Rapeize, rola no sábado na Planaltina a já antológica Festa da Maria, com direito a hits roqueiros e dançantes no som do DJ Gu. Quem estiver em Brasília e puder aproveitar, é excelente a oportunidade!
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Wednesday, September 30, 2009
Friday, September 25, 2009
50 GRANDES POEMAS DE PAULO LEMINSKI
01
lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça
02
já me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo
morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma
03
um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra
04 e 05
LÁPIDE 1
epitáfio para o corpo
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito
são suas obras completas.
LÁPIDE 2
epitáfio para a alma
aqui jaz um artista
mestre em disfarces
viver
com a intensidade da arte
levou-o ao infarte
deus tenha pena
dos seus disfarces
06
AÇO E FLOR
Quem nunca viu
que a flor, a faca e a fera
tanto fez como tanto faz,
e a forte flor que a faca faz
na fraca carne,
um pouco menos, um pouco mais,
quem nunca viu
a ternura que vai
no fio da lâmina samurai,
esse, nunca vai ser capaz.
07
a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão
08
parem
eu confesso
sou poeta
cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face
parem
eu confesso
sou poeta
só meu amor é meu deus
eu sou o seu profeta
09
desta vez não vai ter neve como em petrogrado aquele dia
o céu vai estar limpo e o sol brilhando
você dormindo e eu sonhando
nem casacos nem cossacos como em petrogrado aquele dia
apenas você nua e eu como nasci
eu dormindo e você sonhando
não vai mais ter multidões gritando como em petrogrado
aquele dia
silêncio nós dois murmúrios azuis
eu e você dormindo e sonhando
nunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dia
nada como um dia indo atrás do outro vindo
você e eu sonhando e dormindo
10
para a liberdade e luta
me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu
me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido tocou a pedra da paixão
11
en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
moches
poemas
12
WITH THE MAN
aqui
no oeste
todo homem tem um preço
uma cabeça a prêmio
índio bom é índio morto
sem emprego
referência
ou endereço
tenho toda a liberdade
pra traçar meu enredo
nasci numa cidade pequena
cheia de buracos de balas
porres de uísque
grandes como o grand canyon
tiroteios noturnos
entre pistoleiros brilhantes
como o ouro da califórnia
me segue uma estrela
no peito do xerife de denver
13
manchete
CHUTES DE POETA
NÃO LEVAM PERIGO À META
14
POESIA:
"words set to music"(Dante
via Pound), "uma viagem ao
desconhecido" (Maiakóvski), "cernes
e medulas" (Ezra Pound), "a fala do
infalável" (Goethe), "linguagem
voltada para a sua própria
materialidade" (Jakobson),
"permanente hesitação entre som e
sentido" (Paul Valery), "fundação do
ser mediante a palavra" (Heidegger),
"a religião original da humanidade"
(Novalis), "as melhores palavras na
melhor ordem" (Coleridge), "emoção
relembrada na tranqüilidade"
(Wordsworth), "ciência e paixão"
(Alfred de Vigny), "se faz com
palavras, não com idéias" (Mallarmé),
"música que se faz com
idéias" (Ricardo Reis/Fernando Pessoa),
"um fingimento deveras" (Fernando
Pessoa), "criticismo of life" (Mathew
Arnold), "palavra-coisa" (Sartre),
"linguagem em estado de pureza
selvagem" (Octavio Paz), "poetry is to
inspire" (Bob Dylan), "design de
linguagem" (Décio Pignatari), "lo
impossible hecho possible" (Garcia
Lorca), "aquilo que se perde na
tradução (Robert Frost), "a liberdade
da minha linguagem" (Paulo Leminski)...
15
quero a vitória
do time de várzea
valente
covarde
a derrota
do campeão
5 X 0
em seu próprio chão
circo
dentro
do pão
16
eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito
eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões
em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois
17
podem ficar com a realidade
esse baixo astral
em que tudo entra pelo cano
eu quero viver de verdade
eu fico com o cinema americano
18
quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta minha adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência
vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito
vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito
então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência
19
de ouvido
di vi
di do
entre
o
ver
&
o
vidro
du vi do
20
sim
eu quis a prosa
essa deusa
só diz besteiras
fala das coisas
como se novas
não quis a prosa
apenas a idéia
uma idéia de prosa
em esperma de trova
um gozo uma gosma
uma poesia porosa
21
coração
PRA CIMA
escrito em baixo
FRÁGIL
22
nada que o sol
não explique
tudo que a lua
mais chique
não tem chuva
que desbote essa flor
23
o novo
não me choca mais
nada de novo
sob o sol
apenas o mesmo
ovo de sempre
choca o mesmo novo
24
quatro dias sem te ver
e não mudaste nada
falta açúcar na limonada
me perdi da minha namorada
nadei nadei e não dei em nada
sempre o mesmo poeta de bosta
perdendo tempo com a humanidade
25
um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada
depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um eluárd um ginsberg
por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores
26
moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia
27
ver
é dor
ouvir
é dor
ter é dor
perder
é dor
só doer
não é dor
delícia de
experimentador
28
o pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhodaputa
de fazer chover
em nosso piquenique
29
CÍRCULO
cansei da frase polida
por anjos da cara pálida
palmeiras batendo palmas
ao passarem paradas
agora eu quero a pedrada
chuva de pedras palavras
distribuindo pauladas
30
apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme
31
ascensão apogeu e queda da vida paixão
e morte
do poeta enquanto
ser que chora enquanto chove lá fora e alguém canta
a última esperança da luz e pegar o primeiro trem
para muito além das serras que azulam no
horizonte
e o separam da aurora da sua vida
32
Amor, então,
também acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
33
HAI
Eis que nasce completo
e, ao morrer, morre germe,
o desejo, analfabeto,
de saber como reger-me,
ah, saber como me ajeito
para que eu seja quem fui,
eis o que nasce perfeito
e, ao crescer, diminui.
