enquanto sou um exilado em meu próprio bairro
contando as horas para uma libertação que nunca virá
somos prisioneiros do ódio e da indiferença: o outro é o esgoto!
copacabana, eu sou autópsia!
suspirando pela lembrança da boite bolero e suas doces putas tristes
entorpecidas com cocaína
e sonhando com uma libertação que nunca virá
os mendigos e seus olhares derrotados
vazios e tristes demais
copacabana, eu sou teu suicídio
escondido nas cortinas do passado
em teus romances trágicos de fé
as moças em voo da morte
enquanto a bossa nova explodia
éramos futuro, poema e saudade
agora não passamos da desolação
oh, senzalas de marquise, farmácias lotadas, gente chique escondida
e as favelas do metrô - existe o sol!
estes são dias da indiferença a sangue frio e os derrotados comemoram
a vez é dos nazistas, dos racistas, homofóbicos e principalmente hipócritas:
quem vai resgatar o morto das pedras do leme?
somos tão alheios aos outros, não precisamos de ninguém
minha cabeça é um crânio ensanguentado num quitinete de piso frio e branco no coração de cada
onde está o homem queimado que fazia belos desenhos na grande avenida?
a mão que matou aída curi é a mesma que fuzilou marielle noutro canto da grande cidade
os filhos de porteiros já não namoram as garotas dos prédios de Garbo
e a orla da praia parece tão triste
o ódio é o óleo queimado da nossa tristeza e já não temos para onde ir
somos a grande capital da miséria humana, tão superficial
nunca mais pintaremos as ruas nas copas do mundo
nossos amigos estão mortos e desaparecidos ou trancafiados nas celas dos smartphones
copacabana eata semana morreu: deixou seus órfãos mas nenhum bem material que não seja a beleza
as mais doces putas nunca foram vistas novamente
nem o mendigo cadeirante com sonda de urina em berço de morte na rua siqueira campos
nem os meninos que esmolavam perto das casas da banha
copacabana, meu ventre escravo é tua dor interminável, o rio rumo ao mar infinito até a busca de terra firme e corações abraçados - também órfãos da tempestade
e é preciso chorar pelos irmãos separados, as vidas espatifadas, as vidas em vão feito carne a moer em máquinas do progresso
não é possível crer que todos cantaremos juntos uma grande canção
nunca mais nos encontraremos nos bares, nem beijaremos as belas garotas e nem os rapazes vão se entender
o cirandinha está morto e enterrado
o bonino's está morto e enterrado
e decapitamos nossa classe
sou outono e quero ser inverno, perdição gelada aos pés do atlântico sul, sem minhas tardes de cinema
copacabana pulou da janela e não deu chance de resgate
espatifada na calcada, planeja uma ressurreição alla gotham city
porque fausto fawcett resiste
o bar sniff resiste
e katia frança voltará da flórida para nós redimir - não, não seremos o inferno!
esta semana eu sou minha dor solitária e vejo ao longe as areias que beijam o forte
a morte não resiste à minha tristeza infinita - eu posso derrotá-la
nenhuma bala no crânio há de solicitar o meu fracasso, vendo os meus em descaso, perdidos entre as distâncias e o nunca mais
copacabana, minha eternidade que beija o déjà vu, que abençoa os randez-vous, que amansa e aquece conspirações
se tudo parece perdido, ainda temos nossas ruas e amores, pequenas histórias desimportantes que regamos com risos e lágrimas, nossas pequenas vidas
tudo é efêmero, mas a linda curva de areia está fadada à eternidade - é a beleza que ainda nos serve de resistência enquanto temos forças
copacabana, capital dos sonhos, desilusão dos miseráveis, combustível da imensidão humana, verso e bairro
descanse meu coração em paz
@pauloandel