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Wednesday, August 11, 2010

MISCELÂNEA DE PEQUENÍSSIMAS HISTÓRIAS



Pequenos desastres de uma sociedade funesta e, para compensar, um grande disco.


1

Não me chamem para qualquer encontro de “velhos amigos que não se veem (ou o fazem uma vez por ano)”. Um horror!

Tenho medo.

Além do mais, velhos amigos que não se veem? Então não são amigos; no máximo, velhos conhecidos. Rechaço essa outra balela de “ah, o verdadeiro amigo pode ficar anos sem ver que continua lá, intacto”: raras vezes houve uma definição tão humana para o que se chama de hipocrisia. Meus amigos hoje não são velhos nem de idade, quanto mais de não-convivência: todos em permanente contato. Sair da lista é opção de cada um, o que respeito e o que também não significa porta sempre aberta a quem bater – vai depender de como ela foi fechada.

Confirmem minha ausência nestes convescotes, por favor. Eu juro!

Nos últimos anos, vivenciei algumas experiências desse porte com tudo o que possa haver de pior nisso. Agora entendo bem porque Ivan Lessa ficou 30 anos sem pisar no Rio de Janeiro: não queria contaminar as memórias. Salvo um ou outro que vale a pena recordar (mesmo) e retomar, o resto é bola fora. Melhor guardar passados amorosos da pureza infantil do que lidar com a escrotidão madura.

A turma do colégio eu até entendia: vivemos a infância-adolescência na ditadura, não havia oxigenação para pesquisas e trocas mais profundas, isso prejudicou toda uma geração. E pensar que idiotas escrevem e falam que a ditadura foi branda! Alguns prosperaram, mas se deixaram levar pela arrogância. Há seis fantásticos, mais o Aloísio que não aparece, Floriano que faz arte de primeiríssimo mundo, mais alguns. Luiz Carlos. Do Vieirinha, falo depois. O segundo grau era Sarney, o que também não significa muita coisa. Deixemos para lá.

Imperdoável é a época da faculdade.

Chego a me assustar que alguns jovens daquele tempo, com grande potencial, tenham se tornado quarentões reacionários (ainda com potencial, mas desperdiçado), sem qualquer compromisso com a sociedade que lhes cerca, o próximo, seja lá quem for. O tempo passa, o sujeito humilde de outrora com seu caderninho na mão e escola quase grátis (não posso esquecer dos impostos que mantiveram e mantém as instituições públicas de ensino superior, ainda que, naquele tempo, tivesse poucos negros, nordestinos e desfavorecidos onde eu estudava), à custa do próprio esforço - e também da generosidade do Estado – se forma, trabalha, passa num concurso público (por exemplo) ou agita um empregão numa grande companhia (por também exemplo), vira um bem-remunerado e... se torna defensor do “Estado Mínimo”, que justamente aniquila a chance das novas gerações terem a mesma oportunidade que ele.

Eu vos pergunto: isso trata de ideologia política ou do caráter?

Me lembra algo perdido noutra década: “O que é bom, a gente mostra; o que é ruim, a gente esconde”.

Deveria ser obrigatória a contrapartida de um sujeito para com a instituição pública que lhe permitiu acumular patrimônio, seja lá de qual forma fosse.

Não enxergar um palmo diante do nariz. Não ver as favelas da linha dois do metrô. Não ver a estranha docilidade dos bandidos “rendidos” pelas UPP. Não ver a patética arquitetura mental proposta pelos “choques de ordem”.