34
KAI
Mínimo templo
para um deus pequeno,
aqui vos guarda,
em vez da dor que peno,
meu extremo anjo de vanguarda.
De que máscara
se gaba sua lástima,
de que vaga
se vangloria sua história,
saiba quem saiba.
A mim me basta
a sombra que se deixa,
o corpo que se afasta.
35
as coisas estão pretas
uma chuva de estrelas
deixa no papel
esta poça de letras
36
duas folhas na sandália
o outono
também quer andar
37
nem toda hora
é obra
nem toda obra
é prima
algumas são mães
outras irmãs
algumas
clima
38
BEM NO FUNDO
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
39
EU
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não segura um olhar
que demora
de dentro de meu centro
este poema me olha
40
INCENSO FOSSE MÚSICA
isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
41
uma carta uma brasa através
por dentro do texto
nuvem cheia da minha chuva
cruza o deserto por mim
a montanha caminha
o mar entre os dois
uma sílaba um soluço
um sim um não um ai
sinais dizendo nós
quando não estamos mais
42
pariso
novayorquizo
moscoviteio
sem sair do bar
só não levanto e vou embora
porque tem países
que eu nem chego a madagascar
43
HAICAI
a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão
cortinas de seda
o vento entra
sem pedir licença
44
NADA ME DEMOVE
nada me demove
ainda vou ser
o pai dos irmãos Karamazov
45
SE
se
nem
for
terra
se
trans
for
mar
46
NÃO DISCUTO
não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino
47
ROSA RILKE RAIMUNDO CORREIA
Uma pálpebra,
Mais uma, mais outras,
Enfim, dezenas
De pálpebras sobre pálpebras
Tentando fazer
Das minhas trevas
Alguma coisa a mais
Que lágrimas
48
ACORDEI BEMOL
acordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido
49
AMOR BASTANTE
quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante
50
um bom poema
leva anos cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
Wednesday, September 23, 2009
A SOCIEDADE DOS BURROS VIVOS
Não é de hoje que a burrice cerca o Brasil. Mais ainda, burrice misturada com sectarismo, intolerância e ganância pelo absolutismo: assim não fosse, Lula, com seus erros e acertos, não teria sido o presidente da república mais xingado que já vi – até porque, nos “maravilhosos” tempos das ditaduras militares, defendidas expressamente por delinquentes como Jair Bolsonaro (devidamente surrado em Copacabana) e seus asseclas, xingar o presidente equivalia à pena de morte.
Antigamente, nem tão antigamente, a imprensa política do país ainda tinha um resquício de hipocrisia. Defendia seus candidatos oficiais, lançava “escândalos” contra os opositores mas, apertar o cerco mesmo, só em caso extremo (vide a farsa da edição do debate Lula x Collor). Agora não. Oficializou-se a prostituição. Quando não servem de porta-vozes dos patrões, alguns âncoras da televisão brasileira vomitam exatamente o que carregam em suas mentes perversas. Ou pervertidas.
Domingo à noite, me deparei com o “Canal Livre”, decano televisivo da inteligência brasileira. A mesa do programa sempre manteve a tradição de excelência dos membros; às vezes, vaza água. Joelmir Betting não estava, o comando ficou com a exótica presença de Boris Casoy. E porque exótica? Basta assistir sua atuação no “Jornal da Noite” para constatar: brados, gestos, uma tentativa quase esdrúxula de parecer contido e educado, ressaltada pelo batom róseo que lhe cabe em tela. Praticamente um palanque. É, entendo: menos patético do que o discurso ararazul de William Waack. Menos?
Volto ao “Canal”: à mesa, Ciro Gomes, um dos políticos mais bem-preparados intelectualmente da república. Perda de tempo tentar encurralá-lo com jogos de retórica fútil. A todo instante, entre quase desmunhecadas, Boris tentava “enquadrar” Ciro – e este, com sorriso alvar, falava o que queria. Faz pensar: até hoje, tento entender a fundo o que lhe fez deixar o PSDB (onde era o ponta-de-lança num futuro presidencial) para a labuta pública em partidos menores, onde é difícil se eleger. Tinha a faca e o queijo na mão, mas dispensou; se o fez por absoluta correção moral, é dos mais brilhantes e raros casos na república. Depois de vários rounds, Ciro venceu; um boxeur da argumentação como Boris, afetado e destrambelhado, não poderia ir à frente mesmo. De toda forma, a luta continua: Boris tem um excelente argumento para gastar nesta semana – a “intromissão” do governo brasileiro no golpe de estado praticado em Honduras, cujo presidente legítimo e agora abrigado na embaixada brasileira em Tegucigalpa, Zelaya, conta com a simpatia de Hugo Chávez e Lula. Prato cheio!
Golpe é golpe. Lugar de golpista é na cadeia. Os chiliques de Boris poderão ser vistos na televisão, democraticamente, por conta de sua velha subserviência à ditadura militar. Quarenta e cinco anos depois, políticos e cidadãos brasileiros desconhecem por completo os princípios básicos do Estado democrático de direito.
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Antigamente, nem tão antigamente, a imprensa política do país ainda tinha um resquício de hipocrisia. Defendia seus candidatos oficiais, lançava “escândalos” contra os opositores mas, apertar o cerco mesmo, só em caso extremo (vide a farsa da edição do debate Lula x Collor). Agora não. Oficializou-se a prostituição. Quando não servem de porta-vozes dos patrões, alguns âncoras da televisão brasileira vomitam exatamente o que carregam em suas mentes perversas. Ou pervertidas.
