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Tuesday, July 29, 2025

tô...

FACEBOOK NEM SEMPRE É AUTOBIOGRAFIA (OU A GENTE NEM SEMPRE ENTENDE AS COISAS) 

05:48 tou com fome tou cansado. tou com sono. tou com sede. tou triste. tou rindo. tou pensando. tou pensando. tou pensando. tou com dor. uma dor. várias. tou pensando, mesmo que não adiante. tou lamentando o sono perdido enquanto ouço notícias inúteis. 05:53 tou estatelado na cama. tá frio. tá escuro. tá um silêncio. tô a fim de ir embora. tô a fim de ficar até o fim. tou com saudades do que não aconteceu. tou sem força pra escrever. tou entediado. tou cansado de pessoas vazias e conversa fiada. tou com fome, tou com bastante fome, eu tou sempre com fome. tou com medo do fim do mundo, da dor, do resto. tô atento. tou ligado. tou vendo football feminino. tou com saco cheio do descaso e da demora porque a vida é agora e tenho pressa demais. 06:00 tou ouvindo péssimas notícias cariocas. tou sonhando com misto quente e café com leite. tou pensando em tudo que eu perdi. também pensando no pouco que ganhei. tou a fim de viajar e não voltar. tou a fim de esquecer de todas as coisas, mas minhas memórias não deixam. tou vendo meu amor no whatsapp. tou pensando nos livros que preciso publicar. tou sem tempo pra gente que me desconsidera. tou querendo paz, mais difícil que ouro e joias. tou ouvindo um ônibus rangendo. tou apertando meus dentes tortos. tou deitado poupando meu corpinho cansado. tou vendo o começo de volta ao começo. 06:08 tou com o dedão doendo pela maldita unha encravada. bom dia.

@p.r.andel

Monday, July 28, 2025

formiguinha

Ia fazer um lanche, passei mal estes dias. Fui à cozinha, peguei o prato e nele havia uma gotinha d'água. E uma formiguinha, tão pequenininha, tão minúscula que era quase imperceptível mas eu a vi. Nos encontramos por um segundo: a água escorreu e levou a coitadinha. Deve ter caído na pia ou no mármore. É difícil entender as coisas, mas existe algum sentido na existência de uma criatura tão frágil e indefesa, que some numa gota. Sem pai nem mãe, sem família, sem amor, nada. Oi e tchau. Bom, a gente também é meio formiguinha se olhar para  cima e espiar um grande prédio corporativo. Ou se olhar na mais fascinante solidão, que é a multidão no Maracanã. De um andar alto nos arredores da Central do Brasil, é fácil ver multidões de formiguinhas humanas às cinco da tarde, loucas para fugir da depressão do emprego precarizado e voltar para casa, tomar um banho, conseguir comer alguma coisa. As filas dos ônibus são formigueiros, a barca rumo a Niterói também. E nas calçadas do Rio há formiguinhas ainda mais humilhadas, desprezadas por serem muito pobres. É difícil ser formiga. Aí me lembro de um outro dia, quando esqueci uma caixa com um pedacinho de pizza na mesma pia. Ao abrir... uma turma de formiguinhas, umas cinquenta, passeando sobre o lanche farto. Elas comeram bem antes de morrer: a pizza era gostosa, levei a caixa para a lixeira. Aquelas vidinhas minúsculas mas com um senso coletivo de humilhar os humanos, tão cheios de arrogância sem perceber que, dois dias depois da morte, não passam de carne podre e fedida. Apesar de ser considerada uma pessoa grande por causa da minha altura e peso, eu sempre me considerei muito pequeno. É melhor assim. Muito melhor. Fugir das grandezas me coloca em sintonia com a realidade. Bem diferente das gotinhas em pratos que afogam formiguinhas, os cemitérios estão cheios de mausoléus, mármore, sobrenomes, pompa e muita, mas muita empáfia dentro das tumbas.


