Jocemar Barros foi na direção das barcas e resolvi dar uma volta rápida. Parei no VLT da Carioca, vi que o cartão tinha um saldo favorável - pelo menos esse - e embarquei no sentido Santos Dumont, depois de ter desistido de ir ao Boulevard Olímpico. É um passeio maravilhoso. Meu ídolo Fausto Fawcett odeia o VLT mas eu amo de coração, falei disso hoje com o Lucas Bueno - você navega a cidade com todo o conforto, limpeza e um visual fantástico, exceto pelas lojas fechadas no Centro, imunes às pantomimas de recuperação sem um plano de emprego e renda.
O SDU é ideal para pessoas como eu, que gostam de lugares vazios e pouca gente. Bom, na verdade tem muita gente mas desembarcando e se mandando, muitos aliviados porque têm dinheiro na conta mas passaram uma semana dos diabos na escrotidão lancinante do mundo corporativo. Sei do que falo: estive nele e algumas das pessoas mais falsas e abomináveis que conheci na vida estavam lá, às vezes rindo na sala ao lado. Que morram. Antigamente eu andava ali cheio de tensão, com medo de perder o voo, indo para reuniões nem sempre produtivas, com dor na coluna da viagem bate-e-volta. Perdi dinheiro mas ganhei minha liberdade, o que não tem preço.
Já que não tem discos e livros, fui para a praça de alimentação deserta. Pensei em comer num restaurante a quilo, muito bom, mas a força do hamburguer me atraiu. Parei no caixa e vi que não havia funcionários, era interagir com o computador e fazer o pedido. Menos postos de trabalho, a apoteose da impessoalidade. A máquina pediu que colocasse meu nome e, por ele, aí sim uma funcionária me chamaria para entregar o lanche.
Minutos depois, "Paulo Roberto". Eu não pareço com um passageiro de voo. Ando de chinelos, bermudão velho, camisa preta rasgada e carrego dois pacotes de plástico preto. É divertido: ninguém imagina quem sou pelo que aparento. Pego a bandeja com o sanduíche, a batata frita e o copo para que eu mesmo pegue minha Pepsi. Sou um vitorioso: mesmo pobre, posso garantir meu lanche noturno num país onde cento e dez milhões de pessoas provavelmente estão com fome agora à noite, o que é inaceitável exceto para alienados que ainda acham que está tudo bem. Inaceitável.
Na mesa à noroeste, quatro caras bebem chope no quiosque da Brahma e ajeitam suas malas de rodinha, provavelmente se mandando do Rio no fim de semana, talvez voltando no próximo dia útil
Na mesa quase noroeste, uma garota tão bonita que me lembra Juliana, ou Larissa, que faz aniversário hoje. Bom, essas duas não se parecem em nada, exceto pelas belezas diferentes.
No balcão da lanchonete, a jovem bonita e com certo ar triste, que talvez seja cansaço pela maldita exploração capitalista.
Lancho, vejo mensagens, fico feliz com comentários e olho para a frente. Quatro caras, uma garota e um vazio enorme. Gasto dez minutos e resolvo partir para o Uber Lounge. Esqueci de jogar na Loteria e perdi o horário, droga.
Marina sai do trabalho cansada, trocamos mensagens, quero que ela chegue bem à casa da mãe. Eu a amo. Será um longo percurso. Queria que ela estivesse no lanche. Precisamos ter paciência.
No meio do caminho até a saída, um garotinho bem pequeninho correndo, as irmãs um pouco mais velhas vindo atrás, ele cai no chão, ri e o pai logo o pega no colo, aí ele ri mais. As crianças nem sabem o bem que fazem a desconhecidos que nunca mais irão vê-las, só pela paz e felicidade que emanam.
O Uber Lounge está lotado, cheio de gente impaciente. Não há carros disponíveis. A estupidez da inflação da gasolina está quebrando muitos motoristas. Tento por dez minutos e não consigo, então desisto e resolvo sair de VLT. Delícia. Uma breve corrida até a Carioca, salto e vejo a inacreditável loja da lanchonete na esquina de Almirante Barroso com Rio Branco fechada. Bom, do outro lado saiu a Caixa, é inacreditável. Antes disso, a dor é ver a Cinelândia às escuras, só o Verdinho funcionando, uma dor no peito ver o Amarelinho de portas cerradas. Parece o fim de uma era. Outro dia mesmo estávamos vendo filmes no Odeon e agora tudo é miséria.
No ponto do táxi, um dos motoristas mais simpáticos de todos os tempos. Na breve corrida até a Cruz Vermelha, ele fala de sua jovem esposa, de não trabalhar mais no final de semana por cansaço e, apesar da aparência jovial para cerca de 60 anos, ele pretende aplicar botox em breve. Trabalhou na área de cosméticos por muitos anos. Me mostra uma foto com a esposa. Ela é bonita. Agradeço a viagem, um taxista realmente diferente.
Na portaria converso com Davi, sempre educado. Pego o elevador vermelho, o mesmo em que desceram um dia os corpos de meus pais, mas nem ligo porque eles estão comigo de alguma forma. Mais mensagens da Marina, do Catalano, da turma tricolor. Por dez segundos, penso nas contas atrasadas e mando-as à merda: meus ídolos também estão duros. Acho que vou ler alguma coisa, porque ninguém pode levar a sério um escritor que não seja um leitor caudaloso.
Oitavo andar, dez passos até a porta, silêncio pleno, estou em casa.
@pauloandel.
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