Domingo à noite, me deparei com o “Canal Livre”, decano televisivo da inteligência brasileira. A mesa do programa sempre manteve a tradição de excelência dos membros; às vezes, vaza água. Joelmir Betting não estava, o comando ficou com a exótica presença de Boris Casoy. E porque exótica? Basta assistir sua atuação no “Jornal da Noite” para constatar: brados, gestos, uma tentativa quase esdrúxula de parecer contido e educado, ressaltada pelo batom róseo que lhe cabe em tela. Praticamente um palanque. É, entendo: menos patético do que o discurso ararazul de William Waack. Menos?
Volto ao “Canal”: à mesa, Ciro Gomes, um dos políticos mais bem-preparados intelectualmente da república. Perda de tempo tentar encurralá-lo com jogos de retórica fútil. A todo instante, entre quase desmunhecadas, Boris tentava “enquadrar” Ciro – e este, com sorriso alvar, falava o que queria. Faz pensar: até hoje, tento entender a fundo o que lhe fez deixar o PSDB (onde era o ponta-de-lança num futuro presidencial) para a labuta pública em partidos menores, onde é difícil se eleger. Tinha a faca e o queijo na mão, mas dispensou; se o fez por absoluta correção moral, é dos mais brilhantes e raros casos na república. Depois de vários rounds, Ciro venceu; um boxeur da argumentação como Boris, afetado e destrambelhado, não poderia ir à frente mesmo. De toda forma, a luta continua: Boris tem um excelente argumento para gastar nesta semana – a “intromissão” do governo brasileiro no golpe de estado praticado em Honduras, cujo presidente legítimo e agora abrigado na embaixada brasileira em Tegucigalpa, Zelaya, conta com a simpatia de Hugo Chávez e Lula. Prato cheio!
Golpe é golpe. Lugar de golpista é na cadeia. Os chiliques de Boris poderão ser vistos na televisão, democraticamente, por conta de sua velha subserviência à ditadura militar. Quarenta e cinco anos depois, políticos e cidadãos brasileiros desconhecem por completo os princípios básicos do Estado democrático de direito.
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Causa-me espécie a verdadeira chiliqueira que tomou a televisão e boa parte da imprensa escrita desde ontem, quando Zelaya se abrigou na embaixada brasileira. Gritos e berros, clamando pelo aceite de um presidente legalmente eleito (com apoio da direita hondurenha) em ser um asilado e, portanto, impedido de participar do processo político do país. CHEGA DE IMBECILIDADE! HÁ UM GOLPE DE ESTADO EM HONDURAS. Qualquer cidadão de bem, com um mínimo de informação política, deve saber que não é rasgando a decisão popular que se ajusta qualquer situação política. E, seja onde for, a direita não hesita: se apóia um candidato que se elege e não reza por sua cartilha, o golpe é a solução. Relembrem os últimos cinqüenta anos da América Latina.
Claro que a “grande” imprensa, cooptada pelos grandes interesses econômicos de sempre, só poderia seguir por este caminho: o do apoio velado ao golpe. Em paralelo, os mesmos nomes bizarros do Senado brasileiro, já “livres” dos escândalos recentes, aproveitaram a pauta para as vociferações ridículas de sempre. Arthur Virgílio, aquele que queria surrar Lula, mas se “esqueceu” do “funcionário” de gabinete que manteve por anos no exterior, com dinheiro público. Agripino Maia, velho coronel e lacaio do regime militar. O Demósthenes, que é engraçado até. Todos urrando pelo papel supostamente terrível do governo brasileiro em coadunar com a situação de Zelaya. Ora, papel vergonhoso seria o de apoiar um golpe de estado, jogando o processo eleitoral no lixo! Quem apóia golpe é golpista. E lugar de golpista é na cadeia – aliás, lugar onde Arthur e Agripino já deveriam estar há tempos. O mais incrível nisso tudo é que, por conta das falácias, conseguiram ficar num plano inferior a Zé Sarney: o imperador do Nordeste, afundado até a lama em escândalos, teve lucidez suficiente para ir a público defender a participação brasileira na questão.
Políticos sujos e prostituição da imprensa são temas recorrentes em qualquer república que viva dentro da liberdade dos mercados alimentada pelo desequilibro na concentração de renda. Em qualquer país do mundo. Portanto, não é coisa que me assombre.
Duro mesmo é dar uma espiada nos jornais para ler os comentários dos “leitores” sobre o tema. Não parecem brasileiros, mas sim extraterrestres. Uma enxurrada de gente criticando o Brasil porque há uma clara insatisfação internacional contra o golpe de estado praticado em Honduras. Sim, claro, deveríamos nos “abster” hipocritamente, tal como faz o burguês ao ver o mendigo na calçada e, “distraidamente” atravessa a rua (qualquer semelhança é mera verdade). A mentalidade do “não-tenho-nada-a-ver-com-isso-e-eu-pago-meus-impostos” é uma das coisas mais pavorosas que já se instalou na sociedade brasileira. Cidadania vai além disso. O Estado não é um mero serviçal: todos fazemos parte dele. Sem contar a cegueira da questão esquerda x direita, quando o foco dos acontecimentos está em um GOLPE DE ESTADO REPUDIADO INTERNACIONALMENTE.
Não votaria em Fernando Henrique nem para ser figurante da minha rua, mas, uma vez eleito, que exercesse seu mandato até o fim (como o fez, com Sivam e Daniel Dantas no encalço). Não votarei em Serra nem morto, mas jamais defenderia sua derrubada do eventual poder. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade serviu para assassinar milhares de civis por ano no Brasil. Já era hora dos homens públicos terem um mínimo de decência ao se posicionarem sobre golpes de estado, seja onde forem. De toda forma, defendendo estas sandices, eles não estão no poder por decreto.
A culpa é dos leitores burros, que nunca leram nada além do jornal, aqueles lá de cima noutro parágrafo. A sociedade dos burros vivos.
Se o papel do Brasil na questão hondurenha está equivocado no formato, é uma coisa. No conteúdo, jamais. Não podemos coadunar com golpistas, quanto mais com a insensatez da mídia, de Arthur, de Agripino e outros dignos representantes da elite ignara. A primavera merecia coisa melhor.
