calar-se é falar tudo
nas entrelinhas da imaginação
o silêncio que provoca
sugere e excita
que faz pensar e sonhar
a mudez que tudo diz
ou aguça os pensamentos
os desejos provocantes
calar-se é dizer tudo
para o bem e para o mal
para o gozo e a frustração
não dizer, não comentar
observar, querer
e até mesmo desprezar
com classe
calar-se é oferecer
mil caminhos e também
a dúvida: será, será?
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Sunday, December 31, 2017
Saturday, December 30, 2017
quinze anos
Eu andava com meu amigo Xuru pela Domingos Ferreira até que chegamos ao prédio onde ficava o grande apartamento de seus padrinhos, falecidos um ano e meio antes - lá fizemos uma grande festa de Réveillon que não deu exatamente certo. Não podíamos mais subir: parentes do Sul, subitamente surgidos, mandaram trocar a fechadura para que não entrássemos mais no apartamento. A missão era apenas pegar as contas na caixa de correio para pagá-las.
Xuru passou a vida inteira frequentando aquele apartamento e, se justiça houvesse, teria herdado o imóvel: era tratado como filho. Foi um pacote duro: além dos padrinhos, ele tinha perdido a mãe e acabara de se recuperar da primeira cirurgia do câncer que o vitimaria menos de três anos depois.
Depois de pegarmos as contas, ficamos olhando para a fachada do luxuoso prédio onde entramos tantas vezes. Segundos depois, ele disse "Paulón, foda-se esse apartamento. Ele só me importava por causa dos meus padrinhos. Se querem ganhar dinheiro com essa merda, que ganhem". E fomos embora, talvez para comer um lanche e tomar um chope.
Esta cena completa exatamente quinze anos hoje.
Xuru foi embora de vez em 2005. Ontem, teria feito 47 anos. Não chegou aos 35. Foi uma luta enorme até o fim. De lá pra cá, muitas coisas mudaram, algumas delas para pior, outras não. Perdi minha família, fiz novos amigos - o Leo hoje é uma espécie de Xuru sem a filosofia, digamos, "bring on the night". De resto, o mundo ficou mais colérico e odioso, o que atinge a tudo: a política, a sociedade, o cotidiano e até mesmo o meu Fluminense, do mesmo jeito que fizeram com o Brasil em 2015.
Este foi um ano de merda. Vi amigos sendo demitidos, pessoas passando mais necessidades, a fome está a olhos nus pelas ruas - só não vê quem não quer - e, no fim das contas, muitas vezes o próximo não está nem aí para você - e depois os outros bichos é que são irracionais. Ok, publiquei três e-books tricolores para download gratuito e, finalmente, dois pocket books sobre o centro desta cidade devastada. Vi grandes shows, namorei, ganhei elogios, involuntariamente também alimentei recalques de gentinha, acontece. Estou vivo, com alguma saúde. Vamos em frente, sem pensar muito. Eu não penso somente em mim e isso é o que me encaminha à infelicidade, mas não me arrependo.
Começarei o ano cheio de problemas, com pouquíssimo apoio e precisando manter a casa em pé, enquanto assisto nas ruas ao sórdido espetáculo diário do sofrimento coletivo. Vida que segue, diria o mestre Saldanha. Vamos para mais uma tentativa. Estou cansado. Muito cansado. Mas é nessa hora em que o sprint é necessário, mesmo sem família, sem Xuru, testemunhando a agonia de um país golpeado, pensando em gente feito meu tio Mendel, que arriscou a vida para defender esta merda e que, deprimido no exílio, cometeu suicídio. Ou sabendo que meus amigos de hoje vivem a vida muito mais pelo Whatsapp do que por qualquer outro meio.
Sem medo nem esperança, olho para trás e me recordo de uma bela lição do meu amigo: o ser humano é mais importante do que qualquer bem material. E mesmo que pareça uma bobagem, eu vou com ela até o final. Só me resta escrever.
Onde está o Xuru?