Ternos um ou dois números abaixo do necessário, sorrisos alvares com ar de superioridade tola entre uma ou outra garfada de salada contaminada, a necessidade incontrolável de olhar para o relógio e marcar a hora. O deslumbramento com Miamis e Patagônias. A ostentação barata de “êmebieiz” bem-adquiridos, em detrimento de uma verdadeira capacitação plural que passasse pelo conhecimento real das questões nacionais – ao menos, uma leitura de compensaçãozinha por anos de “curso superior” sem conhecer qualquer outra literatura que não fosse a de seu curso em si. A admiração por verdadeiros quadrúpedes como Mainardiota (este, em fuga iminente do país por conta da atividade parajornalística de capitão-do-mato), Jabor (filósofo oficial adotado nos maconhódromos yuppies e, ao mesmo tempo, o mais medíocre de todos os que se tornaram cineastas no Cinema Novo) e Reinaldo Azevedo (esse é tão imbecil que fica até difícil adjetivá-lo; talvez seja uma versão afetadíssima (?) do falecido Athayde “Isto é um luxo!” Patreze). A preocupação vulgar e patética em ostentar pequenas riquezas, acreditando que se trata de “progresso” diante de um país que entrou nos eixos, mas ainda tem uma enorme massa de miseráveis que formam a maioria do povo. Não comentarei nada sobre quem tenha esse perfil e, aos domingos, vá a missa para “pedir pelo próximo”, ou que comente sobre a "nova" atitude do “conjunto musical” chamado Restart (anos antes, alguém elogiara a "atitude" de LS Jack enquanto eu queria saber de Charles Mingus e Art Blakey...). Contraste.

Será que tanta hipocrisia/miopia tem a ver, de alguma forma, com os anos de fuligem de FHC?

Marquem a festa e imploro: mandem-me o convite para o endereço errado.

Os outros, amigos mesmo, estão muito bem-cuidados.


2)

O pessoal de trinta e quarenta, vá lá. Alguém reclamando por que não chiei a respeito dos cinquentões e sessentões?

Tenho respeito pelos conhecidos mais velhos.

Pelos desconhecidos, não.


3)

O Brazyl que não gosta do Brasil tentou, tentou e tentou.

O desespero é total. Facilmente visto nas “páginas” de O Globo, do Estadão, na tela do JN e outros menos votados.

A cada dia que passa, qualquer brasileiro pensante sabe que os oito anos do Governo Lula poderiam ter sido muito, mas muito melhores do que foram; ainda assim, eles foram muito, mais muito, muitíssimo acima da “Era do frango a um real”.

Não há clima para golpes. A verdadeira revolução está no asfalto. O interesse real das Forças Armadas de hoje é reajustar os soldos.

Não há o que fazer.

Dilma está eleita, muito bem-eleita. A dúvida agora é saber se as composições ainda levarão a um segundo turno ou a fatura é liquidada em outubro. Seu patético rival já entregou os pontos. No debate da semana passada, cerrando os punhos, dizia “eu vou fazer, eu vou inaugurar”. O objetivo era o de ser sério, mas pareceu cômico.

Analisando de forma bem rasteira, qual seria a diferença para o governo neoliberal de outrora e o atual governo neosocial?

Simples.

Emprego e renda para os mais pobres. Como formam a imensa maioria da população, decidem e mexem em toda a cadeia pelo poder de compra, mesmo que menor.

FHC também podia ter feito o mesmo, se tivesse compromisso com a condição de estadista.

Não tinha.

O risco do Brasil desabar já era.

Livres para sempre de FH e seu séqüito.

As viúvas do capitalismo selvagem e fútil tornam-se carpideiras.


4)

O velho JB está morrendo? Talvez.

Porém, enquanto tivermos o prazer de um craque como Mauro Santaynna escrevendo, esta morte do jornal não passará de farsa.

"Réquiem para os “renascentistas”
10/08/2010 - 23:31

Recordemos a queda do muro de Berlim, o desmantelamento do sistema socialista, que pretendia ser o retorno ao liberalismo do século 19. Mais do que a globalização da economia, que continua, tivemos o tripúdio sobre os pobres. Houve quem anunciasse, com obscena soberba, que os incapazes deveriam tornar-se dóceis servos dos competentes. Era essa a lei da vida, a lei da natureza, a essência do sistema de liberdades cimentado pelo capitalismo sem limites.

Em nosso país, um intelectual, que se dizia de esquerda, assumiu a Presidência da República e, sob o efeito de relampejante conversão na maturidade, abraçou o novo e único fundamentalismo, como esplêndida e gloriosa era. “É um novo Renascimento”, proclamou, com a segurança e a autoridade dos profetas ungidos pela graça da Revelação.

Não tínhamos, país abaixo do Equador, povoado de mestiços, que inventar rodas e modas; bastava-nos seguir a corrente, integrarmo-nos na economia novamente liberal, depois do despertar do sonho do socialismo e do fim da “ociosidade” do povo, debitada ao Estado de Bem-Estar Social.

