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Tuesday, January 21, 2025

KitKat Junky Man

Estou obcecado por KitKat. Até outro dia eu zombava dele e de seus fãs, porque o Bis sempre foi melhor. Mas agora eu sou um traidor de mim mesmo. Já nos ensinou Enrico Bianco: "a única coisa importante no homem é a sua contradição" - conheço gente que, hipócrita mesmo, praticou contradições muito mais graves. Depois de anos e anos, tenho comido KitKat como se fosse um junkie de Copacabana em P & B na calçada da Prado Júnior. Prefiro ok branco, mas o KitKat marrom também é ótimo, geladinho. Enquanto o mund fora é triste e cinza, meu KitKat traz cores de alegria. Enquanto idiotas perseguem o comunismo em 2025, KitKat traz a paz na terra aos junkies de boa vontade. Ah, o KitKat parece o beijo daquela gata cujo nome preservo, beijo de arder e suar feito tesão. E daí que eu não gostasse antes? Eu também odiei o Smashing Pumpkins até me apaixonar. Os gostos mudam. Agora eu dou um porradão em mim mesmo, ora, sorvendo cada pedaço crocante. Só os idiotas não se contradizem, só os idiotas perseguem os que traem a si próprios. Me deixe em paz com meu contraditório, porra: eu não sou perfeito. 

@p.r.andel

Monday, January 20, 2025

Madrugada

O que estará acontecendo neste instante durante o sono - ou a insônia - de tantas pessoas hipócritas, falsas e egoístas? 

Cenas de remorso ou escrotidão? 

Ninguém nunca sabe. 

O que será? 

[Só o acaso estende os braços a quem procura abrigo e proteção

Wednesday, January 15, 2025

Aprovado

Muitas pessoas comemorando aprovação na UERJ, pais e filhos. Essa alegria eu conheço bem há 37 anos, tempo demais. Em 1988 não havia celular nem computador ou internet, você comprava o Jornal dos Sports e procurava sua inscrição no Olimpo. A minha estava. Acho que foi a primeira vez - e uma das únicas - que chorei de alegria. Eu não sabia comemorar. Meses antes, meu tio - que pagou minha faculdade anterior - tinha morrido. Eu não conseguia emprego, nem estudar, não tinha cursinho e a fase final era discursiva, tinha que encarar. Bem, eu estava no bom e velho grupo de escoteiros, tínhamos organizado um bingo para arrecadar recursos para um acampamento. Eu desci, comprei o jornal, li e chorei sozinho. Não falei com ninguém, ninguém me abraçou, eu sou assim - estou acostumado à frieza. Mais tarde minha mãe apareceu e dei um abraço nela. Ficou toda contente, imagine: ela, trabalhadora, lutadora, que mal fez o primário, colocou o filho na faculdade. Naquele tempo, nossa vida era muito difícil e meu pai achou aquilo sem importância; na época fiquei triste mas hoje entendo, ele sofria demais. Passou. Tantos anos depois, aquele dia ainda é muito especial para mim. Mudou minha vida para sempre. Durante alguns anos, convivi com jovens homens e mulheres da pesada, aprendi um milhão de coisas; vivi experiências acadêmicas, culturais e artísticas incríveis - de Luiz Carlos Prestes a Cássia Eller e Tom Jobim. Vi filmes incríveis, joguei bola, beijei garotas lindas, ri com muita gente e quase todos ficaram para sempre comigo, mesmo ausentes fisicamente mas na cabeça e no coração. E ainda pude ajudar bastante meus pais em seus anos finais, fruto da minha capacitação. Eu entendo essa alegria dos pais e filhos hoje, ela ainda percorre meus sentimentos. Eu sei, a gente sabe mas não se cansa de sentir. 

@p.r.andel

Monday, January 13, 2025

Trivial

É manhã enrustida.

Enquanto o céu vai trocando de azul, sinto dores.

O silêncio da noite, rascante.

Lá longe, os trabalhadores se movem de suas casas para encarar o trabalho. Alguns choram. Eu também acuso o golpe. 

Fred faria 58 anos hoje. Mal passou dos 42. Ele faz falta. 

Agora são cinco horas. 

Os dias se repetem.

