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Saturday, May 25, 2024

Leme, 1:30 da manhã

O que será que está acontecendo no bairro que nunca dorme? 

[o que foi feito dos moradores do edifício Elmar, demolido nos anos 1980?

A pizzaria Sorrento está fechada para sempre. 

O silêncio do Leme é uma montanha sem sinais aparentes de rajadas de tiros. 

O quartel não mudou: é silencioso pela própria natureza. 

No caminho dos pescadores há uma placa em homenagem ao ator e ex-lutador Ted Boy Marino, que foi morador do bairro por muito tempo. Mais à frente o mar pode ser desafiador e mortífero, tal como numa noite de 1988, quando levou o bailarino Graham Bart para o nunca mais. É preciso ter cuidado com as ondas impetuosas. 

O escritor Valterson Botelho dorme tranquilo em seu apartamento cheio de homenagens ao Fluminense, perto do Sindicato do Chope, vizinho de Nelson Rodrigues Filho, outro baluarte. Telê Santana também morava pelos arredores. Um reduto de tricolores. 

No Sindicato, pouco antes de se tornar uma mega celebridade nacional, Zeca Pagodinho gostava de beber chope garotinho em pé. Numa mesa próxima, jovens ex-alunos da UERJ gostavam de fazer piada pedindo testículos de boi à milanesa, só para verem as reações das respeitáveis mesas vizinhas. 

[Como foi possível o edifício Elmar ter empenado? Agora o supermercado Zona Sul está lá. Que fim levaram os moradores? 

Grandes jogos de futebol de praia: Copaleme, Areia, Embalo, Colorado. Babilônia e Chapéu Mangueira formando craques para o mundo. 

Ali atrás, na Gustavo Sampaio, é fácil ver Jairzinho, seja trazendo o pão ou sorvendo um trago. Tricampeão mundial em 1970, é o único jogador que marcou gols em todas as partidas de uma Copa do Mundo. Nós temos os nossos maiores da Terra, e eles vão à padaria! 

Antes, muitos outros viveram o charme do irmão de Copacabana em seus apartamentos e/ou nas boates locais, nos anos 1950, 1960 e 70: os atores Jardel Filho e Anselmo Duarte, o menestrel Juca Chaves, a Miss Brasil Martha Rocha, as cantoras Marlene e Emilinha Borba, o pintor Candido Portinari, a escritora Clarice Lispector, o showman Chacrinha, o dramaturgo Nelson Rodrigues, o presidente Juscelino Kubitschek, o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, a musa Marina Montini, o maestro Egberto Gismonti, o monumental Milton Nascimento, as atrizes Beth Goulart e Rogéria, a multi artista Zezé Motta, a dark singer Waleska. Até Robert de Moto deu as caras por lá, Omar Shariff também. E quem mais poderia definir melhor o cenário do que Elke Maravilha? 

“O Leme é uma cidade pequena dentro de uma cidade grande. Não é um bairro de passagem, tenho vizinhos. Cheguei, gostei e fiquei”.

[Marina Montini, a musa de Di Cavalcanti 

Noites inesquecíveis no Sacha's, Vogue, Fred's, Régine's e outros, muitas vezes registradas pelo colunismo social de Jacintho de Thormes ou Ibrahim Sued. La Fiorentina ainda está firme e forte. O Marius também. O Bar do David no Chapéu Mangueira. 

Quando se chega à esquina da praia com a avenida Princesa Isabel, fica o imponente Hotel Hilton, portal do Leme. Mas não adianta: a sede da mais famosa cascata de fogos do réveillon carioca vai se chamar Meridien para sempre. 

@pauloandel, 2020

Wednesday, May 22, 2024

Manga, para sempre

Quando me tornei um verdadeiro torcedor mirim, daqueles que liam jornal todo dia em busca de notícias de futebol, eu tinha uns onze anos de idade. Naquela época, Manga estava no final da carreira mas jogava em altíssimo nível no Grêmio. E foi pesquisando que eu descobri sua carreira grandiosa, protagonista de timaços como os do Internacional e do Botafogo. Meu pai falava com grande admiração dele.

Eram tempos em que o amor pelo futebol falava muito mais alto do que o ódio, e jogadores de times rivais eram admirados, respeitados e até idolatrados. Imagine nos anos 1960 e 1970, com os times repletos de grandes jogadores?

Dou um outro exemplo da minha geração: nós, garotos tricolores de 1979 e 1980, éramos todos admiradores de Roberto Dinamite, uma verdadeira máquina de marcar gols em cima do nosso time. A gente não tinha raiva do Roberto; na verdade nosso sonho era tê-lo como o camisa nove do Fluzão. Não deu. Ok, não se pode ganhar todas. 

