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Friday, February 28, 2025

Rio

O Rio é de muitas coisas. O problema é que a maioria não pode usufruir dessa terra cheia de belezas naturais. Estamos em pleno Carnaval e vocês nem imaginam como tem tanta gente muito diferente das fotos e matérias da TV: trabalhadores oprimidos, cidadãos humilhados, gente honesta ameaçada. 

De toda forma é Carnaval e cada um vai tentar sua migalha de felicidade como puder. A força do samba e da festa são definitivas e atraem os olhares do mundo inteiro - e parte dele vem pra cá, em busca de temperaturas altíssimas, mulheres e homens belíssimos, muita put4r14 e loucura, é lógico.

Na TV temos agora três dias de escolas de samba. Sinceramente, uma ótima ideia, tanto para quem vai ao Sambódromo, que vê tudo mais espaçado, quanto quem ficará pela TV - é um show de ângulos e luzes.

Por uma semana, a gente tenta esquecer a dor de uma cidade tão bela com gente tão humilhada e sofrida, já que o Rio vai muito além de seus espetaculares cartões postais - a vida não se resume a Ipanema e Leblon. Tomara que a festa das ruas tenha pouca violência, que prevaleça a paz e que dê um respiro, porque depois de 10 de março o inferno carioca voltará, e será uma longa e tortuosa estrada até a próxima pausa.

A gente inventou ou aprimorou muita coisa que o mundo gosta. O Carnaval, o futebol, o Cinema Novo, o samba de raiz, a bossa nova, o mate de tanquinho, o aplauso para o pôr do sol e Copacabana, que é primeira e única como Patolino. Tem Botafogo, Gávea, Madureira, Méier, o Tijucão. Da Estrada de Botafogo até a rua Santa Clara dá um mundo. Os mais atentos vão falar de Sampaio, Quintino e Piedade. Vila Valqueire e Realengo. Campo Grande, Bangu, Paciência, Camará. O Rio tem muitas coisas e celebra seu aniversário em pleno sábado momesco. Ainda existe alegria e beleza, mas é preciso ter felicidade - o que só será possível quando a cidade for realmente de todos. Mas agora é festa, quem pode dança e quem não pode se tranca. 

@p.r.andel

Wednesday, February 26, 2025

Letrinha

Meu pai tinha uma letrinha bem pequena e elegante. Anotava tudo, estava sempre com um bloquinho e papel: escalações, preços de produtos, datas de pagamento, qualquer coisa. Falava pouco, sempre escrevia. Era muito organizado. Escreveu até poucas horas antes de sua morte. 

Hoje, mexendo entre alguns CDs, encontrei pequenas folhas de um bloco. Lá estava a letrinha: compras. Macarrão, arroz, manteiga, suco, tudo com preço. A letrinha me diz tanta coisa, tanta, e ao mesmo tempo, traduz todo o vazio que ficou com a morte dos meus pais, mesmo sabendo que a vida é assim e que não há jeito. Piora um pouco porque meus pais eram boas pessoas, e isso está cada vez mais difícil num mundo de gente falsa, egoísta e de mau caráter - como perdi tempo com pessoas assim nos últimos anos... Felizmente ficaram para trás.

A letrinha traz à tona a história de um homem que sofreu desde garoto, perdeu os pais ainda criança, foi criado em colégio interno e desprezado pelos parentes, que veio para o Rio, lutou, trabalhou, enriqueceu, perdeu tudo e continuou lutando até os 54 anos, quando parou de andar. Mesmo assim, tentava ajudar em todas as tarefas domésticas. Nunca reclamou de ter se tornado cadeirante. Do jeito dele, foi feliz e infeliz com minha mãe. Faleceu um mês depois de ter completado 67 anos, com plena saúde mental. Apesar do problema, teve sua última década com alguma tranquilidade, eu segurava o tranco.

