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Sunday, September 29, 2013

quando pensei em você

EXISTEM noites e noites, em muitas delas tenho pensado em você como nunca, como as muitas noites que pensei antes já não fossem suficientes. Então todos vivemos mais uma noite fria dessa primavera com jeito de inverso, olho fixamente para o teto de gelo sem estrelas e penso em você nas muitas noites. O teu rosto está desenhado num horizonte imaginário. Num instante, preciso mexer no computador e te vejo, então naturalmente penso em você. Imaginar tudo o que não fizemos e que eu sempre quis, a mentira que vivi quando te vi noutra mulher e outra e outra, dizendo-lhes tudo o que eu pensava em você, elas tão felizes e nunca fui tão solitário feito agora, nessa praia que diz tanto a meu respeito mas talvez saiba tão pouco do que sonho. Tenho outro horizonte, distante do teto de gelo, que também desenha a beleza do teu rosto e me faz pensar em você. Quando me dão a mão, eu sonho em tocar a tua mão. Quando beijo, eu beijo você. Nas noites intermináveis de luxúria e prazer, meu corpo clama silencioso a todo momento por você – e trocaria estas mesmas noites, mil e uma noites, só para estar ao teu lado e ter você num silêncio capaz de dizer tudo, desvelar todas as coisas e desnudar tudo aquilo que muitos chamam amor, seja em vão, duradouro ou definitivo.

ACONTECE que já tive muitas noites em muitos lugares da cidade e do campo. Realizei coisas, perdi outras, amigos foram e vieram, amores idem, mas nada, absolutamente nada se parece com o que penso sobre você, o que sinto sobre você – basta dizer o que meus poucos amigos riem quando sabem verdadeiramente de mim - “Schneider, você está absolutamente louco! Como pode trocar as mulheres que tem por um sonho juvenil de alguém que nunca te pertenceu? Você fumou maconha? Quer namorar um holograma, um avatar?” -, caçoam, às vezes até ridicularizam involuntariamente e penso que podem ter até razão, mas não sou capaz de controlar o que meu cérebro e meu coração pensam. Nenhum deles sabe do quanto você já me fez chorar, nem você sabe ou imagina – chorei porque magooei quem não devia porque penso em você – chorei porque imaginava você feliz em outros braços e lençóis mas era tudo uma bobagem. Basta mexer no telefone e procurar na agenda o teu nome para nada – não haverá ligação nem mensagem -, apenas pra te ver de alguma forma, fitar as letras, namoricá-las. Te sonhar e desejar e possuir como nunca, mas é algo difícil de explicar porque não se resume a carnes e lascívias, é muito, muito mais. É o querer bem, o querer conquistar, desbravar, anoitecer e amanhecer com você nos braços – e mesmo que nada fosse nada além disso, já seria um muito gigantesco.

Pois bem, ESTA é uma longa noite, a primeira de muitas que virão, a última de uma longa série há cerca de duas mil e cem ou mais. Em todas elas eu pensei em você. Quando escrevi um poema, pensei em você. Quando escrevi um longo conto que fala de uma viagem, foi delicioso lembrar que em certa manhã você morava nele – seiscentos quilômetros de distância e eu não parava de pensar em você. Lá mesmo cometi alguns pecados, um maior, mas não deixei de pensar em você – somos assim: fazemos das tristezas combustível para praticarmos bobagens que, no fundo, só servem de distração ou preenchimento da mente contra a dor, a perda, a ausência. Esta é uma noite à beira-mar, deserta, vazia, com quase ninguém na grande calçada e eu ainda penso muito em você. Perto da pedra do Leme dois namorados acariciam-se com os rostos e eu penso em você. Na Prado Júnior certamente alguém que não vejo fará sexo com uma linda mulher e eu apenas pensarei em você. Em algum lugar desta cidade fria pessoas são felizes, tristes, mera companhia - enquanto a minha solidão, que passa por todos os lugares e multidões, namora você, a tua imagem, a tua lembrança, o teu rosto delicado e o sorriso de mil pérolas. A primavera há de saudar um verão, as ruas serão mais risonhas, os poetas encontrarão as bailarinas de suas vidas, as multidões gritarão nas arquibancadas do Maracanã, Copacabana será pequena para o Ano Novo, mas tudo o que penso é um dia encontrar você. Te namorar. Te viver. Fazer o nosso mundo secreto enquanto a vida escorre sem sentido no coração das grandes metrópoles. FRIA a noite, abençoado seja cada momento em que penso em você.