@p.r.andel

Sunday, July 27, 2025

amizade pra boi dormir

já estou velho para isso, mas ainda me impressiono: o que leva uma pessoa a dizer que é sua amiga se ela não dá a menor atenção ao que você está sentindo/passando/sofrendo? já aconteceu isso com você? 

difícil saber se é alienação, falta de empatia, de noção mesmo ou falsidade. 

tenho minhas opiniões e preferências. procuro tratar todo mundo bem, mas é óbvio que tenho poucos amigos. bem poucos. detesto relações baseadas em hipocrisia: se não sou amigo da pessoa, não tenho o menor motivo para mentir sobre uma amizade. e o tempo te dá experiência para sentir quando alguém se aproxima genuinamente ou só busca alguma vantagem pessoal. nos últimos anos, me afastei de muita gente por perceber isso: eu, homem do povo, com quase nada a oferecer, ainda assim tinha gente se fingindo de minha amiga por pura desimportância. não briguei, não discuti, nada, apenas senti a energia negativa e me afastei. pra sempre. também me distanciei de gente que, nas minhas horas mais difíceis e sofridas, fez cara de paisagem e me deixou na mão pedindo esmola. nenhuma mágoa nem ressentimento, mas jogar junto nunca mais. ninguém é obrigado a ajudar? ok, e você não é obrigado a manter...

as pessoas enchem a boca para falar de amigos, mas no pouco que me cabe vejo muito pouca amizade por aí. relações interesseiras e lucrativas, tem aos montes, pelos motivos mais rasos possíveis. agora, amizade é outra coisa, bem diferente. não é isso que hoje vemos como a palavra mais malversada da língua portuguesa. amigo é presença e força, não negligência.

@p.r.andel

As vísceras da cidade

I

A cidade não para. Ela nunca dorme, ela nunca termina. Ela é vendida para o mundo como o mais belo dos belos rostos, mas vista bem de perto tem sua pele bastante machucada pelo ser humano.

II

A cidade ganha novas tecnologias, os grandes prédios ficam mais modernos, os carros apressados são de última geração,  as pessoas das classes dominantes ostentam suas novidades digitais. Ao mesmo tempo, certas coisas nunca mudam - especialmente quando o tema é degradação. Sim, porque a cidade é linda nas fotografias turísticas, mas é esgarçada à medida em que se avança em direção aos bairros mais populares e populosos.

III

A cidade é humilhada. Ou melhor, ela humilha boa parte de seus habitantes. A violência humilha as pessoas, os transportes de massa, o emprego precarizado, a desigualdade social, a falta de oportunidades, tudo isso compõe uma carga imensa de humilhação às pessoas, e muitas acabam não resistindo: aderem às drogas lícitas e ilícitas, ao fanatismo religioso e a outros recursos para tentar aliviar suas realidades brutais. Vários não aguentam e dão cabo das próprias vidas, mas este é um assunto estupidamente proibido. 

IV

A cidade acaba sendo uma imensa frangueira elétrica num almoço de domingo, com milhões de pessoas fazendo o papel de cachorros, com os olhos bem arregalados, olhando e sonhando com pedaços de frango que nunca terão. 

V

A cidade tem lugares lindos, mas eles não são para todos, mesmo quando têm acesso ou entrada franca. 

VI

As coisas que nunca mudam. Os traficantes perigosos são levados para presídios federais, mas o tráfico continua estuprando, torturando e matando. A milícia também. Há lugares da cidade onde a polícia simplesmente não entra. Atravessar a cidade no fim da noite pode ser risco de morte, a depender do trajeto adotado.

VII

Acontece que essa também é a cidade das esmolas. Esmolinhas. Os políticos dão projetos de esmolinha para meia dúzia e acreditam ter mudado a cidade. O sonho do Carnaval é uma esmola para tanta gente tão sofrida. O sonho do futebol no Maracanã já foi uma grande esmola, mas o povo foi expulso de lá e agora se abriga em biroscas para poder vivenciar sua única alegria. Às vezes temos esmolas de grandes shows como os de Madonna e Lady Gaga, então o grande capital ganha, os trabalhadores minúsculos sobrevivem e ficamos esperando a próxima esmola. 

VIII

A maior prova do descalabro da cidade está nas madrugadas, quando milhares de famintos tentam se abrigar na porta de agências bancárias. Lembre-se: toda vez que você vir uma pessoa em situação de rua desabada numa calçada à tarde, pode ser consequência da pessoa virar a noite acordada, com medo de ser morta, incendiada ou estuprada.

IX

A cidade está crescendo. Temos cada vez mais prédios, voltados para quem já tem apartamentos - a minoria. Surgem novos bairros devidamente gentrificados, onde o povo só aparece como camelô ou prestando os serviços condominiais. "

”O povo? Que se aperte nas favelas."

Nos bairros antigos, há cada vez mais lojas fechadas que nunca mais vão abrir. 