Tínhamos diferenças de uma vida inteira. mas também proximidades. O Fluminense ficou para sempre, a não ser que o destruam. Andar pelas ruas foi um hábito que ele incentivou. Leu alguns dos meus textos e gostou muito, o que também gostei porque era um leitor voraz e, portanto, um bom avaliador. Num começo de noite como hoje, falaríamos do Águia e desse jogo que merece cuidado. Eu o chamava de Mala Pai. 

Para alguns pode parecer uma bobagem, mas aquela letrinha era uma espécie de marca de uma família que desapareceu. Lembrando dela, eu penso no meu tio que morreu lá longe, da minha amada mãe. Se estivessem aqui, certamente estariam sofrendo porque o Rio de Janeiro humilha seus habitantes, ainda mais sendo idosos octogenários. Mas seria bom que estivessem. Já que é impossível, tomara que eu esteja errado e tenham se encontrado, que estejam bem, muito diferentemente de mim. Mas é isso: daqui a pouco começa mais um jogo do Fluminense, eu lembro tudo de novo e preciso fazer várias coisas para continuar sobrevivendo. Não dá tempo de pensar, apenas seguir em frente nessa estrada que é muito difícil e que, no fundo, nenhum de nós sabe ao certo onde isso tudo vai dar.

PS: quem diz que não houve ditadura no Brasil, nem tortura nem humilhação, não deveria sequer ter nascido

@p.r.andel

Tuesday, February 25, 2025

Nirvana

Eles eram phoda. Ainda são. De alguma maneira as bandas nunca acabam - elas deixam de gravar, tocar, os integrantes se aposentam, outros morrem mas o som fica. Mais de trinta anos depois o Nirvana tem uma potência e uma energia supremas. 

Demorei a entender a coisa. Quando surgiu a turma de Seattle, eu era muito mais Pearl Jam - é quase um time de coração. Você vê o primeiro álbum, tem "Black", "Alive", "Jeremy", "Evenflow", depois "Dissident" no segundo, aquilo era uma pancada n'alma. Segui com eles para sempre. O Nirvana, não. Demorou. Eu ouvia, achava legal mas acho que nos meus círculos da época não rolava tanto. A MTV estava com tudo - e eu quase trabalhei lá... snif... - mas era um tempo de juventude. Faculdade, calouras lindas, chopes, churrascos e, em certas hora, eu me enchi de ser o aluno mediano que jamais tinha sido, então encarei 28 disciplinas e passei direto em 26 delas. A TV ficou rara por falta de tempo e depois, pela pobreza mesmo, eu fiquei sem TV. Voltei a ter uma em 1994, voltei a ver tudo feito um louco mas aí o Nirvana é que tinha dado o fora, como bem sabemos. 

Eu me toquei de vez do quanto a banda era phoda no Acústico MTV. Fenomenal. Ali deu pra captar todas as nuances incríveis da banda que juntava caos, porrada, lirismo e mensagem num pote cheio de açúcar e pimenta malagueta. Virei um fã tardio, mas me salvei. Grande admirador da banda. Fã, não: o Regis Tadeu tem razão, todo fã na acepção máxima da palavra é um idiota. Viva o som.

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Eu me lembro de onde estava quando soube da morte de Kurt Cobain: numa banca de jornais da Francisco Otaviano, a rua grã-fina de Copacabana e Ipanema. Era um sábado por volta de seis da tarde, quando já estavam entregando os jornais de domingo. O Sérgio leu e me disse com seu sarcasmo clássico, mas aí eu disse "Hã?" e voltei à banca, não acreditando. Ele riu, mas não muito, depois fomos lanchar em algum lugar - estávamos sempre lanchando, pouco importando o dinheiro. A morte de Kurt me comoveu porque eu realmente não sabia do cenário de seus últimos dias de vida - que apontavam para o fim -, e também porque era um jovem quase da minha idade e quando a gente tem vinte e poucos anos se acha invencível, eterno, uma bobagem que a maturidade apaga tudo com um paninho e água. Não sobra uma mancha. Tudo bem, a gente mantém solidariedade pelos nossos.

"Come as you are..."