@pauloandel

Friday, September 27, 2013

sobre as estrelas

1

oh, nossas estrelas
com lindeza efervescente
mas distantes, frias
e mortas
- ei-nos a aplaudir
e namorar a beleza
longe que já não dita
apenas brilha
oferece efêmeros sonhos
as estrelas namoram o céu
e ficamos por aqui:
perdidos em romances
satélites sem órbita
despidos de ano novo
lunar

2

alguma coisa
a esmorecer meu coração
está escrita e pintada
nas estrelinhas solitárias
pontinhas de luz imaginária
quando vejo meu céu
de Copacabana
são tantos que dormem
e outros agora longe
mas minha promessa
mora nas estrelas
de Copacabana
um deserto de amor
no horizonte
meu chão de grãos
minhas flores mortas
e um silêncio
que só entende
quem ali nasceu

andel

Wednesday, September 25, 2013

nada nada

agora sou o nada
noves fora, nada
o quociente é nada

o divisor é lenda
e ninguém quer saber
a respeito do resto

agora sou o nada
o vazio, o vácuo
despedida triste
sem rastro de beijo

nem flores nem lágrimas -
a vida é saída
agora sou o nada
caibo em silêncios
e espaços de mansidão:
o retrato é o passado
a ausência, rasante
ou impreciso futuro

agora faço-me nada
basto-me em nada
e a imperfeição
é o bálsamo

que toma conta de mim -
somos um isso!

@pauloandel

Tuesday, September 24, 2013

romance vigília

1

o topo do mundo
e suas matizes:
dor, drama, tesão
miséria, amizade
felicidade
e um vasto horizonte
onde nos perdemos
a cada instante

2

havia uma canção de amor
quando te vi dormir
nos meus olhos, o retrato
dos dias mais felizes
que jamais vivemos
havia mistério e dúvida
nenhum desencanto
havia uma canção de amor
do mesmo jeito
quanto na primeira vez
que te vi em mim
e não sei dizer dos planos
o agora, sexta-feira
mas onde quer que estejas
tudo será uma canção de amor
a namorar navegando em ti


3

quando você sonhar
eu serei cais de teu atracar
e se faltar calor
posso te dar um sol
quando fores distância
eu serei nau amiga
e te trarei comigo
por todo o oceano
um beijo do tamanho
de todo o oceano
quando você acordar
serei servo aos teus pés
e te farei sorriso, lágrima
causo, delícia
quando você procurar
não te servirei de tesouro
mas relíquia
e tudo vai ser como sempre
foi um dia
e tudo vai ser meu amor
namorando a tua poesia
dá me tua mão:
sou tua fonte inesgotável
de calor

@pauloandel

Friday, September 20, 2013

a dona do cais

corre
que teu amor não dorme
numa taverna
à beira do cais
e te espera
feito viver um século
por segundo
cante
teu verso sem lágrimas
que saudade a cem por hora
parece o tempo
que parou
viva
dois olhinhos pretos
e um sorriso de porta-estandarte
como se o mundo fosse fim
uma duquesa
em prosa e charme
leveza de arquitetura
em aroma de alfazema
cante
viva
sorria
a beleza ali tão tua
e canecas invejosas
tilintam
nos arredores -
respiramos um país
em beijo, gozo e sina
a lua não vai dar cris
e o amor de primavera
tem a ver
com certo rigor e lances
duma noite
na Baviera

