Acabou o ano. Mais um.
É claro que não queremos pensar, mas os versos de Gil são cruciais: "Vivo pra cachorro e sei/Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro/Em meu caminho inevitável para a morte".
Pra mim, individualmente, foi uma boa erda. Dos piores. Mesmo assim, não deixei de aprender e fazer várias coisas, mesmo com um revólver apontado para a própria cabeça por essa vida injusta. Também foi pra muita gente, mas por aqui fingem contar vitória e vantagens.
Vi shows bons, jogos bons, amei de longe, meu time foi campeão. Filmes bons. Fiz boas conversas com meus colegas do Fluminense, com intelectuais e artistas.
Também passei muitos dias de humilhação e tristeza em silêncio e jamais, jamais, perdoarei a quem poderia atenuar essa dor mas preferiu a omissão. Não desejo qualquer mal, nem bem. Do resto a vida se encarrega. Nem quero pensar nisso, porque já vi pessoas que me fizeram muito mal sofrendo muito a seguir, inclusive até a morte, e eu não quero que ninguém sofra. Esse, por sinal, é um dos motivos da minha distância das religiões: o que sinto e vejo. Muitas vezes percebi uma pessoa ruim só pelo seu cumprimento de bom dia.
Fiz três grandes livros, sem uma gota de falsa modéstia. Dois deles são bibliografia obrigatória do Fluminense, ambos com diversos colaboradores vivos e mortos. O outro, Alma, já tem uma galera prestigiando e elogiando. Pouco importam sabotadores de quinta categoria: os livros chegam a milhares de pessoas, direta ou indiretamente. Aliás, um tema recorrente: "O Fluminense não te reconhece". Escrevo para a torcida, para o torcedor feito eu, não para Chiquinhos Zanzibares. E não preciso do reconhecimento de quem não tem estofo intelectual para avaliar a dimensão da minha obra com mais de 20 livros - no clube, hoje, ninguém é capaz disso. Simples.
Tive certeza de que 90% dos bozos são muito piores do que pareciam, mas também que muita gente usa a fachada de esquerda mas, fora das redes sociais, é tão podre quanto os que criticam. O ser humano é inviável, com exceção das crianças. E dobre a língua quem vier com lição de moral sobre esquerda, estou há meio século nisso.
Muito pouca gente vale a pena. As pessoas enchem a boca para falar de amigos, amigos, tudo em vão. Amizade é outra coisa. Amigo não abandona amigo. Amigo não faz cara de paisagem com sofrimento de amigo. Amigo não passa amigo pra trás. Amigo não se resume a mesa de botequim, tapinha nas costas e mensagem de whats. Amigo é quem vai te ajudar quando o caldo entornar. O resto é número. E amor? Já repararam como tantos amores se dissolvem que nem o Eno de laranja no copo de água gelada? Ah, o amor... Quem não serve para ficar ao teu lado nas horas difíceis, não serve para qualquer outra hora.
O cotidiano, a cidade e o mundo não mudam com conversa fiada e burrocracia barata. O que transforma é a união, é a verdadeira soma de esforços, a fraternidade tão rara. Sem isso, esquece. Quem muda as coisas é o ser humano, e tá na cara que a maioria quer que fique como está. É a hipocrisia a céu aberto no Rio de mar e luz.
Nós, brasileiros, geralmente somos de uma escrotidã0 atroz. Desprezamos a matemática o ano inteiro, mas a valorizamos para contar temporadas. Feliz Natal, Boas Festas. Para quem? Enquanto enchemos a cara de álcool e de outras drogas na festa do Réveillon, com trilha sonora praticamente insuportável, tem gente chorando de fome na marquise do nosso prédio. Gente pacarai morrendo de fome, morando na rua, sem poder tomar um banho que seja, mas aí gritamos uhuuuuu e tudo passa. Milhões de pessoas humilhadas por quadrilhas armadas que achacam, agridem, estupram e barbarizam. Boas Festas? Tá faltando Dercy Gonçalves pra dar a resposta final...
Precisa falar das guerras? Muita gente escrevendo besteiras e se vangloriando do lado "bonzinho". Se o Hamas é odiável - e é! -, que mal tem matar vinte mil palestinos? E daí, né? Mesmo raciocínio estúpido da gripezinha, que destruiu milhões de vidas, projetos e famílias. Genocidas do bem...
Enquanto o mundo gira em torno do Sol, vou tentando um plano de fuga. Sem dinheiro, sem parentes importantes ou anônimos, sem amigos, tudo é muito mais difícil, mas eu tento. Enquanto isso, espero que as pessoas sejam menos ruins e que as poucas amizades se fortaleçam. Que a arte vença a grosseria. Que a elegância supere a estupidez. Que a hipocrisia seja desmascarada diariamente.
Informação relevante: não respondo mais inbox há anos.
Muito obrigado a quem me prestigiou de verdade, com minúsculos e grandes gestos: são muitos nomes, homens e mulheres da pesada, como diria meu biografado Serguei.
Falei demais. Quem vier comigo no caminho, valeu. Quem não vier, fique em paz. Vale o verso de um ex-grande ídolo e também ex-desafeto: "é melhor viver dez anos a mil do que mil anos a dez".
A minha arte não é de like.