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Trinta anos depois, a loja já fechou. Vou fazer uma live aqui e dar no pé, somente às nove da noite. Tirando os blocos, o Centro do Rio está vazio e triste. Triste. Aqui ouço "All apologies", em sua versão original do álbum "In utero" (1993). E tanta coisa vem à mente porque, mesmo sendo um admirador tardio, eu não deixei de associar as canções às épocas - e aquela, dos anos 1990 até +- 1995, foram da pesada. Depois sofri uns baques, fiquei fora do circuito e quando voltei o mundo já era outro. Não importa: o Nirvana foi uma porrada, foi um socão no queixo e mesmo sem a dedicação devida, posteriormente compensada, eu estava por lá. Faz muito tempo, mas não me esqueço de nada e isso me dá alegria - odeio gente hipócrita que finge ser esquecida para não falar de coisas que possam lhe trazer algum mínimo incômodo.

Sunday, February 23, 2025

AMIGOZ...

Há  pouco, ouvi alguém dizer sobre o pior tipo de amigos. 

Pensei na falta de sentido. 

Se é pior, não pode ter nada de amigo.

Amigo é para quem precisa. É para a hora da chuva e do frio, não dos canapés e da fama efêmera. É para a hora das lágrimas. Quem não te apoia na dor não serve para berda nenhuma. 

Amigo é força, não largar pra trás.

Estende a mão, não a recolhe nem finge esquecimento seletivo..

Amigo é fortalecer, não bajular e nem subestimar. Bajulador não é amigo, é apenas um oportunista lucrando com a bajulação. 

Amigo admira e não tem inveja. Torce pelo outro em vez de jogar contra. Quem joga contra não é amigo. Favor não confundir isso com mera divergência, que todo amigo de verdade tem 

Amigo respeita e fortalece o lugar do outro, especialmente em termos de protagonismo. Amigo que não digere o protagonismo do outro nunca foi amigo. 

Amigo é procurar a vírgula para fortalecer, não para detonar sob o pretexto farsante da sinceridade. Aliás, excesso de sinceridade na maior parte das vezes não passa de grosseria ou desrespeito com o próximo. Muitos acreditam saber, mas poucos dominam as palavras de modo a agir com prudência e maturidade - em qualquer época. Bem poucos. 

Amigo, não o AMIGOZ, amigo algoz, contando os segundos pra tifu com farofa... Que já te sugou muito no passado...

Já fui amigo de muita gente que, na hora H, me descartou feito lixo. E gente que sempre se disse amiga, mas nunca passou uma mísera bolinha de gude. Se eu dependesse desses, tava phodido pra sempre. Meu consolo é saber que ajudei gente paca. Muitos só passaram a ter alguma relevância quando eu me empenhei em valorizá-los...

Tudo bem, ainda estou vivo e eles também. Eu deito e tenho a minha insônia tranquila. Será que eles dormem bem com a escrotidão no colo? Marionetes de berda...

Os primeiros a te enterrar em vez de dar a mão. Depois fazem cara de paisagem e, se você morrer, vêm com textão bonito - e hipócrita - no Facebook. Que morram eles! 

@p.r.andel

Thursday, February 20, 2025

Era tudo nosso

Perto das nove da noite, Copacabana fervilhava por volta de 1982. No entanto, a  areia da praia ficava quase toda livre por um motivo curioso: não havia luz na orla. As pessoas praticavam os esportes até quando era possível enxergar alguma coisa.

Geralmente saíamos da casa do Fred, na Figueiredo Magalhães. Eu, Fred, às vezes o Ricardinho. Noutras, o Marco Antônio. Ou qualquer amigo de bobeira disposto a chutar bolas imperdíveis ou fazer gols na famosa trave do Juventus, time orgulho do bairro e do futebol de praia. Se conseguisse o quarteto, o ideal era jogar dupla de praia com dois goleiros. Se não desse, a solução era individual: cada um dava cinco chutes a gol e se preparava para defender outros cinco. 

