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Monday, September 06, 2021

trinta anos depois

Onde eu estava há trinta anos? Em Copacabana e na UERJ. Tinha o Maracanã também. Tudo isso era importante para mim, mas não significa exatamente saudade, exceto ter meus pais e o Fluminense. Depois de alguns tropeços, lutava para estabilizar as matérias (o que nem sempre era fácil pelas condições precárias em que vivia) e sonhava com um estágio que pagasse pelo menos a passagem e a conta de luz. Em casa nada era fácil, nada, nem mesmo quando eu só ia para dormir. Na UERJ era bom, tinha os colegas e toda aquela efervescência da vida universitária. Estágio era algo mais difícil do que algo que preste vindo do Bozo: esmagados pela era Collor, sem grandes perspectivas. Pelo menos consegui comprar uma calculadora científica. 

O Fluminense não ganhava nada há seis anos, mas como era bom ir ao Maracanã e às Laranjeiras. Ao contrário do que muitos pensam, embora estivesse há tempos sem um título, o Fluminense os disputava e era um protagonista, não um figurante. Tínhamos um bandeirão, a torcida era linda e não havia os pelassacos da internet. Quarta e domingo estávamos lá, mesmo com o dinheirinho contado. Eu descia com meu caderno preso numa prancheta de acrílico laranja, atravessava a rua, comprava um suculento ingresso de geral e pronto. Meu time, meu amor. 

Estudar de manhã e de noite não era fácil. Procurar emprego, idem. Quando dava uma folga, jogar botão ou uma dupla de praia. Eu tinha deixado os escoteiros e me afastei de vários colegas. Bom, compensava no fim de semana com ótimos shows gratuitos no Parque Garota de Ipanema. Passou uma turma da pesada por lá. 

Se não voltasse para casa de tarde, a saída era almoçar no restaurante de comida vegetariana na Sousa Franco (delicioso e barato, mas você ficava com fone de novo uma hora depois) e dar uma de Ivan Lessa: seguir cachorros pelas ruas de Vila Isabel. Espiar as ruas, as casas restantes, passar no que sobrou do campo do America. Gatas indo e vindo do prédio da Medicina. Não era fácil, mas tínhamos dois componentes essenciais a nosso favor: o futuro e a esperança. De manhã, matando alguma aula ou com falta mesmo, não podíamos reclamar: nossas amigas eram lindas, sempre havia um colo amigo num par de coxas estonteantes e, de certa forma, a retribuição era com as risadas que provocávamos no meio da conversa.

São cinco da manhã, eu só dormi de meia noite às duas, eu preciso falar com a Marina, eu preciso transcrever vinte minutos de um vídeo, eu preciso pagar contas e vender discos, vender livros, vender. Hoje eu sei quem eu era há trinta anos, mas não sei se saberei daqui a trinta anos sobre o agora. Não é saudade, mas reconhecer que é justo revisitar nossos momentos mais divertidos, enquanto lá fora vozes ameaçadoras cortam o silêncio da alvorada que se avizinha. 

Eu devia estar contente porque estou trabalhando mais, porque lentamente os resultados estão vindo, porque há luz no fim da estação de trem. Mas não estou. Provavelmente é porque vejo gente sofrendo demais, demais. Na verdade são cinco e vinte. 

@pauloandel.

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