Thursday, December 28, 2017
impotência
o amigo que sofre
a dor que devasta
o silêncio opressor
nós não somos merda
nenhuma
e perdemos nossos tempos
com tolices em vão
o amor que dorme
o desencontro
a certeza do melhor
que já se foi
o que vai restar dos versos
além das lágrimas?
quando as drogas acabarem
sem lugar para comprar
nós não somos bosta
nenhuma
os cemitérios estão lotados
de likes e compartilhamentos
e visualizações
todos estão mortos
deus seja louvado
vamos aplaudir a queima
dos fogos
e fingir que o novo é novo
é um pé na porta
fingir que não há dor
sofrimento
que o outro não é nada
ah, real estupidez!
vamos aplaudir o ano novo
e o mundo
enquanto somos mortos
vivos mortos
vivos
não há saldo na conta corrente
the time is gone!
hoje a festa é sua
filhadaputa!
a dor que devasta
o silêncio opressor
nós não somos merda
nenhuma
e perdemos nossos tempos
com tolices em vão
o amor que dorme
o desencontro
a certeza do melhor
que já se foi
o que vai restar dos versos
além das lágrimas?
quando as drogas acabarem
sem lugar para comprar
nós não somos bosta
nenhuma
os cemitérios estão lotados
de likes e compartilhamentos
e visualizações
todos estão mortos
deus seja louvado
vamos aplaudir a queima
dos fogos
e fingir que o novo é novo
é um pé na porta
fingir que não há dor
sofrimento
que o outro não é nada
ah, real estupidez!
vamos aplaudir o ano novo
e o mundo
enquanto somos mortos
vivos mortos
vivos
não há saldo na conta corrente
the time is gone!
hoje a festa é sua
filhadaputa!
niilismo
se os novos críticos musicais atacam a Pablo por homofobia, fodam-se eles todos. se ela, Pablo, é obesofóbica, que se foda muito também. fodam-se todos. fodam-se os paneleiros, os golpistas, os ignorantes, os bandidos, os corruptos, os massademanobra. fodam-se os recalcados, as subcelebridades, a flubabaca. fodam-se todos os opressores, os covardes, os machões de teclado, os bonzinhos que não querem se envolver, os estapafúrdios, os coléricos sem causa. fodam-se o mbl, o pfl, as ditaduras da al, as organizações globo, a folha, o estadão, a casa do caralho. fodam-se todos os que estão silenciados perante o helicoca, as propinas da FIFA, a bodytech. fodam-se cabral e sua gang nos quintos do inferno. fodam-se de verdamarelo ou quaisquer cores e cinquenta estrelas. fodam-se os lobistas e vigaristas. foda-se o bitcoin e seus especuladores. foda-se trump e também o velho ridículo golpista do inferno. fodam-se os idiotas que abanam o rabo com as mentiras sobre os dados de emprego, renda e pib. fodam-se todos os egoístas, os fascistas, os totalitaristas do capital. fodam-se, fodam-se muito, sem sexo e gozo, mas o foder da vida. fodam-se os arrogantes, os indiferentes, os que não têm apreço pelo outro, os traidores da amizade. o concreto já rachou, a destruição é a moda, ninguém quer saber de ninguém e que todos estes se fodam. foda-se o ano novo, o carnaval, a copa do mundo, o próximo feriado. fodam-se as mudanças que não virão. foda-se o futuro: ele é a morte. um minuto de silêncio em memória de todos os oprimidos e desprezados neste mundo injusto de merda. o resto que se foda. fodam-se todas as fake news e breaking news. paz, onde mora a tal paz? o mundo é maravilhoso, a desgraça é o serumano.
Wednesday, December 27, 2017
um intruso no mundo
eu não quero ser
o grito de ódio
a gota d'água
o suspiro inútil
a despedida
não, não quero!
este dia amargo
não é meu
nem a selvageria
a escrotidão ao léu
este sangue morto
não me pertence
essa cólera fétida
não!
não, mil vezes não!
este cheiro asqueroso
eu só quero vender
meu cachorro quente
e ter um pouco de sombra
sem luxo esdrúxulo
sem gourmetizações
eu só quero olhar o céu
e ter a certeza de que
não feri ninguém
espiando os escoteiros
parados bem perto
do monumento nacional
pensando em música
e cultivando amor
num quartinho
essa rua não é minha
nem o bairro, a cidade
eu só queria não ser
um intruso no mundo
um intruso no mundo
um intruso
@pauloandel
o grito de ódio
a gota d'água
o suspiro inútil
a despedida
não, não quero!
este dia amargo
não é meu
nem a selvageria
a escrotidão ao léu
este sangue morto
não me pertence
essa cólera fétida
não!
não, mil vezes não!