De repente Manga sumiu. Foi para o Equador e nunca mais voltou. Virou uma verdadeira lenda. 

Quis o destino que, depois de tantos anos, meu breve encontro com Manga tenha sido justamente na noite de 21 de maio, um dia muito difícil por ser o aniversário da morte de meu pai. E novamente um dia histórico para o Fluminense: 16 anos da vitória espetacular sobre o São Paulo, com o golaço de cabeça de Washington. 

Quando cheguei ao Pizza Park, Manga já estava cercado por admiradores, autografando cards e réplicas de sua linda camisa de goleiro botafoguense. Eu logo lembrei do meu amigo Fernando Guilhon, super alvinegro que adoraria estar lá. E foi bonito ver vários tricolores com camisa do Flu por lá, num gesto de fraternidade e respeito. 

Ouvi Nei Conceição falar coisas muito bacanas a respeito de Manga. Carlos Roberto também. Cracaços. 

Em dado momento eu estava ao lado de Manga, quando lembrei daqueles quarenta e tantos anos atrás. Tudo passou tão rápido. Resolvi então tirar uma foto dele, de lado. Mas não o procurei na mesa, nem tirei uma outra fotografia nossa, nem pedi seu autógrafo. A verdade é que a figura de Manga é tão grande que paralisou a mim, reles mortal que sou. Eu lembrei de meu pai e me emocionei: quantas vezes ele não viu o velho Manga fechar o gol no Maracanã e aporrinhar a todos nós, tricolores?

Diante de um dos maiores goleiros de todos os tempos, me senti tão pequeno e mortal que preferi ficar apenas admirando-o em silêncio, como ídolo que é. Fiquei tão paralisado que nem peguei meu card. E se um tricolor feito eu estava assim, imagine o coração dos inúmeros botafoguenses presentes ao Pizza Park? 

Levei muitos anos para ver Manga de perto. Finalmente consegui. Espero revê-lo e aí sim conversar com ele. Ontem não deu. Eu queria muito, mas simplesmente não consegui. É que o mito, o arquétipo do goleiro supremo, a fera da Seleção Brasileira e tudo isso junto ali, representando a era de ouro do futebol brasileiro, me deixou paralisado pelo amor que tenho ao futebol. Algo que só tinha me acontecido desse jeito quando entrevistei Gilberto Gil, outro super ídolo. Quando fui embora, só pensava em quanto meu pai, um super tricolor, estaria contente em estar ali comigo. Desci a rua Marques e chorei sozinho antes de pegar o táxi. Foi melhor assim. 

Manga é para sempre. Retrato fiel de um dos nossos maiores goleiros, de um futebol brasileiro que encanta o mundo até hoje. De um Maracanã botando gente pelo nariz, cheio de povo, de massa humana rindo e chorando em jogos que são verdadeiro cinema a encantar nossos corações. O Maracanã, nossa igreja definitiva de amor ao futebol. 

@pauloandel 

Sunday, May 12, 2024

Jazz na beira da Baía

SAÍMOS do trabalho às cinco da tarde num outono calorento, deixamos a Praça Tiradentes e fomos até o Largo da Carioca, um percurso de 400 metros. Seguimos torcendo para que os bares cheios de cerveja e gentes ocupem a veterana rua cariocas hoje abarrotada de portas fechadas. No Largo fomos direto para a Banca do Vavá, o velho Olivar, livreiro politizado e consciente que há anos roda milhares de livros na porta da Estação Carioca. Livros, livros e CDs. Muitos clientes, claro, e também gente no vaivém que não está nem aí pra isso. 

Eu estava com fome. Eu sempre tenho fome. Gosto de comer. Sou gordo porque não posso mais praticar os esportes que gosto, mas também porque adoro comer. Muitas vezes fiquei sem saber se conseguiria almoçar ou jantar, por isso valorizo cada prato de comida. Então fomos ao Gaúcho, esquina de São José com Rodrigo Silva, desde 1935 na labuta. Tudo lá é gostoso demais. Pedi o pão com linguiça e molho, legítimo cachorro quente. Antes, eu e Jocemar pedimos dois bolinhos de carne. Bar cheio, todo mundo fica em pé, cotovelos se tocam, parece outro Brasil. Um barato é que hoje há grupos de mulheres em pé no botequim, e aí percebo como o machismo prevalecia nos bares da minha juventude: antigamente não havia nada disso. 