Paulo-Roberto Andel, 23/09/2009
Friday, September 18, 2009
E O MUNDO NÃO SE ACABOU...
TRÊS ACTOS
I
Dá pena de ver os “grandes meios de comunicação” brasileiros. Subservientes a poderosos grupos econômicos, verdadeira materialização de vassalagem barata, lá estavam eles a previr o fim do Brasil em 2003 (nove anos antes do apocalipse mundial que vem por aí). Tiros n’água. O Brasil ia acabar por causa de um escândalo denunciado por Roberto Jefferson, o que seria equivalente a um Fernandinho Beira-Mar denunciar a indústria do crime organizado. Tiros n’água. Então, no fim de 2008, a grande-crise-que-ia-varrer-o-Brazyl-do-mapa apareceu; dessa vez, o barco rachava. Lula, eternamente ridicularizado por “articulistas” que desdenham de sua ignorância (na verdade, uma maneira de ocultar o verdadeiro motivo do ódio, que é o mesmo deles quando descem com uma empregada doméstica no elevador social), lançou ao vento mais uma de suas frases bem-humoradas, falando da “marolinha” que seria a gran crise ao chegar aqui. Oito meses e meio depois, vemos que faltou Viagra para a ereção do colapso mundial no Brasil – ele já chegou bem brochadinho por aqui, e pouco fez para saciar sexualmente a turminha do contra (melhor dizendo, a turminha a favor de si mesma). Os bancos não faturam como nunca (quer dizer, SEMPRE faturaram)? Bolsa-família não é choque de capitalismo na miséria? O que querem? Que se tire dinheiro de famintos para investir em rampas eletrônicas dos aeroportos?
Foram atingidos gravemente de morte os dispensáveis "executivos indispensáveis" de grandes companhias. Os desocupados de Ipanema e Leblon, crentes em seu mar verde-arroxeado que a América do Sul termina na subida da Niemeyer. Os falastrões de plantão que acreditam na social-democracia do capitalismo furioso e especulativo. E claro, as ararazuis denominadas parajornalistas que “escrevem” para “milhões” de pessoas (que as “lêem”) em ex-revistas como “Veja” e semijornais como “O Globo”. A turba pobre tomou um susto com a safadeza inicial dos bancos (sempre eles, não é de agora e nem desde 2003); depois, tudo assentou. O que temos de oferta de trabalho ainda é pouco, mas infinitas vezes superior aos governos de Estado mínimo e concentração de renda máxima.
Naturalmente, os dados de emprego divulgados ontem pelo Ministério do Trabalho não tiveram a mesma repercussão das galhofas de outrora, contra a “marolinha”. O Brasil, com todos os erros (e acertos) de seu governo atual, foi dos primeiros no mundo a dar suculenta banana para a gran crise. E la nave va. Ver o texto dos ararazuis é risível: orgulhosos, prepotentes, vendo suas previsões apocalípticas ruírem como lama na chuva, são “obrigados” a desconversar sobre o tema. Piada.
Assis Valente já debochava desse tipo de comportamento nos anos vinte. Foi muito mal-ouvido. O realismo fantástico que cerca as ruas, as telas e o texto. Vivemos num mundo onde 90% das pessoas passam fome, e essa deve ser uma prioridade supra-religiosa, supra-social, até supra-humana se for o caso. Não adianta tratar a gente pobre do mundo como se fosse lixo. Só existe chance de evolução humana com atendimento a princípios de justiça social. Lembram dos “emergentes” da Barra, buscando conforto entre grades e prédios com nomes franco-ingleses? Pois é, a Linha Amarela chegou e, do outro lado, a Rocinha impera. Na porta do maravilhoso shopping, com sua patética Estátua Cover da Liberdade, dezenas de vendedores de churrasquinho, refrigerantes e vans piratas. Não há como fugir. Perda de tempo. Remoções? Trata-se do nazismo fracassado de Lacerda. A cidade precisa ser integrada. O Estado. O país.
“Pânico” e CQC estão dentre os que mais nos fazem rir no Brasil, por conta de seus diferenciados talentos. No entanto, é preciso reconhecer que os órfãos do frango a um real bateram com a cara na porta. O ventre na roleta. O trem já era.
II
Twitter. Faço parte. Divulgo meus blogs nele. Tentei trabalhar poemas curtos, limitados aos 140 caracteres da brilhante invenção; ainda não deu certo. Recebo recados, a maioria sem qualquer relevância. Envio frases de cronistas e poetas. Tem algum humor. É divertido. Pedi ajuda a meu amigo Ricardo Bolinha para que destrinchasse o que havia de útil ali. O trabalho está em andamento.
Engraçado quando você vê conhecidos com quem, há muito, não tem contato. Conhecer alguém no esplendor dos vinte anos e, agora, lê-lo(a) perto dos quarenta. Em dez chances, nove correspondem ao sujeito(a?) ter se tornado um verdadeiro pateta. Não me perguntem sobre estatísticas.
Tempos atrás, eu flavana nas ruas do Centro, munido de meus sensacionais bermudão e chinelos pelas nove da noite, quando encontrei um ex-chapa dos tempos de faculdade. Usava um terno vulgar, mas ostentava autoridade - o Brasil é uma terra onde um sujeito de terno se sente superior. Cinco minutos de conversa. O cara me olhava de cima a baixo. Perguntou se eu estava trabalhando; devia supor que não. Expliquei que, como meu trabalho é intelectual e plantonista, além de morar perto da labuta, posso tomar meu banho e colocar roupa de brasileiro para voltar às vielas. Convidei-o para um chope com nossos amigos de sempre, recusou; agora está “muito feliz com sua esposa e não tem tempo para atividades que não sejam com ela, exclusivamente”. Entendo a volúpia: anos sem atividade sexual. Não me disse, mas era fácil notar. Quem fala demais tem pouco a mostrar. Ou lembrar dos tempos da academia de ciências: “no kiss, no love, no sex, virgin forever!”. Falava do sucesso do emprego, das maravilhas de se dar aula em cursinhos e de como se impressionava ao rever antigos colegas da faculdade com, digamos, o “mesmo” aspecto de antes. Para mim, seria alívio: dose é encontrá-los humanamente piores do que antes. Não devia, mas falei.