Saturday, January 11, 2025

O jeito é ficar trancado

As festas de fim de ano são importantes. A gente tem a sensação de que um ciclo acabou e virá outro, virtuoso. Passa o Natal, a gente se enche de esperança para aguentar o tranco, estouram os fogos malditos para aterrorizar os bichos, então começa janeiro e… tudo está onde sempre esteve. Os problemas, as dívidas, os desencontros e, para muita gente, o verdadeiro desespero. Por fim, a nossa querida cidade, que é linda em vários lugares mas que é um verdadeiro martírio para milhões de cariocas. 

Desde garoto, sempre gostei dos noticiários locais. Eu sempre gostei da minha cidade. Adorava espiar o Guia Rex para conhecer as ruas, saber as divisas dos bairros. E durante muito tempo eu fui um cidadão que viveu a pulsação das ruas. Minha juventude foi em Copacabana, já disse isso muitas vezes e não me canso, na verdade me orgulho disso. Durou de 1968, um ano nada fácil, até 1993. De lá para cá, estou no Centro do Rio, até onde der. Pois bem, conheci muitos bairros e especialmente quando me tornei aluno da UERJ, fiz toda a travessia do Rio, do Leme a Santa Cruz, de Jacarepaguá ao Catete e por aí vai. 

Aos poucos, o ritmo foi diminuindo. Os eternos amigos de bar somem, o tempo passa, as pessoas se afastam, você se casa e sua vida fica essencialmente caseira. Se contarmos o avanço da internet e os costumes pós pandemia, aí é que a turma se entoca. As conversas se limitam ao WhatsApp. Sim, o mundo mudou sem dúvida, e é claro que a cidade nunca foi fácil com tanta desigualdade, mas era diferente. Diferente. Muita coisa hoje atrapalha os convívios, a internet também, mas o fato é que a violência carioca já ultrapassou há muito os limites da brutalidade, o que cria uma multidão de cariocas enjaulados. 

Boa parte do Rio não tem a funcionalidade do Estado. São muitos territórios onde imperam as leis do tráfico e/ou da milícia. Diariamente milhões de cariocas são oprimidos pela vontade do crime, que submete, humilha, tortura e assassina rindo. Um simples comentário pode ser tido como fofoca e a barbárie justifica que uma garota faladeira tenha seu cabelo raspado ou tampinhas de refrigerante coladas em seu couro cabeludo. Você não pode ir, vir, não pode usar determinadas cores de roupas, não pode ir a determinados lugares, não pode mexer os braços, não pode falar e em breve não poderá mais respirar. 

Quando não é o caso das favelas e comunidades sequestradas por bandidos, a qualquer momento e em qualquer bairro você pode ser enquadrado por carros e motos prontos para te fuzilar, com total ausência policial. E não tem dia no Rio em que alguém não seja fuzilado. Quando isso não acontece, a vítima tem “sorte” por “só* ter sido agredida. Morte, morte, morte, tortura, ódio, até onde isso irá piorar? 

São oito da noite de sábado. Eu pensei em jantar na rua. Talvez comer um sanduíche na padaria. Acontece que dá medo. O Rio dá medo. Pelo menos daqui, sem sair, o máximo que escuto são os tiros de Santa Teresa. Eu fui um cidadão que viveu intensamente as ruas dessa cidade, é uma pena que isso acabou e, pelo visto, não tem mais volta. O jeito é ficar trancado. 

Gata argentina

aquela tua boca 

de gata argentina 

gata branca de Hollywood 

cacheadinha com seu

sorriso de linda e tímida 


te procuro em águas 

que não sei navegar -  

apenas mergulho

sem compromisso 

com a grande vitória, 

procurando em vão 

por uma garrafa 

que eu mesmo atirei

no Atlântico Sul -

que tal saudade? 


aquele teu sorriso

de gata argentina 

brilha numa foto antiga:

this is modern times!

Wednesday, January 08, 2025

Ainda sobre o Goldenglôbi

1) Impressionante como tanta gente teoricamente culta, intelectualizada, informada etc ainda não tenha se dado conta do tamanho da conquista de Fernanda Torres e toda a equipe de "Ainda estou aqui". Nada, absolutamente nada tem condições de diminuir essa vitória, goste-se ou não de seus protagonistas, de suas trajetórias pessoais etc; 

2) Depreciar o tamanho dessa conquista repete um velho comportamento à brasileira que já vitimou personagens tão díspares quanto Pelé, Tom Jobim, todo o Cinema Novo, Chico Buarque (como escritor), Paulo Coelho, Vanderlei Luxemburgo, Emerson Fittipaldi (argh), Piquet (argh), Éder Jofre, a própria Anitta recentemente etc: a incapacidade de aplaudir a expressiva e evidente vitória alheia. Não é uma questão de defesa artístico-intelectual, nem de orientação política, mas da mistura do velho complexo de vira latas com um recalque continental. Não surpreende: em meu minúsculo universo cotidiano, percebo direitinho quando algum trabalho meu ganha mínimo destaque, ou simplesmente quando lanço/anuncio um novo livro, e então percebo a reação de alguns "amigos"...

