Depois de comermos pastéis com laranjada na Chic's da rua dos Andradas - estamos sempre comendo -, resolvemos caminhar até o Largo da Carioca, eu, Vitor S Barros e Jocemar Barros . Não levou mais do que dez minutos. Nos despedimos, eles foram a caminho da Praça XV e eu pensei em fazer minha velha visita ao Santos Dumont para tomar um sundae de morango em meio ao silêncio da praça de alimentação do aeroporto - quem chega ao Rio quer se mandar para casa ou hotel. Então peguei meu VLT favorito e fui.
Uns vinte metros depois da entrada e você fica inebriado com o som de jazz e bossa nova do conjunto que se apresenta no SDU às sextas, das seis da tarde às oito da noite. Logo você está perto do palco e já conheço quase todos os músicos de vista, com exceção de um que conheço desde sempre: Sérgio Barrozo, contrabaixista com quase 60 anos de carreira, já tocou com os gigantes da música brasileira. Sérgio é nosso Ron Carter, nosso Charles Mingus e deveria ter uma estátua sua em praça pública. Seis ou sete pessoas aplaudem o conjunto. Outras acabam celebrando a apresentação de passagem.
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Subo uma pequena escada rolante e desisto do sundae. A loja de mate promete sanduíches da pesada num cartaz promocional. Ao mesmo tempo, dali dá para ouvir o belo som do conjunto lá fora. E por falar em música, carrego quatro CDs comigo: um, raro, de Paulo Lepetit ao lado do saudoso Gigante Brazil, um de Herbie Hancock - The Joni Letters, um tributo a Joni Mitchell, afora outros dois que ainda vou me lembrar. No mais, sigo com meus confortáveis chinelos, meu bermudão azul e reparando no clima tenso que alguns passageiros exibem em seus semblantes de desembarque, loucos para se mandar porque querem ou aproveitar o que o Rio tem de bom, ou escapar da ruindade.
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Dois sujeitos estão com seus notebooks em ação nas mesas da lanchonete. Aguardo pacientemente pelo atendimento. Quando a moça vem, penso que já são quase sete da noite e ela já deve estar morta de cansada pelo trabalho extenuante.
Peço o lanche, vou para a mesa de fundo e, quase ao mesmo tempo, os dois clientes se mandam. Meus sais: acabei de lanchar com Jocemar, sou um esfomeado irresponsável. Não, não, longe disso: engordei por excessos mas me cabe o perdão de já ter passado fome algumas vezes na vida, inclusive quando supostos amigos faziam vista grossa para o acontecimento. Vida que segue. Já falei algumas vezes que, no passado e com saúde, fui atleta em treinamento para a São Silvestre - sonhava romper o ano correndo na madrugada urbana de São Paulo.
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Há anos que ouço falar desse disco de Paulo Lepetit com Gigante Brazil. Finalmente está em minhas mãos. Sou fã de Paulo como músico e facebooker. A Isca de Polícia é um negócio sério demais. Saudade de vê-los em ação. A última vez foi no CCBB. Já Gigante é saudade.
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O sanduíche é bom, tecnicamente bom, o pão é gostoso mas o recheio deixa a desejar. Sou cliente do Paladino e do Parada de Copa, acostumado a recheios generosos, de matar a fome.
O mate estava uma porcaria.
Pelo menos carreguei um pouco o celular.
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Ao descer, passo novamente pelo palco dos shows de sexta, agora com música ambiente porque é intervalo.
Numa mesa na lanchonete ou restaurante à esquerda do palco, Sérgio Barrozo traça um sanduíche e parece feliz da vida. Não nos esqueçamos: ele é nosso Mingus, nosso Ron Carter, e merece todas as reverências.
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A sexta-feira à noite do Aeroporto Santos Dumont é fria e vazia. Sexta-feira, 13 de maio, dia de superstições. E reflexões.
Uma breve espiada e logo se percebe o quanto precisamos evoluir em termos de inclusão negra por ali.
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Deveria ter pego um Uber, mas simplesmente esqueci, então logo chego ao VLT e fico apreciando a beleza noturna da região, as árvores, os prédios da Beira-Mar. Troco mensagens com Marina, o Fabiano Soares - que é um tremendo escritor - diz que virá ao sebo na terça.
As curvas do percurso me lembram o Tivoli Park por algum motivo. O trecho do Aeroporto à Cinelândia é imperdível pela bela arquitetura ali reunida.
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Bem ao lado do acesso do metrô na Santa Luzia tem uma turma comendo churrasquinhos e bebendo cerveja. Jovens mulheres bonitas e seus pares. Por um instante, parece até que a pandemia não nos abateu.
O Rio é a cidade de cidades misturadas, versou o poeta Fausto Fawcett. Nada parece ser tão preciso para descrever a Cinelândia atual. Do Starbucks na esquina até o Amarelinho, o MC Donald's se salva aberto e cheio. Nas marquises e bancos, muita gente em situação de rua e, na amostra local, a população negra é de 100%. As reflexões sobre 13 de maio são inevitáveis e dolorosas. Somos uma sociedade muito atrasada e desigual.
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No tempo que me resta, olho para cima e o relógio do Edifício Mesbla me oferece um tom de Gotham City, não apenas a cidade dark de Batman mas também a letra profunda de Macalé e Capinam.
Perto de mim, pessoas descem delicada mas apressadamente pelas escadas do metrô. Taxistas caçam passageiros. Os últimos clientes das Lojas Americanas deliciam-se com suas sacolas cheias de promoções. Garotos e jovens perdidos carregam suas caixas de Mentos para vender aos transeuntes, muitos deles sem um níquel sequer. Há um burburinho na entrada do Teatro Riachuelo e, bem em frente, na fila do ônibus 247. A miséria, a indiferença e o consumo dividem o mesmo espaço à rua, como se tudo parecesse normal.
O leão e o tigre andando lado a lado na mesma calçada, assim disse Jack Kerouac em "Crônicas de Nova York" em alusão a Tom Wolfe.
@p.r.andel
(continua algum dia)
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