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Tuesday, July 10, 2007

Cracks da pelota
Duas voltas e meia, surpreendo-me com a velocidade dos tempos, da vida.

Outro dia mesmo, eu lembro de ter vivido o dia mais silencioso de toda a minha vida. Tinha quatorze anos, era um menino.

Cinco de julho de oitenta e dois, assim me permitam. O fatídico dia em que o Brasil, pátria de chuteiras em campo, perdeu para a garbosa seleção italiana. Falecido estádio Sarriá.

Algumas coisas devem ser levadas em consideração sobre aquele capítulo peculiar da história futebolística mundial. Primeira delas, a mais fácil – embora nós, brasileiros, com algum sentimento de “superioridade” para compensarmos as mágoas de um país que não deu certo, não tenhamos tanta facilidade em ver: a Itália, naquele dia, foi melhor e ponto. Talvez jogasse contra o Brasil seiscentas vezes e perdesse quase todas, exceto a daquele dia. Difícil encarar, mas os ítalos mereceram.

Segunda, bobagem dizer que “venceu o futebol-força”. Naturalmente, a seleção brasileira vinha de um momento encantador, jogou dois anos e perdeu apenas três vezes. Nós tínhamos um timaço, sim. Porém... Zoff, Scirea, Cabrini, Tardelli, Antognioni, Conti, Altobelli e Rossi eram excelentes jogadores também. Nosso conjunto era mais bonito, só que eles também tinham talento, embora bagunçado até então. Foi a única vez em que a seleção de Telê tomou três gols – na verdade, quatro, dado que Mister Abraham Klein, o árbitro, descontou mais um da Itália no finzinho do jogo.

Terceira, a terrível má interpretação que se criou pelo fato de que, se o “bonito” perdeu, que se louvasse o “feio”. Graças a esse erro patético, criou-se o assustador termo de “volantes de contenção” – tudo para esconder verdadeiros assassinos da bola, priorizando-os em vez dos verdadeiros jogadores de futebol, os que sabiam da pelota, os craques. Meu time de botão daqueles tempos tinha o Falcão de volante, e bastava.

De lá pra cá, foi terra que girou.

Acabaram com a União Soviética, o Muro de Berlin, uma considerável parte do Brasil, não deixaram nada no Iraq.

Matou-se e morreu por muito pouco, quase nada.

Hoje, brasileiros que somos, temos celulares, comunicação, internet, desenvolvimento. Porém, assim como era o bife nos anos cinqüenta ou o carro nos anos vinte, para poucos. Para quem tem dúvida, basta abrir a janela do carro.

Chegamos até a ganhar Copa do Mundo outra vez, uma quase feia, outra quase bonita. Nada que chegue aos pés de México 70. Nem ouso falar de Chile e Suécia.

Aquele bendito jogo teve sua mágica, o do Sarriá.

Até hoje, pelos campos da vida, eu fico procurando destroços daquele dia, como um passe, um drible, uma jogada, um corta-luz como esse que o Dodô fez outro dia, antes dos homens da lei o embargarem, o tal do doping. Se Sarriá fosse um desastre aéreo, estaria eu pelas matas do futebol a tentar resgatar um relógio, um pedaço de papel, qualquer coisa que significasse vida naquela maravilhosa e curta trajetória.

De vez em quando, acho. É difícil, mas acha-se.

Nem precisa ser nas vitórias do meu amado Fluminense. Não temos mais os times de antes, nem teremos: os empresários e cartolas dilapidam tudo em questão de meses, ou semanas. Qualquer dez míseros bons minutos de uma partida valem.

Naqueles tempos de Rossi, eu fazia oitava série. Por semanas, é claro que o assunto da velha escola tratava do velório nacional. Velório do futebol? Nem tanto. Fizeram – e fazem - de tudo para enterrá-lo, com autoritarismos, golpes, bajulações, desvios. Não adianta.

Chegava em casa, certo muxoxo, minha querida mãe falava pra ir jogar botão, bola, aquilo tudo passava. Passa rápido.

Vinte e cinco anos depois, tem jogo hoje contra os uruguaios. Essa marca vem de cinqüenta e sete anos, do gol de Gigghia, faltava muito ainda para eu nascer. Contudo, sei da força daquela história – um ano antes do Sarriá, perdemos o Mundialito em Montevideo, e vi muita gente de cabeça baixa na segunda-feira seguinte.

Agora, Copacabana deserta, sem gente, sem carro na rua, só no dia do 3 x 2.

Tenho saudades da escola.

Tenho saudades da minha mãe.

E muita saudade daquela derrota, porque nos dias seguintes, tudo o que eu e os outros garotos pensávamos era que a Copa seguinte seria nossa, aquele futebol era indestrutível.

Os tecnocratas de plantão impuseram por decreto a regra do futebol-força. Independentemente de qualquer resultado hoje ou amanhã, Robinho e Riquelme, por exemplo, estão acima disso.

Se for o caso, melhor perder a Copa América jogando mal do que vencê-la. Os louros da vitória às vezes enganam. Dunga, o treinador, diz que os que jogam bonito podem ficar vinte e quatro anos sem vencer uma Copa do Mundo.

Os bons italianos, de 1982 até 2006, também esperaram os mesmos vinte e quatro anos. E não convenceram.

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