@pauloandel

Thursday, September 19, 2013

estação

queria ficar à tua estação
nenhuma navegação sã
nenhum ato que não fosse vão
passar o tempo, o tempo
em desacontecimentos, todos
exceto os que te levassem
ao meu profundo olhar pequeno
queria ficar à tua estação
sem jeito de náufrago
órfão da tempestade
carro virado na contramão
a casa abaixo pra fazer uma canção
enquanto teu rosto sereno
adentra o meu, satisfeito
e adentramos uma noite de afã
os trens recolhidos, o pouso longe
e dois corações solitários
namorando em silêncio, teso

@pauloandel 




Wednesday, September 18, 2013

STF

Alguns vociferam. Outros xingam. Pitis e arroubos. Oh, impunidade... de QUÊ?

Chamam isso de democracia e liberdade - a mesma que não se tinha no passado, onde ser "comunista" ou "vermelho" poderia significar uma sentença de morte (ou tortura ou estupro).

Desde que se atendam vontades pessoais e míopes, pode-se mandar a Constituição à merda, eis o que muitos pensam. Afinal, as barbaridades da ditadura 64 não foram à toa... nas redes sociais mesmo, é normal ver boçais afirmando que "nunca houve ditadura nem tortura", que "tem que tacar uma bomba na favela e matar tudo" e outras selvagerias do fascismo tupiniquim.

O mais patético de tudo está reservado aos que só se manifestam politicamente em determinadas horas convenientes, fazendo um silêncio cemiterial hipócrita em outras. É preciso ser muito ignorante - ou dotado da mais pura má-fé - para reiterar que "os maiores crimes de todos os tempos" só foram cometidos no Brasil a partir de 2002. Nada mais natural em se tratando de um país onde boa parte da população, quanto mais abastada é, mais faz questão de ostentar sua ignorância colossal em relação à própria história. Ou generais foram morar na Atlântica e na Vieira Souto graças às enormes capacitações de adminstração dos pobres soldos?

Num julgamento em que a corte encontra-se dividida, o voto de Minerva é natural, desde os tempos de João Sem-Terra. Aliás, a própria divisão deixa claro que nem a maior corte do país tinha consenso sobre o que acontecia.

Sinal claro que que a coisa não tinha andado bem desde o começo, quando “tudo leva a crer” transformou-se em “é”. Erro imperdoável que foi remendado a tempo hoje. 

Ilude-se quem imagina que "o povo" saiu derrotado na votação de hoje do STF. O que estava em jogo não é "a desgraça do PT" no país, mas sim o risco de conclusão de um processo que foi norteado o tempo todo por achismo - "não tenho provas, mas tudo leva a crer que aconteceu".

No fundo, quem perdeu foi o rol de grandes corporações de comunicação, prostituídas do cabelo ao dedão do pé desde sempre. Queriam decidir a eleição de 2014 em 2013, mas não deu certo. Se tivessem realmente preocupação com a corrupção, não teriam financiado a ditadura cívico-militar que, dentre outras coisas, fez uma enorme turma muito rica até hoje. E nem acobertariam N escândalos desde sempre - isso, quando não foram sócios majoritários desde sempre. "Aos amigos, tudo; aos inimigos, o rigor da lei" - quem se lembra?

Nomes aos bois? Globo, Abril, Folha, Estadão, Olavo de Carvalho, Pondé, Reynaldérrimo Azevedo, Augusto Nunes, Diogo Mainardiota e lacaios idem.

Cheguei a pensar em falar de Lobão, mas não é o caso. Ainda o admiro como "roqueiro" com aspas. Como "pensador", as aspas viram gargalhadas de claque.

Todos esses "são caboclos querendo ser ingleses" (Cazuza). 

Sete anos de pancadaria diária implacável, mas é bom que se diga: NINGUÉM FOI ABSOLVIDO DE NADA. Tão somente reconheceu-se o direito a recurso. Cumpriu-se a lei. 