Como já disse, a praia estava deserta às nove da noite. A gente gostava daquilo, um futebol solitário, a trave, o mar, o murmúrio das águas do Atlântico Sul. O Fred gostava mais de ser goleiro, eu preferia chutar em gol. Então embarcávamos no campo dos sonhos, tentando imitar os craques que jogavam naquele tempo. Um chute de efeito era do Éder ou do Nelinho, peritos no assunto. Uma cabeçada de zagueirão? Edinho. Uma arrancada pela esquerda: Júnior ou Pedrinho. Aliás, Júnior foi nosso vizinho a vida toda, também craque do Juventus e não saía da Figueiredo, além de ter uma loja de artigos esportivos na Siqueira Campos.

Goleiros eram Raul, Paulo Victor, Leão. O Fred gostava do Birken Meyer, que jogava no Cosmos (!) de Nova York. 

Uma bola na trave, na forquilha. Outra triscando. A gente imitava a torcida no Maracanã: "UHHHHHHHHH". 

Às vezes aparecia um ou outro garoto perdido querendo jogar a de fora. Não chegava a ser raro, mas o horário não ajudava muito.

Dez da noite. Batia a escuridão. De longe a fina linha retangular sugeria o que realmente era. Tentávamos acertar o gol. Fred era pesado e grande, mas voava e espalhava. Ricardinho também. O Marco era bom mas era baixinho, então buscar o ângulo era uma alternativa. Fui um goleiro razoável no máximo. Fiz o que pude.

Em certo momento a gente desistia. O breu tomava tudo. Luzes, só nos faróis que cruzavam a avenida Atlântica a passeio ou em busca de emoções diferentes na orla mais famosa do mundo. A gente se olhava, mal falava e estava tudo entendido: vamos voltar outro dia. Pegávamos os chinelos e tchau. Ah, claro, e a nossa bola de 27 gomos, pois alguns já tinham caído.

Hora de voltar para casa. Onze da noite, mais de duas horas de futebol no escuro. A gente descia boa parte da Figueiredo Magalhães. Geralmente eu carregava a bola, mas ela não era minha. Embaixo do condomínio Camões, a galera do Juventus se espremia num boteco. Duas quadras depois, o Marco Antônio virava à esquerda pela Barata Ribeiro. Eu e Fred íamos até o Shopping dos Antiquários, onde estávamos em casa. O Ricardinho andava mais um pouco, cruzando o Bairro Peixoto. Fizemos isso algumas dezenas de vezes juntos e fomos felizes. Afinal, para garotos de treze e catorze anos, o futebol é o mundo e mais: ainda tínhamos um futuro imenso pela frente - a Copa da Espanha, o Torneio dos Campeões, o Campeonato Carioca, era muita coisa: Edinho, Cláudio Adão, Junior, Adílio, Zico, Tita, Luisinho, Moreno, Leandro...

A bola. A bola. O inesquecível silêncio na beira do Atlântico Sul, o céu de duas mil estrelas, a Copacabana dos anos 1980. Nosso Maracanã era de areia. 

Onde estão meus amigos? 

@p.r.andel

Tuesday, February 18, 2025

Qualquer verão

mais um lindo e 

insuportável 

dia de sóis com 

um jovem amigo 

à espera da sepultura

Saturday, February 15, 2025

Madrugada elegante

Venho aqui à procura de Gigio em vão. Tenho meus rituais. Da mesma forma irei ao Maracanã procurar meus pais que já não existem num estádio que também não existe - agora é outro. É como se eu voltasse à faculdade 37 anos depois, sabendo que meus grandes professores estão mortos, que minhas belas amigas agora são avós dedicadas e que meus camaradas se mandaram - eu não vou encontrar ninguém, todos só existem nas minhas lembranças e mais nada. Mas insisto. 

Tudo passou numa velocidade assombrosa. Perdi muita gente. Detesto a soberba de dizer que ganhei leitores, é ridículo mesmo sendo verdade. Eu preferia ter mantido os colegas por perto, mas não deu. Pelo menos eu ainda tenho alguns outros colegas por perto. E me preocupo com outros que andam sumidos, espero que não seja nada grave. 