Aliás, a própria rua que, no passado, era um palco de celebração da cidade, agora é cada vez mais mero percurso de passagem. As pessoas têm pressa. As pessoas têm medo. O celular virou o último refúgio das amizades numa cidade que já misturou muitos gênios em muitos bares, mas tirando os nichos da burguesia e alguns pontos esparsos, a vida na rua acabou. Ficaram apenas as pessoas oprimidas pela miséria.

X

"Miséria, miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes."

"A morte não causa mais espanto."

A cidade ainda tem beleza sim. Ainda tem poesia. Contudo, as chances são cada vez mais escassas.

A cidade humilha as pessoas, não todas, mas a maioria. 

Muita gente deu seu sangue e sua vida para que a cidade fosse de todos, mas isso jamais aconteceu, e não há esperanças de que o cenário mude. 

Seria possível mudar a cidade para melhor, mas as pessoas que controlam o poder não têm o menor compromisso com o bem comum: parlamentares, empresários, personalidades, banqueiros etc. Nunca estiveram nem estão aí com nada. 

XI

Cidade maravilhosa. 

@p.r.andel

Monday, July 14, 2025

Dia útil

São 6:13 da manhã. A cidade maravilhosa é cheia de marmitas sacudidas nas bolsas e mochilas dentro dos trens e ônibus. Muita gente oprimida não tem sequer marmita, apenas um pacote de biscoitos recheados baratos. Enquanto isso, na TV pipocam matérias dizendo sobre todos os malefícios dos biscoitos recheados, sempre desprezando o fato de que, na maioria dos casos, o biscoito recheado é a única alternativa econômica para não se passar fome - é que nossos veículos de comunicação são um tanto desalinhados da realidade prática. Há muita gente sonhando com empregos dignos, mas isso é muito difícil. Você vê precarização por toda parte. As pessoas chorando, sonhando e lutando por algo que nunca vão ter direito. O céu ainda está escuro e todo mundo sonha com uma boa semana, mas será possível com tanta miséria? Será que alguém ainda acha justo ou normal o que todos vemos na rua se quisermos? A maioria finge que não vê nada disso, geralmente composta por pessoas que não precisam de marmitas e biscoitos. Reinam a hipocrisia e a indiferença. Terra adorada...

@p.r.andel

Morte e sol

Há muitos anos atrás, quase 40, atendi o telefone em casa num sábado à tarde. Do outro lado, a notícia do suicídio de meu tio. Eu tinha 18 anos, não sabia lidar com aquilo. Meus pais ficaram naturalmente devastados. Um ano antes, meu tio chorou no telefone ao me ouvir pela primeira vez desde bebê - ficamos sem contato entre 1970 e +- 1986. Graças a ele, eu pude fazer um ano de faculdade paga. Era um bom homem, cujo grande crime foi espalhar panfletos contra a ditadura em 1969, o suficiente para ser preso, torturado (perdeu a audição de um ouvido) e avisado de que deveria deixar o país. Já tinha sofrido o diabo antes disso, como órfão de pai e mãe, separado da irmã em colégio interno. Depois da reconexão de anos, tínhamos a esperança de que ele viesse para o Brasil. Deu tudo errado e pior, a morte piorou a doença alcoólica de meu pai, tornando ainda mais difícil um cenário de muita pressão e sofrimento. Então nunca conheci meus primos e tudo se perdeu. Foi uma derrota irreparável, mas a vida é assim mesmo. Vinte e cinco anos e um dia depois daquela tristeza, nasceu o PANORAMA TRICOLOR, que é uma das coisas legais que tenho feito e que, de alguma forma, serve para homenagear meu tio. A vida é assim: dores, derrotas, suspiros, pequenas vitórias. Ultimamente viver tem sido muito difícil, mas seguimos lutando até por falta de alternativa. O que resta é viver, fazer o bem e não esperar absolutamente nada de ninguém, porque este é o país da ingratidão. Cumprir uma missão, seja lá com que objetivo. 