Ah, sim, os juízes Mendes e Barbosa não são donos do Brasil e nem das garantias constitucionais de cada cidadão brasileiro. 

Simples: os meios de comunicação já não têm parte da força que já tiveram um dia. Perderam credibilidade. A fúria opressora em busca de um poder que tiveram décadas atrás os levou ao ridículo e vazio de hoje. Tanto que já perderam três eleições presidenciais seguidas e, ao que tudo indica, o 4 x 0 está chegando. 

Meus sinceros parabéns a homens de imprensa como Mauro Santaynna e Janio de Freitas, que chegaram à idade madura para fazer um jornalismo sério, de verdade, sem caixinhas, que ainda brilha diante deste mar de lama dos Mervais e cia. Homens que defendem o Brasil, a democracia e a pluralidade de ideias há mais de sessenta anos. O mesmo vale para Paulo Henrique Amorim e Luís Nassif. 

OBS: ao declarar seu voto, o juiz Celso de Mello citou Pontes de Miranda no embasamento de seu voto – um dos mais notáveis juristas brasileiros e reconhecidamente um homem de direita. Estimativas preliminares apontam que 99% das pessoas que estão descabeladas com o 6 x 5 de hoje desconhecem quem foi Pontes de Miranda. 

@pauloandel 

Ruas, ruas

As ruas num ir e vir fascinante e caótico ao mesmo tempo.

Batalhões de estranhos em deslocamento marcial na hora do almoço ou de ir embora de empregos respeitáveis. Quase todo mundo tem um celular que lhe permita falar com quem está longe, bisbilhotar pessoas e outras tarefas menos inglórias. Pouca conversa, muitos olhares, nenhuma fraternidade. Números são mais importantes do que nomes.

Cheiro de rua triste, como diria Kerouac. Dejetos, latões, seres humanos sofridos fazendo do lixo a única refeição do dia – e há quem considere isso absolutamente normal – caso o animal de estimação esteja velho, largam-no ao léu. Difícil entender o que se passa em corações tão ocos, sem sentido, incapazes de enxergar o outro na condição de gente e não objeto descartável.

Grandes corporações, salários mínimos, lucros máximos, nada importa se não for para vencer? O que significa isso? Somos seres desprezíveis sem lucro? Grandes antenas de telecomunicação, imagens generosas, gente bonita, o mundo não vê o próprio mundo onde só se exige audiência.

Um lugar ideal para não se conversar está nas bibliotecas, nelas a viagem é outra, a jornada individual para dentro de si mesmo. Nenhuma delas lotada, você pode visitá-las com toda calma, sempre tem cadeiras sobrando.

Há quem drible a fome, a dor, miséria, a família que inexiste com drogas ilegais. Que outra alternativa? Enquanto isso os bares estão cheios de conversas vazias. Banheiros cheios também, onde alguém propõe sacanagens ou droga-se por não ser o máximo de qualquer coisa que seja útil nessa terra. Não somos algarismos, ora!

Sexo para virar amor, amizade para virar interesse, passatempos para iludir as mentes, promessas que nunca serão realidade. Enquanto isso os doentes amontoam-se nos corredores dos hospitais e sonham com um inferno melhor. Perto de um deles, alguém vibra com seu novo parcelamento em vinte e quatro vezes sem juros – só um idiota acreditaria nisso! -, olhos atentos seguem todos os passos de uma vitrine rica – as mentes, longe disso.

Que tal postergar a vida? Isso fica para depois do feriado. Ou depois das férias. Melhor depois do carnaval. E a Copa do Mundo. E tudo o que devia ser agora ou esta semana pode virar um sonoro “nunca mais”.

