Caiu uma tarde, coube-me um lanche no décimo-segundo andar de um prédio que tenho freqüentado nos tempos recentes, morador honorário, creio. Arquitetura sessentista, moderna, cinzento.
Em minha mesa, além da solidão inevitável, havia um sanduíche de queijo minas no pão da França, mais um refresco.
O tal prédio da lanchonete esbanja uma vista linda: em frente, o esplendor do desprezado Campo de Santana, tão bonito e abandonado, com o lirismo de seus bichos democraticamente soltos e juntos, entre idosos que praticam a caminhada entre elementos do underground. Noroeste, tem o garboso prédio do Corpo de Bombeiros; nordeste, morro da Providência, berço primeiro do que convencionamos chamar de favela – e se não é bonita como gostaríamos que fosse, cabe lembrar que é casa de gente, por menos que isso agrade a alguns. Perto do Norte, o playground preferido: Maracanã, de Mário Filho e Nelson Rodrigues, que só os desavisados cogitam chamar de ultrapassado ou propenso à demolição. O gigante do futebol é eterno.
Tudo devidamente misturado ao maciço da Tijuca, outros morros, outros verdes. Belo horizonte.
Minha vista enevoada deparou-se com outro edifício, ao longe, tão cinza quanto este meu daqui. Um velho e charmoso prédio, dos tempos da Guanabara. Por um instante, fitei-o como nunca; o cinza e o concreto serviram de combustível para minhas lembranças, minhas melhores lembranças e saudades. Foi naquele prédio que eu pude, em muitas vezes, me confortar das tempestades; não foram poucas as vezes que, junto de amigos, mal possuíamos o dinheiro para o biscoito ou o refrigerante, mas tínhamos o mundo sob nossos pés e todo um caminho de suposta felicidade a ser ainda trilhado. Lá, aprendi muito e talvez tenha ensinado alguma coisa; ri e chorei, gritei e calei, amei e odiei. Meus companheiros de trajetória forjaram laços comigo nos corredores daquele prédio. Eu amei três mulheres na vida, e beijei duas exatamente naquele poente da minha vista. Minha política, minhas palavras, meus pensamentos, tudo num momento parecia ter o sabor daquela construção. E tem. Terá.
Soube que querem derrubar meu velho prédio. Ambições desmedidas, demagogias, peitos sem corações. Não acontecerá, por mais que poderosos queiram.
E eu, com o sanduíche na mão e o refresco em espera, reparei que agora, hoje, moro em outro prédio. Outro condomínio, outro pavilhão.
Meus vizinhos daqui são outros, algumas vizinhas continuam lindas. Klein, já tem; Serra Costa, também; Alessandra, ainda não. Importante, porém, é reconhecer que os sonhos estão encurtados, já que falta tempo. Não há mais Guanabara, nem trote, nem tardes vadias para vivenciar as melhores prosas, os mais honestos sorrisos, os beijos mais suaves.
Hoje é futuro. Diferenças.
Minha mente estalou seus dedos secretos; daí, percebi uma fina ironia.
Olhar o que melhor me abrigou no passado, aquele velho, soberano e inesquecível prédio, não seria um presságio, uma promessa de grandes dias neste novo condomínio? Serei quase feliz aqui?
A vista de um é a promessa do outro? Como saber.
Acabei o sanduíche, cumprimentei a turma da lanchonete e espiei pela última vez os cento e oitenta graus de imagens, com o velho prédio, sempre ele. A escada me chamou, desci calmamente, saboreando todas as imagens na memória.
Do futuro, nunca se sabe.
Do passado, belíssimo, dos anos incríveis, acabou de bater à minha porta pelo método menos convencional: através de uma janela, beijada ao chão pelo verde da esperança que esparrama-se pela Praça da República.
Paulo Roberto Andel 08/06/06
Em minha mesa, além da solidão inevitável, havia um sanduíche de queijo minas no pão da França, mais um refresco.
O tal prédio da lanchonete esbanja uma vista linda: em frente, o esplendor do desprezado Campo de Santana, tão bonito e abandonado, com o lirismo de seus bichos democraticamente soltos e juntos, entre idosos que praticam a caminhada entre elementos do underground. Noroeste, tem o garboso prédio do Corpo de Bombeiros; nordeste, morro da Providência, berço primeiro do que convencionamos chamar de favela – e se não é bonita como gostaríamos que fosse, cabe lembrar que é casa de gente, por menos que isso agrade a alguns. Perto do Norte, o playground preferido: Maracanã, de Mário Filho e Nelson Rodrigues, que só os desavisados cogitam chamar de ultrapassado ou propenso à demolição. O gigante do futebol é eterno.
Tudo devidamente misturado ao maciço da Tijuca, outros morros, outros verdes. Belo horizonte.
Minha vista enevoada deparou-se com outro edifício, ao longe, tão cinza quanto este meu daqui. Um velho e charmoso prédio, dos tempos da Guanabara. Por um instante, fitei-o como nunca; o cinza e o concreto serviram de combustível para minhas lembranças, minhas melhores lembranças e saudades. Foi naquele prédio que eu pude, em muitas vezes, me confortar das tempestades; não foram poucas as vezes que, junto de amigos, mal possuíamos o dinheiro para o biscoito ou o refrigerante, mas tínhamos o mundo sob nossos pés e todo um caminho de suposta felicidade a ser ainda trilhado. Lá, aprendi muito e talvez tenha ensinado alguma coisa; ri e chorei, gritei e calei, amei e odiei. Meus companheiros de trajetória forjaram laços comigo nos corredores daquele prédio. Eu amei três mulheres na vida, e beijei duas exatamente naquele poente da minha vista. Minha política, minhas palavras, meus pensamentos, tudo num momento parecia ter o sabor daquela construção. E tem. Terá.
Soube que querem derrubar meu velho prédio. Ambições desmedidas, demagogias, peitos sem corações. Não acontecerá, por mais que poderosos queiram.
E eu, com o sanduíche na mão e o refresco em espera, reparei que agora, hoje, moro em outro prédio. Outro condomínio, outro pavilhão.
Meus vizinhos daqui são outros, algumas vizinhas continuam lindas. Klein, já tem; Serra Costa, também; Alessandra, ainda não. Importante, porém, é reconhecer que os sonhos estão encurtados, já que falta tempo. Não há mais Guanabara, nem trote, nem tardes vadias para vivenciar as melhores prosas, os mais honestos sorrisos, os beijos mais suaves.
Hoje é futuro. Diferenças.
Minha mente estalou seus dedos secretos; daí, percebi uma fina ironia.
Olhar o que melhor me abrigou no passado, aquele velho, soberano e inesquecível prédio, não seria um presságio, uma promessa de grandes dias neste novo condomínio? Serei quase feliz aqui?
A vista de um é a promessa do outro? Como saber.
Acabei o sanduíche, cumprimentei a turma da lanchonete e espiei pela última vez os cento e oitenta graus de imagens, com o velho prédio, sempre ele. A escada me chamou, desci calmamente, saboreando todas as imagens na memória.
Do futuro, nunca se sabe.
Do passado, belíssimo, dos anos incríveis, acabou de bater à minha porta pelo método menos convencional: através de uma janela, beijada ao chão pelo verde da esperança que esparrama-se pela Praça da República.
Paulo Roberto Andel 08/06/06
1 comment:
Seu texto ficou otimo esta de parabens!!
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