Fomos embora para o jazz, mas somente duas quadras depois Jocemar percebeu que havia esquecido o celular no balcão. Senhor! Saiu correndo, encontrou o aparelho, voltou feliz da vida e comemoramos, porque o telefone hoje é praticamente a nossa loja virtual - isso, claro, sem contar os dois barões de prejuízo caso não tivesse achado. Enquanto ele correu, eu fiquei parado olhando o passado, quando existia a Choperia do Papai que muito frequentei com colegas do passado. Logo ao lado tem o antigo Jirau que, ao que tudo indica, voltará atraindo as gatinhas da Cândido Mendes e Estácio. A velha UERJ que escorreu pelo tempo, mas que ainda alimenta lembranças belas - os tesouros da juventude. 

Um barato da Praça XV: skate. A rapaziada voando sobre as rodinhas. Sempre quis ter um quando era garoto, mas o preço era caro, então continuei pela praia jogando bola. Gosto das manobras, dos riscos, é um esporte com ousadia. E ainda tem um super skate instalado ali. Pena que o grande movimento de gente dos anos 1980 e 1990 não existe mais. A Praça ficou muito mais bonita, mas se esvaziou. Em trinta ou quarenta anos as coisas mudam muito. Nada das velhas roletas em cabines de madeira escura, nem do monte de trabalhadores vendendo amendoim nas filas - aquecido na latinha -, nem do cheiro de peixe, muito vendido ali por ora. Alguém se lembra disso? 

Aos pés da Baía de Guanabara, bem ao lado da loja de skatewear e da lanchonete - e também da Estação do VLT -, acontece o Jazz nas Quartas, dois sets a partir das sete da noite. O Guga Pelliciotti, excelente baterista com larga rodagem jazzy (Pedra do Sal, Cinelândia). Conheci o Vitor pequenininho e hoje ele é um senhor guitarrista. Por fim, o baixo elegante e preciso de Fábio Brasil. Jazz de respeito, alternando standarts com temas brasileiros da bossa e da MPB, de "Feira de Mangaio" a "A night in Tunisia". Ou seja, tudo que bons ouvidos musicais precisam, com entrada franca e lanches baratos - não deixem de ir. Eu precisava de uma Pepsi gelada e pedi; logo lembrei da minha amiga amada de anos, que conheci por uma foto, achei linda e o velho Xuru me deu um safanão - e depois fomos os três jogar sinuca aos pés do Siri da Ilha num domingo à noite no fim do século passado - tudo passa a 100 km/h. 

Quase oito da noite. Baixo, bateria e guitarra vão duelando maravilhosamente. O jazz é bom. O jazz liberta. Uma garota bonita escuta o show e escreve num caderno - ou seria uma agenda? Um casal namora harmoniosamente enquanto espia a apresentação. Alegre ao extremo, o Jocemar comemorava merecidamente a salvação do celular, que é praticamente a filial da nossa loja. Eu não tenho nada para comemorar, mas posso dizer que tive uma noite de quarta-feira de paz - me senti até gente, como não fazia há tempos. Venham à Praça XV ver e ouvir jazz nas quartas, a vida fica melhor. 

@p.r.andel

Saturday, May 11, 2024

Sabe?

Sabe aquela pessoa que te escolhe para falar de todos os problemas mas que, quando é a sua vez de falar, nunca tem tempo, está com pressa ou diz que você precisa apenas "levantar o ânimo" ou "ser positivo"? Não quero te decepcionar, mas ela não é tua amiga. Sua única intenção é se livrar de um problema, que no caso é você. Lembre-se disso. 


Um garoto, uma bola azul

Passei pela Pedro Lessa a caminho de um evento por volta das cinco e meia da tarde. Começo de mês, perto do Dia das Mães - cadê a minha? -, pelo menos a Banca do André estava cheia de gente na happy hour, uma das poucas saudades dos meus tempos de escritório. 

As pessoas bebendo em pé, em volta de mesinhas circulares cheias de long necks, rindo e conversando, salvando um pouco a imagem perturbadora que o Centro agora tem, de lugar abandonado e vazio. Do outro lado, o gourmetizado Amarelinho também tem sua turma. A partir daí, desolação. Não, na Santa Luzia tem um churrasquinho onde brota gente - e garotas bonitas paca. 