Respeitáveis cidadãos querem a morte da maior corrupção de todos os tempos, o que não significa que vão deixar de burlar o imposto de renda, devolver o troco a mais concedido no supermercado ou deixar a velhinha sentar no banco preferencial do metrô. Uma espécie de semi-ética, se é que isso é possível. Respeitáveis juízes têm capangas, já absolveram estupradores e não se preocuparam muito quando velhos amigos tungaram o erário sem dó.

Famílias em suas casas numa noite qualquer e ninguém conversa – alguém está no computador ou telefone ou em frente à televisão, dificilmente vendo algo que preste ou ajude a raciocinar – não, mil vezes, reality shows NÃO!

Alguém diz que generosidade é dar um real ao morador de rua. Alguém diz que tem que tacar uma bomba na favela e destruir tudo. Alguém diz que no tempo da ditadura é que era bom.

Estamos perdidos demais.

Eu não passo de um estrangeiro tentando entender o incompreensível dentro do tempo que me resta.

Enquanto isso, na enfermaria, quase todos os doentes estão cantando sucessos ditos populares, na verdade impostos pelo lucro, o maldito e abominável lucro.

As ruas estão vazias.


@pauloandel 

Tuesday, September 17, 2013

Amorzaço

ih, o amor tão cru num nascedouro
quando não depende só de carne
desejo e ardor incalculáveis ao céu
e tem mais a ver com estar e sentir
quando o ser é bem melhor que o ter
quando tudo faz-se riso e companhia –
não temos nenhum controle a respeito
impossível fazer qualquer previsão
o que nasce e acontece tão redivivo
feito herdeiro do que já disse adeus
ora, o amor e seu insólito chão de lua
que não tem plano, chão ou fracasso -
vem e vai embora, flutua, morre e volta
num compasso a exaltar o bom da vida -
a próxima esquina tem um amorzaço!

@pauloandel



A linha do céu de Maricá


Coisa de dois ou três sábados, dois na verdade, acompanhei meu grande amigo Leo numa ida a Maricá.

Cidade que muito gosto, já pensei até em morar por lá.

Uma tarde de lazer, sem culpas, contas, nenhum compromisso de namoradas, trabalho, textos, apenas gastar horas agradáveis e ver coisas diferentes.

Descemos a estrada com calma até rara, baixa velocidade, um sábado de sol, primeiro para tratar de assuntos no aeroporto, depois a casa de outro amigo, Raphael – alguma conversa fiada da melhor qualidade, um pilantra que nos deve dinheiro, outras coisas.

No aeroporto, conheci João, amigo de Leo, instrutor, garoto ainda, já chegou fazendo piadas jocosas, teve o troco imediato – piadinhas homofóbicas, daquelas que os homens adoram falar quando não há mulheres por perto, bobagens adolescentes.

Nem tudo era brincadeira, entretanto: depois os dois falaram de coisas sérias da aviação, problemas, correria.

Eu, que nunca fui chegado aos ares, olhei com afinco o silêncio das aeronaves no hangar, um silêncio não apenas de se ouvir, mas ver por todo lado.

A beleza da linha do céu de Maricá, os escoteiros em reunião no gramado.

Uma tarde de calma, muitos risos e alguma apreensão.

Tivemos uma hora e meia de conversa, acho. Depois, abraços fraternos de corretos irmãos. João ia voar.

Depois fomos para a casa de Raphael, jogamos bola com Dudu, fim de noite e volta ao coração da cidade, o centro.

Naquele sábado, eu estava ainda apreensivo por conta de uma viagem que teria que fazer, menos pelo voo em si, mais pelo trabalho.

Mas a calma que parecia reinar em todo o aeroporto – e não necessariamente na fisionomia dos amigos – foi uma espécie de calmante para o meu voo da semana seguinte – fui a Brasília, trabalhei, encontrei amigos e ainda voltei a tempo para ver o Fluminense na TV.

Há cinco dias, João faleceu num acidente de avião na mesma Maricá que foi meu sábado de calma. Deu no jornal, na tevê, eu tinha ouvido falar mas só me dei conta de quem era a vítima ontem, via Leo.