O ônibus suburbano do sujeito demorava, o meu também. Cansado das baboseiras, dei a cartada final para me livrar da M.P.I. (mala pesada inarrastável):
- Vou pegar um táxi. Tem algum lugar onde fique melhor para você pegar tua condução?
Versão otimista:
- Puxa, creio que não. Aqui é o melhor lugar mesmo. Obrigado e boa sorte.
(Ufa! Me livrei.)
Vida real:
- Não tenho dinheiro para dividir a despesa do táxi e minha hipocrisia não me permite admitir isso. Uso terno, mas estou bem mais durango do que o camelô da esquina.
Dez reais para me livrar de um chato insuportável. Muito bem pago!
Na rua, dá para fazer isso. No Twitter, não. O sacripanta leu meia dúzia de crônicas, comprou um Paulo Coelho no encalhe, ouviu Maria Gadú (excelente cantora, aliás) e já sai pelos quatro cantos do mundo ostentando sua, bem, “entelectualidade”. Mantenho meu silêncio. A maravilhosa invenção internauta desfralda as bandeiras e, por isso, qualquer bobalhão se considera um novo Mainardiota (com toda justiça, por sinal, já que o parajornalista esquisitão de Ipanema não acrescenta absolutamente nada de importante à vida literário-acadêmica mundial – é apenas uma ararazul), com tudo de pior que isso possa significar.
O homo sapiens estragou o avião, estragou a camada de ozônio e usa a internet como verdadeira bostalhada. O problema está em nós? Claro.
Por falta de opção, continuo lá.
Twitter: o mais fantástico meio de comunicação mundial entre pessoas que não têm nada de importante a dizer.
Quando piorar, vira televisão!
III
“A televisão me deixou burro/ muito burro demais/ oi! oi! oi!/ agora todas coisas que eu penso/ me parecem iguais/ oi! oi! oi!... / oh! cride, fala prá mãe/ que eu nunca li num livro/ que o espirro fosse um vírus sem cura/ vê se me entende pelo menos uma vez criatura!/ oh! cride, fala prá mãe!... é que a televisão me deixou burro/ muito burro demais/ e agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais...” (Fromer/ Belotto/ Antunes, 1985)
Paulo-Roberto Andel, 18/09/2009
http://tvmiscelanea.blogspot.com
Dá pena de ver os “grandes meios de comunicação” brasileiros. Subservientes a poderosos grupos econômicos, verdadeira materialização de vassalagem barata, lá estavam eles a previr o fim do Brasil em 2003 (nove anos antes do apocalipse mundial que vem por aí). Tiros n’água. O Brasil ia acabar por causa de um escândalo denunciado por Roberto Jefferson, o que seria equivalente a um Fernandinho Beira-Mar denunciar a indústria do crime organizado. Tiros n’água. Então, no fim de 2008, a grande-crise-que-ia-varrer-o-Brazyl-do-mapa apareceu; dessa vez, o barco rachava. Lula, eternamente ridicularizado por “articulistas” que desdenham de sua ignorância (na verdade, uma maneira de ocultar o verdadeiro motivo do ódio, que é o mesmo deles quando descem com uma empregada doméstica no elevador social), lançou ao vento mais uma de suas frases bem-humoradas, falando da “marolinha” que seria a gran crise ao chegar aqui. Oito meses e meio depois, vemos que faltou Viagra para a ereção do colapso mundial no Brasil – ele já chegou bem brochadinho por aqui, e pouco fez para saciar sexualmente a turminha do contra (melhor dizendo, a turminha a favor de si mesma). Os bancos não faturam como nunca (quer dizer, SEMPRE faturaram)? Bolsa-família não é choque de capitalismo na miséria? O que querem? Que se tire dinheiro de famintos para investir em rampas eletrônicas dos aeroportos?
Foram atingidos gravemente de morte os dispensáveis "executivos indispensáveis" de grandes companhias. Os desocupados de Ipanema e Leblon, crentes em seu mar verde-arroxeado que a América do Sul termina na subida da Niemeyer. Os falastrões de plantão que acreditam na social-democracia do capitalismo furioso e especulativo. E claro, as ararazuis denominadas parajornalistas que “escrevem” para “milhões” de pessoas (que as “lêem”) em ex-revistas como “Veja” e semijornais como “O Globo”. A turba pobre tomou um susto com a safadeza inicial dos bancos (sempre eles, não é de agora e nem desde 2003); depois, tudo assentou. O que temos de oferta de trabalho ainda é pouco, mas infinitas vezes superior aos governos de Estado mínimo e concentração de renda máxima.
Naturalmente, os dados de emprego divulgados ontem pelo Ministério do Trabalho não tiveram a mesma repercussão das galhofas de outrora, contra a “marolinha”. O Brasil, com todos os erros (e acertos) de seu governo atual, foi dos primeiros no mundo a dar suculenta banana para a gran crise. E la nave va. Ver o texto dos ararazuis é risível: orgulhosos, prepotentes, vendo suas previsões apocalípticas ruírem como lama na chuva, são “obrigados” a desconversar sobre o tema. Piada.