Uma e meia da manhã. Meu amor dorme longe. O calor é insuportável. Os camaradas de WhatsApp foram dormir. O consolo é a elegância suprema de Paulinho da Viola na TV. Uma espécie de antídoto contra a estupidificação dos tempos. 

Do nada, lembro e rio. Uma garota chamada Mariana, bonita pacas, amiga de uma conhecida que visitei em Vitória. Cheguei à cidade e fomos para um stand up comedy. Depois virou bar e ficamos os três na mesa. Aleatoriamente, a Mariana começou a falar de homens atraentes e disparou: "Eu pegaria você tranquilamente". A conhecida não gostou. Eu ri. Isso faz muitos e muitos sábados à noite. Eu logo voltei pro Rio e nunca mais fui à Vitória. Eu tinha trinta e poucos anos, o futuro era um horizonte futuro. 

A Portela de Paulinho da Viola desfila garbosa na TV. A elegância supera tudo. Isso não é literatura, mas apenas um desabafo.

@p r.andel

Um viva aos calhordas

Calhordas são calhordas. 

Às vezes nos prejudicam e sacaneiam. Quase nos destroem. Jogam pra matar.

Mas depois que eles passam, como é bom tê-los longe. 

Quando os encontramos por desagradável acidente, sequer disfarçam: lembram de suas vitórias de merda, de seu caráter de merda, da merda moral que carregam de forma enrustida e estampam em seus rostos toda a mediocridade que lhes alimenta.

Calhordas são importantes: livrar-se deles nos lembra como buscamos outro caminho. Descartá-los é reanimar o viver. 


Tuesday, February 11, 2025

Pequenas pílulas

PIZZA

Depressão dá livros, filmes e vidas. São inúmeros exemplos. Um deles: você está com fome, precisa comer mas fica paralisado e não consegue agir. Está revisando um livro atrasado, fica congelado e não consegue agir. Não é que esteja distraído com a TV ou a internet: na verdade você está no berço esplêndido de sua tristeza e desesperança. Quando se dá conta, passaram horas e horas. Você está preocupado porque sua amiga preferida vai extrair um dente e fica paralisado esperando alguma notícia. Então escurece, a tua cabeça começa a doer de fome e aí você precisa fazer alguma coisa de vez. 

CALOR FDP

Quem pode ficar tranquilo e paciente nesse inferno de 50 graus com vento quente de ventilador? Quem? 

Por que não comprei um aparelho de ar condicionado anos atrás. Por quê? Não sei. Deveria ter comprado. Não comprei. Me fudi. Tudo bem. 

Calor é bom para criança, gente de férias e rica, que pode driblar as armadilhas do inferno carioca. O proletariado carioca, não: ele só se fode. Estagiários se enforcando com as gravatas, soldados molhados nas fardas, vendedores pingando nos uniformes.

Tomara que não exista outro inferno além do Rio. Imagine a temperatura do caldeirão. Se já é difícil a 50 graus, imagine a 5.000.

PRIIMMMM

Toca o interfone. Eu odeio interfone mas preciso dele. Atendo depois de uma caminhada manca. Chegou a comida.

Vou até o elevador e pego a cestinha. Uma deliciosa pizza, com bastante tomate para irritar o mala do Catalano, caso estivesse aqui. Já comemos muitas no passado. Agora é tarde. Faço meu lanche durante a live, ninguém percebe. A depressão não passa; a fome, sim. Pedi um refrigerante de dois litros, pouco. 

O Fluminense não me dá paz.

Na TV, o entrevistado explica que o PCC tem uma espécie de BNDES para fomentar a indústria do crime. Você pode pegar capital para investir no crime, não é maravilhoso? Então eu, camelot, prestador de serviços literários, cronicamente pobre, não tenho um mísero puto num banco - sem contar os ditos amigos FDPs que têm e te negam com desculpas ridículas -, pois meu negócio é vender música e livros, mas se eu for um assassino, estuprador ou traficante o meu agenciamento bancário está garantido. 