Ainda a Pedro Lessa. Quem diria que ali existiu um império de música por anos, com CDs espetaculares e muita movimentação? As bancas de metal continuam lá, completamente vazias. Há três anos, acho, ou menos, comprei um Morphine importado, a banda de rock jazz "sujo", underground, liderada pelo antológico Mark Sandman, que morreu em pleno palco se apresentando. Aquelas bancas metálicas vendiam sonhos: rock, jazz, bossa nova, sambas da antiga. Tudo passou. Ainda bem que tenho minha lojinha. 

Depois da turma bebericando, uns dez metros adiante, havia um garotinho, provavelmente filho de alguém ali. Dez anos de idade. Baixinho, magriço, vestindo uma camisa 9 amarela em algodão, bem longe das marcas oficiais. Será que era uma camisa da Seleção? Não sei. Um garotinho de menos de um metro e meio, de bermuda e chinelos, com sua bola de futebol azul escura. Ele e mais ninguém. Dava uns passinhos, chutava a bola num muro da rua, ele voltava e repetia, depois tabelava. Tudo sozinho, ele e mais ninguém. 

Eu me identifico porque apesar de já ter 56 anos de idade, nunca deixei de ser um garoto de dez no melhor que isso pode oferecer. Futebol, lanche, descanso e tudo, coisas que a gente vivencia quando criança da melhor maneira possível, e que carrega para sempre. Eu tinha dez anos em 1978 e o futebol me deixava louco: queria jogar na praia, na vila perto de casa, queria ouvir futebol na Rádio Globo, juntar figurinhas, jogar botão e esperava ansiosamente pela revista Placar toda semana - ela trazia escudinhos que você podia recortar para ornamentar seus botões.

O menino e sua bola azul. Ele toca para o fundo de um gol imaginário, faz da Pedro Lessa um Maracanã que ninguém vê. Comemora sozinho, não há torcida nem abraços, sou o único e silencioso espectador. Mesmo sozinho, ele se diverte. Um garoto com sua bola de futebol pode ser o mais feliz do mundo. É o que ele faz ali e me comove - é que eu também era daquele jeito dele quando eu tinha futuro. Lembro de tanta coisa em instantes: quem fui, o que sonhei e vivi. Chutei muita bola sozinho na vila, bem em frente ao colégio onde estudei, entre confusões, de 1977 a 1980.

[Pensei em oferecer meus serviços de ex-bom jogador ao garoto, mas desisti

Sigo a caminho do evento. Estou prestes a atravessar a rua México. Olho para trás novamente e, enquanto a Banca do André dita a festa do pedaço, o futebol continua vencendo. É o menino solitário em seu mundo particular, tabelando e jogando. Sozinho, ele tem o Maracanã e o Morumbi. Não importa quem não está, mas sim o que virá. Continuo voltando 45 anos no tempo, quando eu sonhava em ter uma bola adidas Tango, até hoje a mais linda de todos. E sonhava em ter alguém para jogar dupla de praia domingo. E ficava horas e horas na praia. É por isso que entendo a nobreza daquele jovem magriço, porque mesmo com 70 quilos a mais, o futebol tem sido meu remédio, oxigênio do dia a dia, alívio contra as piores causas. 

Sigo para o evento, o tempo não para. O garotinho, meu amigo desconhecido, insiste nas tabelas com o muro. Ele joga por ele e por mim, sem saber. O futebol insiste, e isso enche meu coração de esperança.

@pauloandel 

Sunday, May 05, 2024

And then there's just one

É só uma música. Bonita a música. Eu não a escutava há anos. Vi uma postagem e me lembrei. Ela me leva há 41 anos. Nós escutávamos direto na casa de Fred, o velho Fred que faz tanta falta. A nossa vida era futebol, botão, admirar garotas que só tinham olhos para caras cinco anos mais velhos do que nós. A nossa vida era a Lanchonete Gordon, o Cinema Condor, a trave do Juventus pra jogar dupla de praia. Era Kiss e João Gilberto, escotismo e traquinagem. Nada pode ser mais Copacabana. E quando escutei novamente a música, voltei os 41 anos no tempo e revi a sala de Fred, o toca-discos, a cama com gaveta cheia de revistas de mulher pelada, a TV grande e a bicicleta que ele quase nunca usou. Isso foi outro dia, eu lembro dos rostos e dos sorrisos, mas alguma lei do retorno fez com que exatamente agora eu seja o único sobrevivente daqueles dias, para não contar a história - apenas dividi-la de alguma forma. Nós escutávamos "Ballad of a big", fazíamos sanduíches baratos, quase não tínhamos dinheiro, mas achávamos até que podíamos ser adolescentes felizes. Fred se foi há 15 anos e isso é assustador.