Assis Valente já debochava desse tipo de comportamento nos anos vinte. Foi muito mal-ouvido. O realismo fantástico que cerca as ruas, as telas e o texto. Vivemos num mundo onde 90% das pessoas passam fome, e essa deve ser uma prioridade supra-religiosa, supra-social, até supra-humana se for o caso. Não adianta tratar a gente pobre do mundo como se fosse lixo. Só existe chance de evolução humana com atendimento a princípios de justiça social. Lembram dos “emergentes” da Barra, buscando conforto entre grades e prédios com nomes franco-ingleses? Pois é, a Linha Amarela chegou e, do outro lado, a Rocinha impera. Na porta do maravilhoso shopping, com sua patética Estátua Cover da Liberdade, dezenas de vendedores de churrasquinho, refrigerantes e vans piratas. Não há como fugir. Perda de tempo. Remoções? Trata-se do nazismo fracassado de Lacerda. A cidade precisa ser integrada. O Estado. O país.
“Pânico” e CQC estão dentre os que mais nos fazem rir no Brasil, por conta de seus diferenciados talentos. No entanto, é preciso reconhecer que os órfãos do frango a um real bateram com a cara na porta. O ventre na roleta. O trem já era.
II
Twitter. Faço parte. Divulgo meus blogs nele. Tentei trabalhar poemas curtos, limitados aos 140 caracteres da brilhante invenção; ainda não deu certo. Recebo recados, a maioria sem qualquer relevância. Envio frases de cronistas e poetas. Tem algum humor. É divertido. Pedi ajuda a meu amigo Ricardo Bolinha para que destrinchasse o que havia de útil ali. O trabalho está em andamento.
Engraçado quando você vê conhecidos com quem, há muito, não tem contato. Conhecer alguém no esplendor dos vinte anos e, agora, lê-lo(a) perto dos quarenta. Em dez chances, nove correspondem ao sujeito(a?) ter se tornado um verdadeiro pateta. Não me perguntem sobre estatísticas.
Tempos atrás, eu flavana nas ruas do Centro, munido de meus sensacionais bermudão e chinelos pelas nove da noite, quando encontrei um ex-chapa dos tempos de faculdade. Usava um terno vulgar, mas ostentava autoridade - o Brasil é uma terra onde um sujeito de terno se sente superior. Cinco minutos de conversa. O cara me olhava de cima a baixo. Perguntou se eu estava trabalhando; devia supor que não. Expliquei que, como meu trabalho é intelectual e plantonista, além de morar perto da labuta, posso tomar meu banho e colocar roupa de brasileiro para voltar às vielas. Convidei-o para um chope com nossos amigos de sempre, recusou; agora está “muito feliz com sua esposa e não tem tempo para atividades que não sejam com ela, exclusivamente”. Entendo a volúpia: anos sem atividade sexual. Não me disse, mas era fácil notar. Quem fala demais tem pouco a mostrar. Ou lembrar dos tempos da academia de ciências: “no kiss, no love, no sex, virgin forever!”. Falava do sucesso do emprego, das maravilhas de se dar aula em cursinhos e de como se impressionava ao rever antigos colegas da faculdade com, digamos, o “mesmo” aspecto de antes. Para mim, seria alívio: dose é encontrá-los humanamente piores do que antes. Não devia, mas falei.
O ônibus suburbano do sujeito demorava, o meu também. Cansado das baboseiras, dei a cartada final para me livrar da M.P.I. (mala pesada inarrastável):
- Vou pegar um táxi. Tem algum lugar onde fique melhor para você pegar tua condução?
Versão otimista:
- Puxa, creio que não. Aqui é o melhor lugar mesmo. Obrigado e boa sorte.
(Ufa! Me livrei.)
Vida real:
- Não tenho dinheiro para dividir a despesa do táxi e minha hipocrisia não me permite admitir isso. Uso terno, mas estou bem mais durango do que o camelô da esquina.
Dez reais para me livrar de um chato insuportável. Muito bem pago!
Na rua, dá para fazer isso. No Twitter, não. O sacripanta leu meia dúzia de crônicas, comprou um Paulo Coelho no encalhe, ouviu Maria Gadú (excelente cantora, aliás) e já sai pelos quatro cantos do mundo ostentando sua, bem, “entelectualidade”. Mantenho meu silêncio. A maravilhosa invenção internauta desfralda as bandeiras e, por isso, qualquer bobalhão se considera um novo Mainardiota (com toda justiça, por sinal, já que o parajornalista esquisitão de Ipanema não acrescenta absolutamente nada de importante à vida literário-acadêmica mundial – é apenas uma ararazul), com tudo de pior que isso possa significar.
O homo sapiens estragou o avião, estragou a camada de ozônio e usa a internet como verdadeira bostalhada. O problema está em nós? Claro.
Por falta de opção, continuo lá.
Twitter: o mais fantástico meio de comunicação mundial entre pessoas que não têm nada de importante a dizer.
Quando piorar, vira televisão!
III
“A televisão me deixou burro/ muito burro demais/ oi! oi! oi!/ agora todas coisas que eu penso/ me parecem iguais/ oi! oi! oi!... / oh! cride, fala prá mãe/ que eu nunca li num livro/ que o espirro fosse um vírus sem cura/ vê se me entende pelo menos uma vez criatura!/ oh! cride, fala prá mãe!... é que a televisão me deixou burro/ muito burro demais/ e agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais...” (Fromer/ Belotto/ Antunes, 1985)
Paulo-Roberto Andel, 18/09/2009
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Monday, September 14, 2009
NOITE
noite
me escurece
um novo açoite
me entorpece
enganou quem não
merece
um orixá
mais uma prece
noutra noite
ensandecida
queima na
vela votiva
na fumaça da boate
numa artéria da cidade
cabe a noite
emotiva
corte numa
carne ardida
sangue ao vento
e despedida
outra hora numa prosa
outro choro
outra roupa encardida
numa corda
na varanda
do casebre na viela
na favela
outra mesma noite
outro corpo no asfalto
mais uma vela
mais um plástico preto
e deus perdoa
o morro não tem vez
a miséria atordoa
mar de insensatez
choro do pobre ecoa
noite
não me conforta
noite
mãe minha aflita
noite
meu amor ao longe
noite
meu sentimento num altar:
uma alegria fenece
e o silêncio adormece –
fermenta o tempo
de sonhar!
paulorobertoandel14092009
Tuesday, September 08, 2009
FERIADO
Trata-se de um feriado.