este cheiro asqueroso
eu só quero vender
meu cachorro quente
e ter um pouco de sombra
sem luxo esdrúxulo
sem gourmetizações
eu só quero olhar o céu
e ter a certeza de que
não feri ninguém
espiando os escoteiros
parados bem perto
do monumento nacional
pensando em música
e cultivando amor
num quartinho
essa rua não é minha
nem o bairro, a cidade
eu só queria não ser
um intruso no mundo
um intruso no mundo
um intruso
@pauloandel
Monday, December 25, 2017
meia noite inteira
o teto é o céu
e o motor do
ventilador é
uma turbina de
avião: vamos
decolar! meia
noite inteira os
versos estão
cansados os
beijos estão
mortos a viagem
é longa meia
noite inteira os
amores silenciados
agora é um novo
dia inútil ninguém
à espera no ponto
@pauloandel
e o motor do
ventilador é
uma turbina de
avião: vamos
decolar! meia
noite inteira os
versos estão
cansados os
beijos estão
mortos a viagem
é longa meia
noite inteira os
amores silenciados
agora é um novo
dia inútil ninguém
à espera no ponto
@pauloandel
Saturday, December 23, 2017
quando você morre
há muitas maneiras de se estar morto em vida. você morre quando o ódio triunfa, quando a dialética é destruída pela ignorância, quando a ingratidão anda de mãos dadas com a indiferença. você morre quando beija o desamor, quando o abraço é formal, quando a democracia prevê senzalas. você morre quando as crianças são tristes, os idosos têm melancolia e os adultos estão ocupados demais no whatsapp. você morre quando um bandido acerta uma bala na cabeça de um inocente, mas também já morreu quando aquele mesmo bandido era uma criança chorando de fome e batendo na janela do carro. você morre quando o pragmatismo mata o sonho, quando a distância é melhor do que a vizinhança, quando ficar calado é o remédio para não ouvir. você morre com um gol contra ou a favor, a vitória que será derrota, quando a certeza é o desprezo. você morre muitas vezes, exceto quando odeia, porque aí já deitou morto dentro do ventre. você morre com o rancor e o descaso. você morre, morre, morre, mas depois respira e procura a próxima morte.
Friday, December 22, 2017
Saturday, December 16, 2017
Lançamento de "Cenas do Centro do Rio II"
Nesta segunda-feira, 18/12
Casa Vieira Souto
Praça da Cruz Vermelha, 9
Centro-RJ
A partir das 18 h
R$ 25,00
Casa Vieira Souto
Praça da Cruz Vermelha, 9
Centro-RJ
A partir das 18 h
R$ 25,00
Tuesday, December 12, 2017
45 minutos no Centro
Há semanas e semanas eu não caminhava pelo Centro. Aquela coisa de descer da Cruz Vermelha até a Uruguaiana, por exemplo.
No fim da tarde as ruas estão vazias. As pessoas, cabisbaixas. O Largo de São Francisco, deserto. Antes disso, uma visita à minha amiga Raquel Alves, sempre com CDs fantásticos: só ela podia ter Trey Anastasio no estoque.
Rua da Carioca, as lojas fechando, outras permanentemente fechadas, o trânsito ao contrário, pelo menos se salva a Casa do Choro. O Bar Luiz respira com ajuda de aparelhos. Outro dia mesmo eu saía com meus trocados do IFCS e bebia um chope dourado por lá, vinte anos que escorreram pela pia. O único momento alegre da rua é numa loja com trinta pessoas paradas na porta, resolvo espiar e tem uma TV com o jogo do Grêmio no Mundial - e há quem creia que é só um jogo quando milhões de homens fixam seus olhos à tela e procuram os melhores anos de suas vidas - a infância correndo atrás de uma bola.
Lojas Americanas da Uruguaiana, sinto um enorme aperto no coração porque antigamente sempre comprava coisas para minha família - e ela se foi. As pessoas disputam os presentes de Natal, mas nem de longe com a lotação de outras épocas. Uma vez comprei lá um liquidificador para minha mãe, que ficou felicíssima - eu era um estagiário e tinha a vida pela frente.
Resolvi descer no Metrô Carioca e atravessá-lo até a avenida Chile. Na porta, um morador de rua faminto, sujo, desesperado e uma senhora tentando saber onde estava sua família, provavelmente com a melhor das intenções mas sem perceber a dor do momento. Desci a escada, voltei, ela já tinha ido, ele continuou lá, dei-lhe vinte reais, ele quase chorou e eu também, porque estou cansado de ver tanta gente sofrendo na Terra desde que me entendo por gente - daquele dia em que minha mãe mergulhou em lágrimas ao ver a jovem mendiga com sua pequena filha, dando-lhe uma quantia e entrando em desespero a seguir, logo após termos saído do Metrô Copacabana em 1973 - de lá pra cá, vejo diariamente o sofrimento das pessoas realmente necessitadas e tenho raiva de mim mesmo por não ter condições de transformar suas vidas.