O capital financeiro assenhoreou-se do mundo. Ao aceno de nosso renascentista, ruíram as barreiras alfandegárias, revogaram-se os dispositivos constitucionais que protegiam o sistema financeiro nacional, entregaram-se bancos brasileiros a preços simbólicos a grandes consórcios financeiros internacionais (como foi o caso do Bamerindus, cedido ao HSBC), e o Estado recuou, no mundo inteiro, menos na velha China. Sobretudo nos países ao sul do Equador político, o Estado se viu acuado, envergonhado, enquanto as ONGs assumiam o seu papel. No Brasil, privatizaram-se a toque de caixa, para impedir a reação da cidadania, empresas estatais estratégicas, que geravam recursos e tecnologia de ponta.

Não foram necessárias duas décadas para descobrir que o neoliberalismo era um expediente dos donos do mundo, que, com métodos pavlovianos de gestão (em que se combinam o suborno e a repressão), criaram quadrilhas de executivos financeiros, que roubaram do Estado e de pequenos e médios investidores – sempre com a ajuda de arrogantes acadêmicos, entre eles alguns brasileiros. Os grandes executivos, de salários milionários, não passavam de audaciosos ladrões, que manipularam as finanças internacionais da mesma forma que os old boys de Chicago controlavam o mercado das bebidas, da droga, do lenocínio. Os new boys da Escola Neoliberal de Chicago, e de instituições semelhantes, que os mexicanos chamam los perfumados, se tornaram os executores dessa nova ordem, também contra seus próprios povos.

Contra os ladrões de Wall Street, a nova legislação obtida por Obama (Dodd-Frank Act) prevê premiar os que denunciarem falcatruas no sistema financeiro, com uma porcentagem (de 10 a 30%) das penalidades financeiras que incidirem sobre os culpados. Um dos denunciantes do esquema Madoff recebeu 1 milhão de dólares de recompensa, antes mesmo da aprovação do novo dispositivo legal. O novo Renascimento não está sendo posto à prova somente no caso dos ladrões que, ao contrário dos que se arriscam a assaltar de fora para dentro, atuam de dentro dos próprios bancos. O sistema está em processo de erosão na fragilidade de seus grandes exércitos, diante da resistência dos povos. Não lhes tendo bastado a lição do Vietnã, há mais de 30 anos, os senhores da guerra mordem a poeira no Afeganistão, depois de mordê-la no Iraque. Mas sempre lhes restam as ogivas nucleares, contra o Irã – e outros alvos.”

Para aplaudir de pé.


5)

O rock não morreu, o rock não vai acabar.

Era 1981 e havia um alvoroço na sala de aula. Lembro do Vieirinha comentando que ia ter show do Peter Frampton no Maracanãzinho. Eu tinha doze anos, parecia ter dez, já ia ao futebol, mas sabia muito pouco de música. Ir a show, nem pensar. Anos depois, amizades como as de Kheirallah, Caux, Nascentes, Ivalski e Valença me deram muitos caminhos musicais. Entre idas e vindas, saquei muito de Peter Frampton; vendia muito, depois sumiu. Chegou a emplacar uma boa canção nas rádios dos 80, chamada “Lying”; fez outro discaço ao vivo, que não venceu desta vez. Por uns tempos, foi guitarrista da banda de David Bowie.

Era 2010 e eu flanando pela Saraiva quando me deparo com a capa de um velho Spitfire e um garotinho louro olhando para cima. “Thank you, Mr. Churchill”, seríssimo candidato a disco do ano e um dos discos da década. Rock puro. Baixo, guitarra e a luxuosa bateria de Matt Cameron, titular do Pearl Jam. Aos que curtem o ritual, recomendo não baixar: a emoção da capa vale as vinte pratas.

O mundo está mais egoísta e cretino.

Já não se fazem mais quarentões como antigamente.

Felizmente, há sopros de vida quando Peter Frampton prevalece.

Eu agradeço ao Vieirinha, de coração.

Por ora, vou ouvir também o Valter Franco.



Paulo-Roberto Andel, 11/08/2010

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