Um esticadão.
A sexta que vai até segunda, num só pacote, ainda que eu tenha de trabalhar “unplugged” no período.
Muitos dizem que nós, brasileiros (com relativa ênfase a cariocas e soteropolitanos), gostamos por demais de um feriado – a maioria dos críticos, na verdade, tem suprema ânsia de cooptar o Posto Nove, a erva-doce e a maresia somente para si. São uns egoistões. Melhor dizendo, uns bobalhões. Permitam-me os superlativos mal-empregados.
Depois de um mês com a coluna em abalo sísmico – o que significa dor até para respirar -, há indícios de que voltei. Sim, eu e o tricolor do Morumbi estamos de volta. Não digo o mesmo do meu amado Fluminense; enquanto isso, ainda rolam os dados. Uma semana de muito trabalhão, o que significa dizer a travessia de quilômetros pela cidade-luz do Brasil, em busca de reuniões nem sempre infrutíferas. Agüentei um blazer arábico no primeiro dia; camisão no segundo. Tênis? Claro. Não desgrudo de minha mania rebelde.
A noite de quinta tinha sido um ufa! Não consegui encontrar Alessandra no meio da Miami carioca: Barra da Tijuca, com suas towers, deliveries, offs e uma só estátua da... Liberdade (entre as grades do condomínio, ou do corredor do prédio). Meu mano Raul. Raras vezes um chope bléqui da Brahma caiu tão bem, a ponto de afugentar a conhecida cafonice do shopping-center. Mais tarde, um delicioso hamburger King. Nestas horas, o império da liberdade americano serve para alguma coisa, e só. Queríamos falar de mil coisas em duas ou três horas, se muito. Assunto não faltava. O que nos atordoava – e continua – era o Fluminense. Sim: a imprensa quer matar o Fluminense, quer usá-lo como mártir para a ressurreição do futebol brasileiro nas mãos do Bispo Ricardo Teixeira. Amém. Não sei a conta corrente para depósito. O abraço de sempre, o tempo escasso de sempre, a solidão do táxi por ruas lindas do Rio, hoje esvaziadas por medo de comboios, fuzis, bombas e outros artefatos de, digamos, “diálogo”. Cidade Maravilhosa!
Sexta-feira era para dar um tempo. O trabalho mais calmo, não fosse ainda a danada da coluna. Cairia bem um chope gelado na beirola do mar. Lanchinho em casa, uma ou outra Skol. O Bola não aparece, por conta de seu realismo fantástico. Taty não me liga e sinto falta. Leo trabalha. Doria some. Bom ver os cadernos de cultura dos jornais: show e filme bom é que não faltam. São Paulo também: fosse uns trezentos quilômetros mais perto, já valeria a visita para navegar nas músicas e nas artes. Gosto de ver os discos novos e os velhos. Há quem ache loucura em tempos de internéti, dáumlôdi: basta baixar a música preferida. Reitero: quem manja de música e literatura sabe que não é bem assim. Sentar-se para devorar um livro, assim como abrir um cedê é um ritual; é mais do que somente o ler ou ouvir.
Sábado com certo sol. Manhã de certa pachorra. A fome pede massas, muitas massas, talvez um pouco. O velho Vulcão da Evaristo da Veiga. Simpático o último dos garçons remanescentes de 1989, quando estive lá pela primeira vez. Boa gente, sempre me cumprimenta e serve bem. Diz para eu não esquecer daquele lá de cima. Juro que tento, mas o céu azul só faz com que eu procure meus pais, o Xuru, o Fred – e tudo com um azedo sabor de fracasso marcial. À frente, uma moça bonita, com voluptuosidades a saber. Na diagonal, duas amigas gordinhas e lindas, do curso preparatório que funciona ao lado. Ficam à minha frente na hora do caixa. São Tricolores: descobri pelos chinelos de uma e do toque de celular da outra. Não digo nada. Por quê?
Poderia ter assistido “Coração Vagabundo”, apoteótico documentário sobre recente turnê de Caetano Veloso, na maravilha do Cine Glória, pertinho. Contudo, gosto de desafios. Pegar o metrô até Vicente de Carvalho, adentrar o Cinemark e faturar “Confissões de uma garota de programa”, com a belíssima (porém, magrinha) pornostar Sasha Grey. Taty me faz falta de novo, mais ainda. Dura a vida. Para conseguir chegar cronometrado, a saída teria que ser feita em um minuto da estação Cinelândia. Deu certo. É Opportrans – leia-se Daniel Dantas. Preciso rir.
Bom o filme. Não era o que eu esperava, ainda mais de Soderbergh. Boa diversão. Em algum momento, me dei conta que não ia ao Cinemark de lá há sete anos. Na última, com um amor que se foi, vi a refilmagem de “Onze homens e um segredo”, na sala sete, George Clooney e tal. Adivinhem qual era a sala de “Confissões”? Sete. Não havia me tocado antes, mas o diretor também era Soderbergh. O que mais me parece sensato? Antes só do que mal-acompanhado. Alguns amores são ótimos de recordar; outros, melhores ainda quando estão banidos de nós.
Há uma lenda lendária que afirma sobre as fracas vendas de discos de rock na zona norte. Bom, hoje em dia as vendas são fracas em qualquer lugar da terra. Menos mal: Dire Straits, “Love over gold” a cinco mangos. James Taylor eu já tinha. Hoje de voltar. Adeus, Vicente de Carvalho; adeus, rua Caroen. Que tal comprar com desconto um bom ingresso para o sensacional show de Itiberê Zwarg, o líder da Orquestra Família e baixo alucinante de ninguém menos do que Hermeto Pascoal? Vambora. Teatro da Caixa na avenida Chile. Meu feriado que começou sexta não descansa.
