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Friday, December 03, 2021

dezembro

CAMINHEI com meu amigo Leo, que não via há tempos, e descemos a Carioca rumo à Leiteria Mineira para o café. Ele surgiu subitamente com uma bela doação de CDs para o X, mas logo precisava voltar para Recife. 

Dez da manhã, carros velozes, calçada vazia e lojas fechadas. Desolação. Tristeza. A palavra exata é essa: tristeza, temida e evitada, mas pura realidade. 

Quatrocentos metros depois, a lendária Leiteria nos abrigou por duas horas. Eu lembrei de quantas vezes estive ali, bem como dos intelectuais nos arredores. Então conversamos sobre vida e morte, dramas e alegrias, lindas garotas do passado e jovens senhoras. Tristes.  Falamos de pessoas boas e más, generosas ou falsas, as que nos cercam e as que já se foram. Algum sentido de religião. Um país em destroços. 

Minha fome era tanta que pedi dois americanos. Serviram como refeição de todo o dia. 

Como o que é bom dura pouco, a conversa evaporou porque a vida é assim: precisamos viajar, morar longe, trabalhar, cuidar de problemas, de mágoas, da tristeza - não adianta fugir, ela está no meio de nós - e, quando vemos, lá se foram dez ou vinte anos, trinta anos, os sinos tocam pelos nossos mortos e falamos pelos cotovelos dos melhores anos de nossas vidas. Brigamos para pagar a conta, o garçom ria e, por alguns minutos, nos sentimos num Rio de antigamente, que parece cada vez mais distante. 

Trocamos um abraço, que nunca sabemos ser o último ou não, mesmo esperando naturalmente que não seja. Leo foi para o metrô da Carioca, eu fui para o VLT que tem sido uma das minhas únicas diversões - brincar de passear pela cidade estuprada e sonhar que tudo vai dar certo, mesmo que os dados digam o contrário. Num segundo, eu estava sozinho de novo num vagão confortável para descer na próxima estação e fazer uma breve baldeação. Para fugir da tristeza, fui para o sebo na folga e trabalhei até cansar. Fizemos as contas e não tínhamos metade do que precisávamos. Agora é compensar na próxima semana. 

No fim do dia, era a vez do Jocemar ir para o VLT. Eu o acompanhei. Quando foi embora, entrei no mercadinho e comprei pão, queijo, guaraná, sardinha, salame, Toddy e uma caixinha de leite condensado, além de três sacolas plásticas. Guardei meu CD de música cubana junto e desisti de passear, não só pelo cansaço mas também pela tristeza que acampa em cada calçada ou debaixo de cada marquises. Resolvi caminhar para casa. 

Perto da interdição da Gomes Freire, vi sujeitos balbuciando com olhares tristes. Depois,  na delegacia, uma moça humilde falando perto da grade com um detento. 

Na rua da Relação e na Henrique Valadares, vi algumas poucas pessoas, alguns tomando cerveja, outros passando rápido, alguns esmolando. Cada um tinha um ofício, mas não havia um único semblante alegre. A tristeza é a tônica das ruas. Não adianta fingir, porque a realidade é cristalina. Dezembro tem dessas coisas: o ímpeto consumista num país miserável, a indiferença de alguns, a dor de muitos e uma tristeza indisfarçável. Nós já fomos muito pobres; a diferença é que havia futuro. 

@pauloandel

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