Alguém ainda quer falar de democracia e meritocracia nessa merda comigo? 

Será que encaixo em alguma linha de crédito light para crimes de baixos teores? 

GLUB

A pizza estava uma delícia. Fiquei tão contente que me lembrei de uma pizza brotinho que comi com meu pai nas Lojas Americanas de Copacabana, bem em frente ao Metro - com seu ar refrigerado siberiano - e perto da Casa Sloper. Era de mussarela, deliciosa demais. Parecida, só tem em dois lugares: no Chuá da Sete de Setembro e no Coliseu das Massas.

Cinquenta anos depois, não há Lojas Brasileiras, Metro, Casa Sloper, pizza brotinho e pai. Só sobrou eu, o que é quase nada. Tudo bem. 

Quando fiz o pedido no Ifood, vinha uma Pepsi de dois litros. A loja perguntou se podia trocar por Sukita de Uva, aceitei. No elevador, recebi uma Fanta Laranja. Tudo bem. 

A depressão não para nunca, mas é possível ter alguns momentos divertidos.

@p.r.andel



Sunday, February 09, 2025

Parênteses

(vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (algumas pessoas conseguirão grandes êxitos) (a maioria lancinante continuará na miséria) (o mundo é feito para a minoria) (a maioria é um grande exército de cachorros espiando o frango girar na assadeira bem na porta da padaria) (vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (quem serão as novas vítimas das balas perdidas?) (manchetes populares das mesmas notícias com novos atores) (quem pode dá uma esmolinha ou diz que  fica triste) (mas não move um dedo para mudar nada) (o carnaval já bomba a todo vapor e o resto que se dane) (e daí que algum amigo seu vai se matar?) (você não criou o mundo, não é verdade?) (os personagens mudam mas os roteiros são os mesmos) (e falamos de democracia no meio de tanta fome, miséria e descaso) (daqui a pouquinho centenas de milhares de pessoas humilhadas pela opressão econômica vão pular de suas camas, pedir a Deus, pular na Supervia ou no BRT) (rapaz, são quase duas da manhã) (eu queria estar no meu bar, sozinho de verdade, com meu chope gelado aliviando toda a minha mágoa) (o máximo que dá para fazer é escrever no smartphone) (as pessoas mortas nunca mais vão voltar) (e várias vivas estão moralmente mortas) (já vai começar a semana, não há escolta) (e a opressão é uma arma apontada para o próprio peito) (quem não sente dor nem liga) (vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (boa sorte a quase todos) (que o mundo doa menos pra tanta gente que merece muito, mas muito obrigado) (fiquem em paz).

Saturday, February 08, 2025

Boemia duranga

E a gente voltando a pé do Leblon até Copacabana de madrugada, enquanto passavam vários ônibus lotados porque as pessoas curtiam na Zona Sul, se divertiam por lá.

Às vezes queríamos ver as últimas gatonas da noite na Visconde de Pirajá, que naturalmente nem ligavam para nós. Na maioria dos casos, íamos pela orla. Era bom. A praia à noite tem um silêncio próprio. Descíamos até o Jazzmania e depois tomávamos o caminho de Copacabana. Ipanema e Leblon eram sempre mais desertas, bem vazias na madrugada - contrastando com os domingos. Copacabana, não: sempre tinha gente ou no calçadão ou até na areia, mas também tinha uma tranquilidade, um silêncio menor. 

Quando passávamos por estes lugares, nem sabíamos que eles foram desbravados pelos gigantes da arte brasileira: atores, diretores, músicos, poetas e artistas plásticos. Quanta gente boa do Brasil já tinha feito tantas vezes o mesmo caminho notívago a pé? Muita. Só queríamos nos divertir um pouco. Do Posto Seis até a Figueiredo Magalhães ainda havia dois quilômetros e muita contemplação do Atlântico Sul. Quando sobrava algum dinheiro, ainda rolava um lanche no Gordon, que ficava aberto por toda a madrugada. 

