Cinco da manhã e um frio do caralho. Já não sei quem sou. Anos de sofrimento, meu bem. Não tenho amigos. Nem dinheiro. Nem casa. Nem futuro. Vejo o mundo desmoronando lentamente, numa erosão bem lenta, naturalmente perceptível mas desprezada porque este é o país do desprezo. Cinco da manhã e não sei onde está meu amor. Namoro um Instagram em silêncio, sem reciprocidade, desesperado. Ainda me acho tão cheio de vida mas parece que tudo está perdido. Tenho visto as pessoas sofrendo desde que eu era criança e agora quem sofre junto sou eu. Penso todo dia nos meus pais mortos, nos meus amigos e ídolos mortos, daí me sinto sozinho demais. Não, não há problema em estar sozinho, nenhum problema. O que eu sinto na verdade não é estar sozinho mas sim um vazio enorme, gigante e absolutamente silencioso. Cinco da manhã e eu me lembro das dezenas de madrugadas frias de 1987, quando atravessava o underground de Copacabana até o Forte para a missão cívica de defender a pátria, que piada - acho que Bigode serviu lá também, mas eu me livrei em cima da hora e saí correndo. Cinco da manhã e eu me lembro de outro frio enorme em Arraial do Cabo quando estávamos na praia e éramos tão adolescentes, nós, escoteiros de uma vida inteira. Humm, horas antes na casa do meu amigo eu dividi um cobertor com uma gata alucinante e isso era enlouquecedor para um jovem no auge dos hormônios - acho que o pessoal olhou meio espantado porque percebeu a nossa cara de satisfação - ela era demais e até hoje a amo. A mesma coisa aconteceu anos depois, também em Arraial do Cabo, aí com outra garota, só que sem cobertor mas também com olhares espantados - essa fazia questão de rebolar em mim. Cinco da manhã e sou um garoto perdido no Leme, temente ao caminho das pedras que, uma vez desrespeitado em dias de chuva, pode resultar em morte. Ah, eu que tive tanta vocação para ser garoto, agora sigo para uma velhice aterrorizante - e não sei o que fazer para me livrar do mal, apenas sonhar. Cinco da manhã, um frio do caralho e o barulho de uma motocicleta rabiscando a Cruz Vermelha, um ou outro ônibus, os garotos e garotas humildes carregando suas mochilas com biscoitos, a única refeição do dia. Que merda um país que só permite biscoitos para seus jovens trabalhadores. Estou cheio de tudo, do caos, do sofrimento meu e alheio, das milhares de noites insones, dos pilantras que querem estuprar o Fluminense. A Marina me faz muita falta. Eu não passo de um brasileiro humilhado, oprimido, que estudou pra caralho à toa, mas que tem alguns admiradores porque escreveu algumas coisas e, num país onde se lê muito mal, ser admirado pelos escritos é uma pequena vitória. Cinco da manhã e me lembro de todas as antigas vitrines de Copacabana que vi e vivi - a maioria está morta. Daqui a pouco faz 25 anos que meu amigo e chefe escoteiro João Carlos morreu. E 20 anos que Xuru morreu. Já fez 15 que Fred morreu. É disso o vazio que sinto, então tento me esconder pelas palavras que deixo escorrer por aí. Onde estão meus pais, Senhor? E meu irmão? E todas aquelas pessoas admiráveis com quem gastei noites decentes rindo e bebendo chope? Será que todos viraram velhotes individualistas de merda que só servem para espiar stories em silêncio? Sei que preciso de sorte, é tudo que preciso por ora. Daqui a pouco dá seis da manhã, o céu ainda é púrpura e o Brasil está cheio de fumaça provocada por bandidos escrotos, daqueles que usam muito o nome de Deus em vão. Aproveito que é cinco da manhã e me mastigo com café com leite e ovo mexido. Mais tarde vou pagar a conta de luz. Queria ter sido um garoto feliz mas não deu, e nada indica que descansarei em paz. Que paz? O mundo é do ódio, da guerra, do desprezo e da profunda ignorância. Uma semana depois de 60 pessoas morrerem num avião, ninguém liga. Não se trata de não entender a morte como algo natural, mas sim o completo desprezo pela vida alheia. Cinco da manhã. Cinco da manhã. Meu coração não dorme. Nunca mais ganhei um abraço, nem um presente. Já fiz muita gente que sequer conheço chorar ou rir muito. Eu procuro meu mestre Ivan Lessa em lugares impossíveis de encontrá-lo, mas é como se ele me dissesse ao pé do ouvido "O cronista vai falando sozinho na frente de todo mundo". Eu não descanso em paz.
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