3) Se à essa altura do campeonato, alguém te disse que a vitória de Fernanda foi "safadeza da Lei Rouanet" e outras selvagerias mentais equivalentes, é melhor rir da criatura tosca. 

@p.r.andel

Monday, January 06, 2025

O verão também presta

Começou o ano novo. Mais um em nosso caminho inevitável para a morte. É janeiro, logo é verão, gatinhas, engarrafamento, assaltos, um calor do inferno, uma promessa de novidade que nem sempre é tão nova assim. 

A canção já dizia “É verão/ bom sinal/ já é tempo/ de abrir o coração e sonhar”. Versos bonitos com os maravilhosos vocais do Roupa Nova,que nem sempre se aplicam ao verdadeiro turbilhão de emoções que se vive no Rio de Janeiro. Tá tudo aí, para dar e vender, escapando de uma e outra bala perdida. 

No calor é mais difícil aturar os espíritos de porco, né? Por exemplo você, imagina a esquina da rua Sete de Setembro com a avenida Rio Branco, a gente fala do coração da cidade do Rio. Normalmente é um lugar que tem uma certa concentração de carros à medida que vai se aproximando no Largo da Carioca, onde o trânsito é fechado e você precisa desviar à esquerda para fazer a volta. Pois bem, quase sempre tem um desgraçado que, na hora em que o sinal vai fechar, mete o carro em cima da faixa de pedestres. 

Ele sabe que não vai dar tempo. Ele sabe que não tem como fazer, mas mete o carro assim mesmo só para sacanear as pessoas na hora de atravessar, então pacificamente elas desviam do maldito carro e atravessam fora da faixa contra a vontade, já que o cidadão está ocupando o espaço destinado ao povo a pé. Não tem um dia de segunda a sexta que isso não aconteça pelo menos dez vezes por dia: pode fazer as estatísticas, pode anotar e acompanhar. Toda vez é a mesma coisa, é um negócio realmente impressionante. 

Pra não dizerem que sou um chato, a parte marítima vai bem, obrigado. Solzão, calor mate no tanquinho, esportes, mulheres maravilhosas, todo mundo tentando literalmente o seu lugar ao Sol, os turistas se esbaldando a valer por toda parte. Mas acontece que a cidade não se limita a isso, né? E cada vez mais está ficando quente no Rio de Janeiro, um inferno. 

Muita gente trabalha e sem facilidade, né? Às vezes com ternos pesadíssimos, roupas, fardas e botas. Enfim, gente que passa mal com tanto calor, que não tem a menor facilidade na estação que muitos vibram por estarem nas férias, mas que outros sofrem de montão. Eu mesmo sofro imensamente com calor desde criança, sempre me fez mal, mas felizmente a minha situação de camelô sofisticado me permite trabalhar em minha própria loja com bermudas e chinelos. A maioria não tem essa sorte, e por eles sofro. 

Tudo bem. Ninguém aqui é contra a felicidade no verão nem contra os veranistas. É só para dizer que uma parte da turma sofre para viver nessa época. E que o Rio não é somente orla - o subúrbio tem uma longa e sofrida história. Mas é legal que as crianças, assim como os que podem viver o melhor do verão nessa vida, também se lembrem dos excluídos do bronze. Muita gente na luta, tentando sobreviver como dá. 

Para terminar, a frase da Fernanda Torres pós Bola de Ouro faz pensar: “A vida presta”. No calorão do verão ou mesmo quando o bom outono chegar. O verão também presta, ok. 

Vence o cinema

Tomara que um dos grandes lances da vitória avassaladora de Fernanda Torres no Globo de Ouro seja, sinceramente, a busca de parte dos brasileiros por sua própria arte. 

Longe de qualquer discurso nacionalesco - tou fora disso, ouço de Bezerra da Silva a Slayer -, sempre tive em mente que precisamos dar valor coletivamente ao nosso cinema, teatro, à musica, às nossas artes em geral. 