Chegava em casa na ponta dos pés: o apartamento era pequenininho, qualquer barulho na cozinha acordaria meus pais. Direto para um banho silencioso e veloz, cama. Como não havia WhatsApp, nossa resenha era só no dia seguinte, talvez na praia, no Maracanã ou em algum encontro na tarde de domingo. 

II

No Leblon ficava o pessoal de grana. Era tudo mais caro. Em Ipanema, quase isso. Às vezes a gente parava perto do Chaplin, quase na esquina da Farme de Amoedo, e ficava ali na calçada, conversando. Ainda éramos garotos, 17, 16 anos. Do outro lado da rua ficava o McDonald's abarrotado de gente. Tudo isso acabou. 

No Baixo Gávea ficava a turma do rock, mais especialmente os fãs de metal. Todo mundo de preto. Lembro de um rapaz que, dizem, tinha feito até cirurgias para ficar idêntico a Bruce Dickinson, o cantor do Iron Maiden, e realmente ele era muito parecido: todo mundo olhava quando passava. Mas o BG não era nos fins de semana e isso nos afastava, porque tinha escola e tal. Emprego era muito difícil, mas a gente tentava: nunca tinha vagas. 

III

No fim das contas, eu acho que o nosso grande barato era a volta perto do bar. A gente gostava muito daquilo: do silêncio, do ir e vir lento das ondas. Foram dezenas de vezes. 

Faltou falar das bandas. Culture Club. Smiths. Duran Duran. Ah, sim, Supertramp.

(Continua).

Wednesday, February 05, 2025

Saudade do jogo

Daqui a pouco vai ter Vasco e Fluminense. Longe, muito longe do Maracanã, desta vez em Brasília. 

Eu era uma criança quando descobri que o time adversário tinha uma camisa diferente, com uma faixa. Meu pai me puxava pela mão e eu vivia o campo dos sonhos. Nenhuma criança de hoje vai entender o que era estar na arquibancada com mais de cem mil pessoas, em partidas memoráveis e cheias de craques, com um mar de bandeiras e sons. 

A gente ficava procurando a felicidade a cada domingo no Maracanã. Tudo passou numa velocidade extraordinária. Os meus craques da infância agora são senhores de idade, avôs, bisavôs, e outros foram embora antes da hora 

Neste momento o Fluminense vive uma fase de doer, fruto de sua gestão estapafúrdia. O Vasco, rival centenário, paga o preço de suas gestões anteriores. Neste século, os dois clubes decidiram um único título. Os tempos são outros. Há pouco mais de 50 anos, o Vasco era campeão do Brasil e o Fluminense começava a montar a espetacular Máquina Tricolor. Há pouco mais de 40 anos, decidiam o Campeonato Brasileiro. E agora? 

Nesta quarta o Vasco é favorito. Certamente chegará às semifinais do Estadual. O Fluminense tem sua camisa centenária e sua vocação de mosca na sopa - feito para incomodar. E nos clássicos, não é incomum que o time em pior fase vença o jogo. Mas é pouco: o Tricolor está longe dos momentos gloriosos. Que hoje dê um passo para sua recuperação. 

Agora, se pelo menos por alguns instantes o clássico fosse faiscante como em 1976, 1981 ou 1989, os garotos de hoje iam entender o tamanho desse confronto. É um jogo de muita história.

Tarde com Judas

A tarde calorenta para danar, mas uma compensação: passa Judas Priest na TV, um show de 15 anos atrás mais ou menos.

Inevitavelmente, lembro de meu saudoso amigo Fred e todas as aventuras em que a gente se metia para conseguir discos ou mesmo gravar uma fita cassete com sons que gostávamos de ouvir. 

O Judas Priest sempre foi uma potência. É uma das maiores bandas de todos os tempos e um dos gigantes do heavy metal. Engraçado, quando a gente era garoto eu lembro certa vez: estávamos numa loja onde o Fred foi comprar calça jeans na Figueiredo Magalhães e o vendedor era um cara ligado em rock, então começamos a bater papo, a falar de bandas e daqui a pouco ele começou a falar das bichas do rock, efetivamente de Lou Reed e do próprio Rob Halford. 

