I
Certa vez, tive um sócio comercial. Ele não era lá grande coisa em termos de ética e outras partes essenciais do convívio humano, mas era um sujeito engraçado. Às vezes falava sério demais. Noutras, me convencia de coisas insólitas – por exemplo, transar com uma garota que eu já não estava nem um pouco a fim. Isso e muito mais.
Houve um dia em que conversávamos depois do expediente num restaurante qualquer de Copacabana e desandamos em falar de mulheres.
Algo em torno de dez anos atrás.
Eu ainda era um garoto, caçava paixões, tinha diversos amores de ocasião, nem tinha conhecido a mulher mais linda do mundo ou vivido sentimentos inúteis de liquidificador. Em claras palavras, o futuro ainda todo à frente. E dizíamos bobagens, ora piadas machistas fúteis e divertidas, ora divagações sobre algo sem muito sentido ou importância. Tudo pós-onze de setembro.
Num momento, não me lembro como, ele disse de seu casamento de longa data (com algumas escapulidas) e afirmou: “Se você pensa em se casar agora ou no futuro, minha dica é a seguinte: case-se com uma mulher com quem você tenha prazer em conversar por horas a fio. Não que isso seja a única coisa importante – e não é -, mas é a mais importante. Não sendo capaz de ser feliz com uma mulher numa simples conversa, você não será feliz em nada. É por isso que meu casamento tem dado certo.”
O tempo passou, não me casei, mas sempre pensei nisso. Ao menos adotei o critério do sócio com namoradas, ficantes longas ou alguma mulher por quem tenha me apaixonado no período. Sempre o critério. Quando não deu certo, hora de adeus. Penso bem: que sentido faz estar ao lado de alguém com quem você não tem prazer em conversar? Nenhum. Carinho, sexo, outras peripécias, tudo é muito fácil quando em um casal ao menos um dos dois não é um completo idiota – basta explorar as boas possibilidades físicas. Conversar não. Precisa de fluidos positivos, agradabilidade, empolgação, cativação. É mais além. Mas todo homem precisa exercer o direito à contradição: nestes anos que seguiram, a garota que mais tempo namorei foi justamente com quem eu menos conversava. Por isso, agora tenho uma nova, linda e jovem com todo o futuro à frente que eu já tive e escorri em vão - nem tanto, divertidamente pois.
Gosto de conversar.
Meu sócio não era grande coisa, mas tinha toda razão.
II
Há pouco, uma amiga jovem e bonita me fala da alegria que é poder ver desenhos animados com seu pequeno filho e depois levá-lo à escola. Há respeitáveis mulheres bem-sucedidas que ganham cinco vezes mais; contudo, estão passando suas vidas em detestáveis escritórios fechados e refrigerados do mundo corporativo enquanto, num desperdício, seus pequenos filhos crescem acompanhados apenas por seu pequeno amigo computador. Estar ao lado do filho, viver uma história de amor real a cada passo. Tem preço? Não há salário de multinacional que pague. Nada paga a vida, o amor, a proximidade.
Uma amiga jovem e bonita, muito jovem, do mesmo jeito que minha mãe foi um dia e chegava a ficar contente quando eu matava aula e víamos os desenhos do SBT. Isso nada tinha a ver com notas na escola: numa ocasião, já aprovado antes do quarto bimestre, matei todas as aulas possíveis só para ficar em casa com ela. Amigos do colégio vieram à minha casa depois de duas semanas. Exagerei na dose.
Já adulto, mantive o ritmo na faculdade. Matei mais aulas do que qualquer outro aluno de meu curso.
Namorar, jogar sinuca, ficar horas incríveis conversando sobre o nada no hall, jogar cartas, seguir cachorros nos arredores da 28 de setembro, ir para a concha acústica em busca de shows, Nelsinho tocando violão, Luciene linde com seus cabelos louros cacheados. Perdi dezenas de aulas, muitas, mas ganhei em convívio, amizades, troca de ideias, aprendizados diversos.
Anos depois, recebi uma proposta de trabalho que me pagaria o triplo do salário, mas isso significava mudar de cidade e ficar longe de meus pais. Ainda convivi com eles uns três ou quatro anos. A grana? Uns duzentos mil reais. Mas quanto custa estar ao lado dos pais pelo mesmo período? Tem preço?
A vida deveria ter mais ócio.
Domenico De Masi tem sempre razão.
Meu sócio também.
@pauloandel