O sujeito que me passou calma para fazer algo que detesto – e que ele tanto amava – faleceu fazendo seu ofício, sua fé.

João passou pela minha vida numa única tarde, num único dia e dele não esquecerei. 

A linda linha do céu de Maricá tinha muito mais a me dizer além do silêncio, na hora eu desconfiei, mas não entendi ao certo.

Minhas desconfianças são as poucas coisas que me dão medo no mundo.


@pauloandel


Em memória do Cmte. João Soares

Para Leo e Raphael

Saturday, September 14, 2013

corpus

1

onde, onde festejas tuas bobagens inevitáveis que não sei viver?
não vamos falar de perdão ou de rancor. é tudo tão desprendido

eu só queria que você soubesse do quão bom seria  ser outra:
outra página, outra andança, outras palavras e mais artifícios sãos
tudo dedicado para que estivesses aqui tão viva e fascinante
e se pensasse em navegar teus seios, esquiar o colo, o dorso nu
feito o invencível verão que jamais vivemos quando merecido
ou certas ocasiões deliciosas que desperdiçamos sem sentido
ah, eis o melhor dos cantos quando fosse ao pé do teu ouvido
até quando a tempestade se avizinhasse e fosse senhora do tempo
onde, onde flanas pelos versos que me soam perdidos demais?
eu só queria que você soubesse do quão bom foi pelo meu sim
e se estivéssemos aqui feito dois estrangeiros iniciantes e sós

nada mau fazer do teu corpo a minha colônia de férias - o país


2

o corpo são
numa cabeça de mil
sentenças
o corpo nu
em boas delícias
e reticências

o corpo cru
e seus temperos ases:
amor e tesão
qualquer corpo regenera
qualquer corpo regenera
e fascina
até chegar o dia
o abominável dia
da decomposição

da decomposição
o amor e seu tesão
perdidos em vão


@pauloandel

Friday, September 13, 2013

MC Magalhães












contrários

não somos peixe para este mar salgado de ocaso
devemos ser longe de qualquer apreço asséptico
e queremos tanto, tanto que precisamos subverter:
recuperar o gosto pelo risco, o impreciso certeiro
não acordar num sábado cedo com mais do mesmo
voar na coragem de mudar qualquer convenção –
fugazes amantes em carne apaixonada, o tempo que for
fazer a história num segundo, o romance numa tarde -
e o que fazemos então neste mar opaco de sobriedade?
queremos outra história, outra delícia, banquete e prazer
o que nos falta para colocar as portas muito abaixo?
explodir os muros, espatifar janelas, reler o que foi roubado
esta é uma longa manhã de sexta-feira numa vida pacata
e nada é tão empolgante que não seja eu e você ao contrário

@pauloandel

Wednesday, September 11, 2013

Xuru (1970-2005)

Meu querido amigo Russ, como andam as coisas?

Espero que bem, em algum lugar que não sei dizer.

Aqui, uma confusão enorme. Tenho sentido algumas dores, nem todas as pessoas são como parecem ser, outras coisas vão bem demais. Acho que estou triste, mas também feliz. As confusões de sempre, você deve imaginar.

E Dona Delfina?

Tem falado com Dona Luzia? Meus pais?

Ontem, exatamente ontem, segui uma das tuas lições à risca. Confesso que ri, mas não deveria. Talvez tenha rido mais por lembrar de ti do que pelo rol de atos em si. Mas foi divertido. Uma noite de Xuru num bar com direito a sete anos de vinganças. Talvez você se lembre da história. O final não foi feliz mas o império contra-atacou como nunca. 

E o Vascão? Mais ou menos, não é?

A corja nunca deixa de falar do teu carro inesgotável, levianamente – ou não – apelidado de travecomóvel. Sempre o mesmo caso, quem mandou você não confessar nada?

E o Fred, alguma notícia? João Carlos? Macedo? É tudo verdade?