Estou falando de 42 anos atrás, ou seja, nunca foi segredo para ninguém que o Rob Halford era gay. E daí? Ele é um dos maiores cantores de rock and roll da história, um dos maiores ícones do metal, o Judas mantém a mesma integridade profissional e respeito artístico que tinha no começo da sua carreira de quase 50 anos. Mas então percebemos que os assuntos já estavam por aí atormentando a cabeça das pessoas…

O que rolava mais na casa do Fred eram as bandas de metal e rock and roll, né? Iron Maiden, o próprio Judas Priest, Kiss, Metallica, enfim, depois rolou uma era mais pop que o Fred descobriu, comandada pelo Level 42 porque adorava o baixista da banda, Mark King, que é um senhor músico também, um verdadeiro monstro tocando contrabaixo. 

Passamos tardes muito divertidas nos anos 1980. A casa era simples a gente ia para lá, se reunia porque era o único lugar que tínhamos livres, porque o Fred era o único de todos nós que tinha os pais separados e a mãe trabalhando fora de casa quase o dia todo, então o apartamento era nosso para fazer a festa, mas não tinha essa moleza de hoje, como ligar o canal fechado e assistir a exibição de uma banda. Tudo era muito mais difícil, não apareciam os shows ao vivo de rock na televisão. 

Eu me lembro que até o primeiro super grande show que foi transmitido. Acho que já no finalzinho dos anos 1980 pela Bandeirantes a Band né? Quando os Rolling Stones começaram a turnê Steel Wheels, que era uma uma espécie de retomada da banda. Ao mesmo tempo, um momento em que eles começaram a usar os palcos colossais, que duram até hoje. Tinha a participação de John Lee Hooker na abertura, o Guns n' Roses. Claro aí depois com o tempo as TVs acabaram apresentando shows e festivais, mas aí é outra coisa.

Agora o tempo é outro. Já não há mais tantas grandes bandas de rock and roll por aí em plena atividade, a maioria já é de pessoas mais idosas. O final inevitável está chegando, paciência. Há pouco anunciaram que julho terá as despedidas oficiais de Black Sabbath e Ozzy Osbourne. O tempo é Implacável, os caras fizeram meio século de coisas maravilhosas, mas um dia chega a hora, vai chegar para todos.

Para nossa sorte, a nossa geração de cinquentões teve a possibilidade de ver vários dos seus ídolos por muito tempo.

Opa, peraí que agora Paul Stanley está cantando. 

Sonho

Não dormi tão bem assim porque ainda nem são seis da manhã. Mas dormi até bem, antes da meia noite. Nestes tempos modernos é um achado.

Curioso é que sonhei. E raramente eu lembro dos sonhos. Desta vez eu lembrei de tudo. Engraçado. Pareciam pequenas esquetes. Em algum lugar grande, com reuniões de grandes públicos, eu estive em três momentos com três pessoas que já não fazem parte da minha vida, mas que fizeram durante algum tempo, especialmente quando me achavam útil para alguma coisa. Nenhum problema ou mágoa: tudo deve passar e a gente sabe que num longo caminho como o da vida, poucos vão continuar ao teu lado.

Mesmo assim, achei curioso. No sonho, as três pessoas repetiam exatamente os mesmos comportamentos que me levaram a deixá-las de lado. Os mesmos. Aquela coisa da indiferença blasé, da desumanidade disfarçada de pragmatismo, do desprezo elegante pela "falta de tempo", hoje em dia uma das melhores desculpas quando temos um e-mail ou um Whatsapp chegando em segundos. Em 2025, a pessoa só não tem tempo para quem efetivamente não quer. É mais simples do que parece. 

Vale para mim também, mas procuro ser o mais honesto possível: não acredito em amizade sem reciprocidade. Amizade não se resume a cumprimentos e eventuais convescotes de botequim. É mais do que isso. Bem mais. Pobre de quem nunca aprendeu esta simples mas definitiva lição.

@p.r.andel