Rápida espiadinha no jogo do Vasco. Eles vão voltar. E nós não vamos cair.
Sete da noite, que show! Que show. Uma garotada da pesada, só craques. Como pode, ainda se ouve música de altíssima qualidade no centro do Rio a cinco reais! Quem quiser aprender sobre a estupenda qualidade da (boa) música brasileira, precisa ouvir e ver a Itiberê Orquestra Família. Pelas tabelas, um bom Hermeto e seu discípulo Carlos Malta, dos maiores do mundo. E pensar que isso era apenas a preliminar...
Saio em êxtase do Nelson Rodrigues. Encaro o silêncio da avenida Chile. As luzes, as grandes torres do capital. A imponência verde-amarela da Petrobrás.
Dez minutos de caminhada, e lá vem o Brasil subindo a ladeira, atropelando os argentinos com a sutileza de um aríete à porta.
E o domingo, agora que o final de semana já foi bem vivido? Pernas para o ar, Maracanã com os amigos pela frente. Não importa a pontuação, a crise, a tragédia. É uma procissão. Empatamos. Droga! Vai melhorar. Pelo menos vejo Marô e Raul. E Tiba.
E a segunda? Dez cedês para ouvir, um calor do cão lá fora. A Taty longe. O Leo trabalha. O Bola mergulhado no berço esplêndido de seu realismo fantástico. Dória fora. Três poemas esperando feitura.
Comida. Bebida. Nudez respeitosa.
Descansar para compensar a maratona desde quinta.
Contar nos dedos as horas que faltam para o futuro. Procuramos independência.
Amanhã tem cálculos e cálculos desde as oito da manhã. Fisioterapia.
A vida segue. É normal.
E gosto disso.
Paulo-Roberto Andel, 08/09/2009
Friday, September 04, 2009
FLASHBACKS
O CONCRETO DA FESTA
todos reunidos
todos reunidos
festa da ilusão
solidão
todos estão rindo
debochando e rindo
tudo soa em vão
depreciação
música gritada
corpos seduzidos
inaptidão
desvinculação
copos, tragos, fumos, balas
degeneração
p*tas, trouxas, broncos, vis
representação
festa da ilusão
decadência em vão
alma em contramão
O DEPOIS
depois do turno, o descanso;
depois da sova, o descenso;
depois da lua minguante,
depois do quarto crescente
depois do parto, criança;
depois da morte, esperança;
depois do beijo, a carícia;
depois do afago, a delícia;
depois do júri, a sentença;
depois da pena, o castigo;
depois do amigo, a presença;
depois da crença, o perdido
depois do ardor, brisa fina;
depois da sina, tenência;
depois do gozo, o conforto;
depois do fardo, a leveza.
RAP RETO
tudo no manto reto, completo,
exceto o incerto,
para intervir discreto,
repleto no ato secreto,
retrato do fato incorreto e concreto;
portanto, noves fora nada,
tudo perto e deserto.
DEFERENTE
acende feito água,
refresca feito fogo;
alumia toda noite,
adormece vespertina;
brada em trinta silêncios,
sussurra em cem decibéis.
é mansa de loucura,
vulcânica em poemas;
recusa meus amparos
pelo aparato da carência.
no fim das contas,
no raiar do farto dia,
não foge da minha mente,
tanto em foz quanto nascente:
ela é deferente!
ela é deferente!
COISA
coisa empilhada/ organizada/ restrita?/ há coisa prática, vã temática enrustida/ desenrolada, complicada, arredia/ a coisa mole que escorre pelo ralo da pia/ há piedade numa coisa feita com galhardia/ fidelidade hoje mora numa casa vazia/ enquanto o homem corre e cria muitas coisas por dia/ há coisa plácida, errática, translúcida, vadia/ o tempo é coisa contra a qual lutar é causa perdida/ a vida fútil é uma cousa inútil por analogia/ casa caiada por matizes que não brilham sozinhas/ o caos das ruas é aspecto de coisa encardida/ pelo desdém/ pelo descaso/ rimados com apatia/ a coisa tem mão estendida por miséria de esmola/ a coisa tão dissimulada passa e nunca dá bola.
TRANSAMOR
amar –
verbo intransitivo em transe,
tão indefinido em foco;
ânsia e fôlego por romance,
efeméride a cada facto.
DELÍCIAS DO MUNDO
a fruta nua, sem pêlo;
a casca crua, empilhada;
o prato róseo, um espelho;
a faca rija, afiada.
a boca, o gosto, o anseio;
rodeio lancinante de tes*ão.
a mordida quente, provocante –
maçã despida, empinada;
saborosa musa deflorada.
CALMA!
era um basta! assanhado,
até que um calma! ousado
o assediou
doravante, entenderam-se
sobre inefável caminho
onde havia, claramente,
mortos e feridos –
os pensamentos bruscos.
NUVEM DE NEGRUME
oh, nuvem negra,
és tu a emanar desamparo
aos que vão perder?
há tempestade no teu ventre
e tu flanas tão vadia,
para a dor dos miseráveis,
enquanto os insensíveis
te desprezam em sossego –
e fazem das grandes cortinas
a porta em tua face crua.
és tu, nuvem negra,
a promessa ingênua,
a receita vulgar do novo dia?
AUTO-FLAGELAÇÃO
é certo que não tenho sido um homem bom
minha oferenda aos hipócritas veio servida
numa bandeja de prata e desprezo frio
os egoístas sorvem meu cálice,
mas suas papilas só esbarram em fel;
os que entregam descaso em minhas mãos
têm como réplica minhas frases menores -
todas feitas de cuspe acre, asqueroso
não tenho sido um homem bom
falta-me compaixão para com a vastidão
das imundícies humanas –
e, por conta disso, uma bússola em meu peito
segue astuto norte por discreta coerência
paulorobertoandel
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