Thursday, May 02, 2024

One more day

É o fim do dia. O fim do feriado. 

Dia do Trabalho. Do trabalhador? Não sei. São muitos trabalhadores humilhados diariamente num país de empresariado com tendência notoriamente escravagista. 

Eu trabalhei em casa. Por horas. Ganhei um sanduíche. Eu também sou um trabalhador humilhado, só que admito. A maioria esconde ou acha que é vontade de Deus. 

Ah, falando em trabalho, volto a 2017. Passou a maldição da reforma trabalhista, que destruiu sindicatos e condenou milhões de pessoas à morte profissional. Eu ainda era trabalhador CLT e convivi com alguns imbecis que defendiam aquela loucura. "Vai gerar muitos empregos". Estão esperando até hoje. Idiotas vassalos do patronato.

2

Meu time ganhou o jogo. Tá bom. 

Falei com a Marina. Tá bom. 

3

Ouvi TV por horas. Conversei com amigos pelo WhatsApp. Não estou bem, mas ontem foi pior: eu quase desmaiei e por um único segundo ou dois, achei que fosse morrer cedo demais. Por incrível que pareça, não me machuquei: os LPs me aguentaram. Estou bem agora, não como gostaria. 

4

Soube que houve um acidente horrível pertinho da minha UERJ. Um ônibus verde passou por cima de todo mundo. Que dor. 

Era feriado e foi mais do mesmo. Teve arrastão, assaltos e confusão. Teve gente inocente morta, assassinada por nada, uma criança inclusive. Nós somos cada vez mais uma sociedade doentia, onde a vida humana não tem valor algum. 

Vi também vídeos de bichos. É uma das minhas diversões. Elefante, coruja, cachorro, papagaio, jacaré, leão. Eles são maneiros. 

5

Eu pensei em mandar três ou quatro mensagens para pessoas desaparecidas, mas desisti porque não valeria a pena, por dois ou três motivos. 

Eu pensei em tanta coisa que se perdeu. Para sempre. E outras, tão distantes mas tão presentes agora. 

6

Acabou o dia, o feriado. Na cidade nada mudou para melhor. O desconforto é a regra. Menos mal que, no meio da semana, ele quebra o ritmo. 

7

Não desrespeito quem acredita no poder da palavra para superar as dificuldades, quem acha que é preciso "sempre pensar positivo", ok. Mas será que essa mudança de postura realmente mudaria a vida das pessoas? Será que todo mundo que sofre demais só pensa "negativo"? É um caso a pensar. 

8

Minha casa está feia, suja e bagunçada. Não importa. Eu só queria que ela fosse minha de verdade. É o único bem material que me interessa. 

9

E agora que o feriado já é passado e a madrugada está terminando, olho para a janela, encontro as primeiras luzes que ainda vão clarear o dia e me lembro de 1987, quando eu saía à essa hora para o Forte de Copacabana a pé. Tinha dezoito anos, era um garoto humilhado pelo sistema, atravessava o bairro para me apresentar à "pátria". Um dia me livrei daquilo tudo, mas não para sempre porque as lembranças de 37 anos continuam muito vivas. 

O serviço militar não me incomodava em nada. Ouvir berros, impropérios, conviver com bandidos, realizar tarefas estúpidas, sim. Pior ainda, atravessava o bairro a pé, já testemunhando toda a decadência que ainda iria abraçá-lo de maneira mortal.

Aquele sentimento de medo de sair continua. O bairro felizmente sobreviveu, apesar dos seus inúmeros problemas. 

10

"Moonlight/ Só o coração, batendo/

Calado, parando, mordendo/ 

Corpo fechado, destrincando/ 

A noite passa, e a minha é um tormento". 

"Moonlight Paranoia" é uma versão de Lobão para uma música antiga do Aerosmith, gravada para o disco "O rock errou". Acho a versão bem melhor do que a original. 

11

E daí que aquela turma de gente falsa se calou e sumiu? E daí? Foi muito melhor assim. Gente falsa, oportunista e interesseira só tem um único lugar bom para estar: longe. 

Como se fosse um aviso divino, na mesma hora da lembrança, ligam o sistema de luz do restaurante perto, faz um barulho às seis da manhã e some. 

Talvez ainda dê para um breve cochilo das seis e meia às oito. Vamos tentar.

12

O sol é para todos. 

Aos poucos, todos despertam. O rico, o pobre, o mendigo, a criança. 

As pessoas do Sul que passam tanta dificuldade.

O Brasil vai descendo a ladeira, a gente ainda não cai em si.