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Monday, July 30, 2007

Mãe

Hoje, tudo o que eu disser, ou dissesse, seria de absoluta miséria para definir o valor de minha mãe.
Estivemos juntos por trinta e oito anos e meio. Só deixamos de nos falar em dias dos tempos que eu era escoteiro, acampava e nem sempre um telefone de fichas era disponível, coisa de outras primaveras, outras palavras. Nos vinte anos seguintes, sempre, todo dia, seja qual fosse a distância.
Minha mãe é digna de um livro. Não por me dar a vida, mas pela pessoa maravilhosa que foi e é. A ética. A bondade. O caráter. Tudo em doses cavalares como jamais vi em nenhum outro ser humano nesta terra - e cabe lembrar que o que não me faltam são amigos de valor intergaláctico. Fui testemunha das gentes que abrigou em nossa casa e tirou das ruas; dos dinheiros sofridos que, muitas vezes, foram para famintos a quem mal ou não conhecia. Atitudes.
Quase todo mundo tem a melhor mãe do mundo e isso é justo. Minha única vantagem foi também ter a melhor mãe do mundo e morar quase quatro décadas com a melhor pessoa do mundo, a mais sincera, a mais bondosa, a mais carinhosa, não apenas comigo.
Fui um bom filho, mas não consegui fazer por ela dez por cento do que sonhei. Com o passar dos tempos e a idade, ela deixou de ser mãe e passou a ser minha filha, amiga de sempre.
Duas ocasiões definem bem quem ela era. Aconteceram nos últimos anos.
Certa vez, numa noite de janta, conversei com ela como era legal ter uma cama de casal pois, independentemente do casamento, pode-se rolar à vontade. Dado que morávamos em um diminuto apartamento e eu nem quarto tinha, certamente não era possível a compra.
Para mim.
Para minha mãe, nada que significasse o bom estar do próximo era impossível.
Dia seguinte, chego em casa e me deparo com uma cama de casal. Na sala. E daí a funcionalidade da casa, a beleza, a arrumação? Para minha mãe, o que importava era meu bem estar.
Outro acontecimento foi há poucos meses, ano passado. Estávamos na cozinha, eu assava um frango, e brincávamos com o triste fim do penoso na alta temperatura do forno. Ao tirá-lo para cortar, ela fez a voz de criança de sempre, para falar baixinho "Pobre frango, eu te peço mil perdões, mas é que você é muito gostoso...". Rimos e, algum instante depois, ela tinha lágrimas nos olhos. Era brincalhona, mas estava mesmo com pena do frango.
Quem a conheceu, soube quem era a maravilhosa pessoa. Quantos de meus amigos não receberam suas rezas, em terço, para que voltassem bem às suas casas, depois da discoteca?
Quem vê fotos do passado, assusta-se em saber que uma mulher era tão linda quando jovem e tão generosa simultaneamente - não por coincidência, o nome de minha avó materna, a quem não conheci.
Generosa.
Não tenho crenças, mas é bom ter a esperança de ser um tolo, um burro, de tudo estar errado e, um dia, poder reencontrar minha mãe.
Eu explodiria em qualquer avião ou torre gêmea mil vezes se tivesse a certeza dessa possibilidade.
Eu amo minha mãe.
Hoje é meu aniversário, e de minha mãe também.
Vinte e seis de julho. O dia em que nasci, e que tenho morrido todos os dias.
Paulo-Roberto Ândel, 26/07/2007

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