Temos uma infinita expressão artística de qualidade. No cinema, não há dúvidas: basta ver o Canal Brasil com algum tempo. Você vai ver filmes sensacionais de todas as épocas. No Rio, o movimento do Estação, liderado pela força da natureza que é o Cavi, tem formado novas gerações de cinéfilos marcando ponto diariamente. 

Viva o cinema do Brasil!

Sunday, January 05, 2025

Bosasova Bova - Zumbi do Mato

Em 2024, o Rio de Janeiro saiu da pasmaceira musical e soltou um verdadeiro rojão sonoro, daqueles típicos de avant-garde que a cidade foi especialista no passado. Tudo aconteceu com o lançamento de “Bosasova Bova”, álbum que marca a volta do Zumbi do Mato à cena musical depois de encerrar as atividades em 2013. Desde o retorno, a banda tem feito shows concorridos no cenário underground carioca e o novo álbum está disponível nas plataformas digitais.

Provavelmente a melhor maneira de descrever o som do Zumbi (mas nem de longe única) vem de seu próprio perfil na Wikipedia. Vejamos: 

“Zumbi do Mato é uma banda brasileira de rock experimental/noise rock do Rio de Janeiro famosa por suas canções bem-humoradas e surreais, escritas num estilo de fluxo de consciência e repletas de alusões mordazes à cultura popular – focando particularmente em aspectos como a literatura/filosofia ocidental, a vida cotidiana no Brasil, e figuras públicas da vida real e personagens fictícios de diversas formas de mídia –, technobabble, escatologia, nonsense, e elaborados jogos de palavras e trocadilhos. Tendo amealhado um forte séquito cult ao decorrer dos anos 1990 e 2000 que perdura até os dias atuais, o grupo teve diversas formações durante sua existência”. 

Quando o ZDM encerrou as atividades, disse o jornalista Silvio Essinger em artigo de Eduardo Rodrigues para O Globo: 

"Naqueles anos 1990, em que tudo o que uma banda do rock underground carioca poderia almejar de mais nobre era ser mais ultrajante que os seus pares, o Zumbi do Mato era uma banda ímpar. Não tinha guitarra, cultuava o lado maldito do rock progressivo (Van der Graaf Generator, King Crimson), interessava-se genuinamente pelo que a cultura tinha de mais trash e conseguia conciliar a escatologia (sempre desconcertante) com referências para lá de eruditas do avant-garde. Histórias bizarras de seus shows abundam - afinal, essa foi a banda que fez sua fama sendo uma não-banda, não-rock, não-MPB, não-vendável, não-qualquer coisa e, ao mesmo tempo, ligada em tudo. O Zumbi tocou no Garage, no Circo Voador, na livraria Berinjela, no Retiro dos Artistas... Merecia a Cidade das Artes, mas não houve tempo. Fica a poesia: Tiroteio do esqueleto sem cabeça / é um clássico da MPB brasileira / é a morfologização patética dos fonemas / é a p* que pariu te mandando ir se f*." 

Agora o Zumbi do Mato está de volta. Em “Bosasova Nova”, o grupo mostra no álbum a mesma potência que marcou sua trajetória no underground carioca. Os fãs, que sempre idolatraram a banda mesmo quando sua volta parecia impossível, vibram com os novos shows e, inevitavelmente, com a atmosfera musical desafiadora que marcou o Rio alternativo nos anos 1990 e 2000. Aliás, o Zumbi é 100% desafio em todas as perspectivas de sua obra, absolutamente atual. 

Não deixe de conferir canções como “Essa criança (ela vai ao shopping)”, “Miojo puro”, “Dor física” e “Frio do caralho”. A mão genial de Zé Felipe e a performance irreverente de Lois Lancaster trazem para novas (e velhas) gerações uma das sacadas musicais mais ricas, divertidas e criativas que o underground carioca já viu. 

Vida eterna ao Zumbi do Mato! 

Wednesday, January 01, 2025

04:13h

A doce ilusão da virada de ano já se dissipou e as coisas então voltam ao normal. 

Mais ou menos, melhor dizendo. 

Pra quem pode, o ano novo começa apenas na segunda-feira que vem. Mais quatro dias de descanso.

Já o proletariado, não: encara o batente daqui a pouco, em ônibus e trens abarrotados. A dura luta do povo pela sobrevivência. 

Na TV já tem telejornal. Ontem já teve tiroteio no São Carlos, Estácio. 

Ainda há tempo para um cochilo antes do café.

Difícil mesmo será amanhã: 18 anos da morte da minha mãe. 

@p.r.andel