ATRAVESSANDO o metrô você vê o maior exército da solidão do mundo, uma multidão indo e vindo com toda pressa como se estivesse em fuga - as pessoas só têm olhos para os smartphones, o amor ao próximo parece tão escasso. Então vem a escada de degraus e a saída, onde logo se vê a turma da Petrobras descendo do elevado do BNDES.
Passe pela Chile e, logo abaixo da República do Paraguai, lá estão caixas, papelões e gente morrendo sem chance a conta-gotas. Mais à frente, grandes carros pretos corporativos prontos para transportar importantes executivos nessa terra de ninguém, no coração de uma cidade devastada por ladroes de termos bem cortados - e golpistas também.
Quase na esquina com a Lavradio, um garoto muito louco de crack grita uma canção de letra ininteligível e ri, sem a menor noção de onde estamos e, por isso mesmo, talvez até mais feliz diante de sua própria tragédia.
Duzentos metros depois, duas jovens saem do prédio da Nova Petrobras com expressões apreensivas, parecidas com seus colegas de trabalho nos restaurantes da região. Lembro de comprar quatro pães franceses na padaria. Peço queijo minas, não tem.
Paro na esquina da Henrique Valadares. Alguns fregueses conversam no churrasquinho da esquina. O céu gris não traz a chuva prometida. O movimento dos carros é pequeno. Dei uma bela volta no centro da minha cidade, e sou capaz de apostar que ela só esteve mais triste em dezembro de 1964 e 1968 - quando eu tinha cinco meses e era a alegria da minha família. A cidade não para, mas ela está triste demais. Nenhum lugar traduz o Brasil tão bem quanto o Rio, para o melhor e o pior.
Chego em casa, tenho uma boa conversa no fone com o craque Ricardo Mazella, finalmente tenho uma notícia legal. Desligo. Agora são oito da noite, o que resta é tomar banho, comer e descansar, até que nasça o amanhã cedo com tanta gente sofrendo na rua, no que sobrou dos empregos, nas calçadas abandonadas e na certeza de que tudo devia ser diferente, diferente demais.
@pauloandel
Monday, December 11, 2017
Saturday, December 02, 2017
cidade zumbi
a cidade dos zumbis
entre idas e vindas
e populares lutando
carregando bugigangas
para vender
mãos carregando caixas de balas
de amendoins, de biscoitos
mochilas baratas
e perto, na porta do necrotério
mãos desesperadas
em cachimbos de crack
- a morte à porta da morte
mãos espalmadas e vazias
mendicantes e enrugadas
ignoradas maltrapilhas
o brasil é uma covardia
entre idas e vindas
e populares lutando
carregando bugigangas
para vender
mãos carregando caixas de balas
de amendoins, de biscoitos
mochilas baratas
e perto, na porta do necrotério
mãos desesperadas
em cachimbos de crack
- a morte à porta da morte
mãos espalmadas e vazias
mendicantes e enrugadas
ignoradas maltrapilhas
o brasil é uma covardia
Friday, December 01, 2017
o homem ridículo/ hi-lites
I
era somente um fim
e nele nada havia
de fraternidade
respeito, carinho
solidariedade:
nada, nada, nada
a não ser a indiferença
que só os medíocres
possuem
Ii
o homem ridículo
fala para ninguém
e acredita fazer sucesso
com a sua escrotidão
finge-se potente, poderoso
tão importante
mas não a ponto
de enganar a si mesmo
olhando para o teto
numa noite insone
o homem ridículo é fruto
de sua pequena relevância
e precisa dos outros para
protagonizar delírios fúteis
porque é tão somente um idiota
nunca viu ashley judd
ou escutou henri Salvador
o homem ridículo
nunca leu ivan lessa
não entendeu veludo azul
e é homofóbico assumido
é totalitarista em nome de deus
e vomita verdades flácidas
- outros idiotas riem
- alguns se sentem constrangidos
o homem ridículo não tem paz
mesmo tão sozinho: ele é
a regra de ódio contra si mesmo
e corta as noites alucinadamente
entre carreiras repartidas
e pequenas trapaças consentidas
o homem ridículo
não entende a dor do outro
o abraço
a pátria partida
o homem ridículo
é a certeza da própria
mediocridade em riste
III
a navalha afiada está guardada
para todo o sempre na imperfeição
de uma cicatriz no rosto
IV
uma mensagem fria
às onze da noite da
sexta-feira pacífica:
o ódio não constrói
@pauloandel
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