Bom, andei escrevendo alguns livros de futebol e queria que você soubesse que escrevi um outro, de contos, onde você é o personagem principal. Nada de palavrões: apenas a verdade ipsis literis. Mas acontece que não gostei do resultado final e ele será reescrito até o primeiro semestre do ano que vem, assim espero. E vou contar praticamente tudo, ficção e realidade beijando-se na boca sem parar.

Estranho hoje não ser um dia de dor. Onze de setembro. 

Quando voltei de São Paulo e você tinha ido embora para sempre, é certo que eu chorei.

Mas depois destes oito anos, parece que você sempre esteve aqui. Não sei dizer ao certo se é apenas confusão mental ou se tem algum sentido lógico, justo na minha vida que já tem confusão mental demais.

Parece até que não mudou quase nada, exceto que nunca mais bebemos chopes intermináveis no Sasso, o carro nunca mais passou pela Atlântica zero hora e eu nunca mais fui ao Siri da Ilha. Volta olímpica de Santo André, nem pensar. 

A Pepsi está bem, encontrei-a outro dia com Wal, Epo, Ana, Chris Nunes, Lys, todo mundo perto da Praça da Bandeira. Você iria gostar.

A Barbarazinha lembrou do troncomóvel. De vez em quando vejo o Bernardão. Leilah comentou da tua vibe. Moraes é a mesma coisa. 

Enfim, se é que faz algum sentido nisso tudo, quando puder mande um sinal de fumaça.

Ou uma risadinha.

No mais? Somos todos rameiros!

P-R


@pauloandel


Rubens Nunes Carvalho (29/12/1970 - 11/09/2005)

Tuesday, September 10, 2013

o crepúsculo da paixão

hei, hei, você de vez
fazendo seu pouco caso
sem ter nada a dizer
e o que você não quis
foi o melhor sorriso de alguém
onde mora teu super-herói?
sabia de você estar aqui?
eu não tenho nada a temer
não preciso de garantias
ou uma idiota a tiracolo -
cadê teu grande eterno amor?
foi dar-se a quem merece?
hei, hei, o teu céu escureceu
em noite de lua nova, fria
e eu não sou mais teu você
agora o amor é tão fácil
que acho graça, oh graça
de quando eu trocava meu tempo
por um punhado teu de nada
não quero nenhum mal a ti
mas não faça-me rir sem par:
agora é tarde, meu bem
agora sou paixão de outro amor
e o que eu te dei à toa, toa
virou dia que passou, passou
perdeu-se no meio do nada
não deixou rastro nem saudade
é que te dei um mundo
e você deu de ombros, sórdida
o verão se fez inverno
uma longa noite floresceu
e o teu lugar tão desprezado
já tem um lugar pra ocupar
não mandei recado
nem guardei rancor
mas não é na geladeira
que se conserva o tom do amor -
por isso somos tão tarde
e cada vez mais perto de nunca

@pauloandel

Saturday, September 07, 2013

as estradas

e você devia estar
aqui
mais do que
ninguém
e então gastaríamos
juntos
nossos momentos
sinceros
ah, sexta-feira
e meu teto sem estrelas
não tem o teu sonho
teu corpo
nenhuma promessa
e você devia estar aqui
para irmos a qualquer
lugar
mesmo que do nada
ao lugar nenhum
só para estar ao teu
lado
ou vermos pela janela
a estrada que nos
leva
quem sabe do alto?
nos ares, um avião
e cortarmos um Brasil
só pelo prazer de se ver
e ficar junto, junto
e você devia estar aqui
para dar coerência
ao meu pensamento:
nele, você é viajante
permanente
navegante dos sonhos
invasão de desejos
e tudo mais que me faça
refletir e sonhar
enquanto não chega
a hora do nosso
pôr-do-sol

@pauloandel

Monday, September 02, 2013

Mesmo a esmo

mais do mesmo
é o começo 
do fim
mais do novo
é o começo
do eterno
recomeçar

@pauloandel