uma vila com 10 casas geminadas. No caso do Maracanã, toda a bagunça vai ser para ficar mais bonito. Pode ficar tranquilo que o troço vai ficar lindão. Mas de certa forma, a sua nostalgia deve ser alimentada já que sempre vira poesia e me distrai um bocado por aqui.

beijos