@p.r.andel 

Saturday, July 12, 2025

Bar

Meu bar. Sinto muita falta dele. Quando o frequentei eu era garoto, só bebia refrigerante e vitamina de morango, bastava. A gente vivia lá, era na porta da minha casa. E o que fazíamos? Conversávamos por horas e horas em pé. Quando entrei para a faculdade então, descia do ônibus e já encontrava a turma. Não importava ser pobre nem jovem: todo mundo te escutava. Ríamos de tantas situações inusitadas. Os personagens fixos da região eram impagáveis. Falava-se de tudo, tudo. Não era um tempo fácil pra mim, aliás nunca o tive, então conversar com a turma era um alívio. Às vezes só íamos embora à meia noite, quando o Zezinho começava a lavar o chão. No fim de semana a gente esticava para o Rondinella, na esquina da Siqueira Campos com a praia. Nos ditos dias úteis, eu ia pra casa, entrava bem devagarinho e sentia uma paz enorme quando via a família dormindo bem. Já esperava o dia seguinte, a noite seguinte, rir junto e conversar paca. Foi um pedaço bem legal da minha vida, pena que passou tão rápido. Um dia, parte do pessoal brigou e a turma rachou. Eu fui embora, mas nunca me esqueci daquelas pessoas divertidas e especiais. Minha amiga Ana, também frequentadora, me incentivou a escrever um pocket book sobre o bar, que publiquei em 2019 e relancei em junho passado. O bar já tinha morrido, assim como quase todos os seus personagens dos anos 1980, mas a celebração valeu do mesmo jeito. Foi lá que vi o gol do Cocada, a morte do Chacrinha, as eleições de 1989 e tantas coisas mais. Num sábado como hoje, estaríamos batendo papo e comemorando a vida. Acontece que tudo precisa passar e, por isso, só resta a saudade. Foi outro dia e lá se foram 35 ou 40 anos. Por isso Cazuza foi genial: é que o tempo não para. 

@p.r.andel


Tuesday, July 08, 2025

O Flu do mundo

O FLU DO MUNDO

08/07/2025

@p.r.andel

Panorama Tricolor 

Desde o dia em que virei Fluminense até este oito de julho, escorreram 52 anos. Muita, muita coisa. Todos os sentimentos, todos os amigos e amores, jogos, gols, celebrações, decepções. O futebol é a própria vida, só que em volta de um campo. 

Nos piores momentos da minha vida, e não foram poucos, o Flu foi minha única alegria. Por sua vez, quando ele precisou eu também estava lá. Temos uma boa parceria. 

Neste, que é um dos maiores dias da história do clube, todo o passado parece um grande filme.

Não dá pra prever o que vai acontecer em campo, mas uma coisa é certa: ao ficar entre os quatro do mundo, o Fluminense ficou de bem com sua própria história.

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Seis da manhã e o céu é um breu enorme, frio. Os trabalhadores já se movimentam por toda a cidade. Os corações tricolores ficam mais apertados. Estamos em todos os lugares. 

Onde será que estão todos os meus queridos tricolores mortos? Estão mais vivos do que nunca? Quem sabe dizer ao certo? A gente sente alguma coisa inexplicável no ar. Parece que todos estão numa grande torre de vigia a celebrar o Fluminense. Meus pais, João Carlos, Neil, Tato, Fernanda, são muitos nomes. Em 50 anos a gente perde muitos queridos, mas ainda estamos aqui para testemunhar a história.

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O Fluminense entra em campo com seu time bravio e mais 123 anos de futebol nas costas. Essa é uma estrada de grandes pedras esculpidas pelo caminho. O goleiro Waterman foi uma muralha. Oswaldo Gomes, um aríete que garantiu a sobrevivência do clube. Depois, tivemos o demolidor Welfare. E Laís e Chico Neto. Foi Barthô quem garantiu o 3 a 2 imortal do primeiro Fla x Flu, um placar que se mistura com a nossa própria história. E quando veio a primeira Copa do Mundo em 1930, o primeiro gol foi de Preguinho enquanto nosso goleiro Velloso era uma garantia.

O que dizer do monstruoso Marcos Carneiro de Mendonça, goleiro pioneiro da Seleção Brasileira, ídolo, sex-symbol que enlouquecia as torcedoras, campeão no campo e na presidência? 

O que dizer de Arnaldo Guinle, o maior de todos?

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O Fluminense, antes de tudo, é uma longa história. É cinema e literatura. É um épico centenário: há 100 anos, já distribuía pelo país os paradigmas do futebol. Inventou o campo, a arquibancada, a torcida, o campeonato carioca, a federação e a Seleção Brasileira. Ganhou títulos imortais e, quando foi ferido de morte pelos rebaixamentos, foi uma fênix. Encantou o Brasil e o mundo. As feras dos anos 1930 e 40 foram Romeu, Tim, Hércules, Brant, Batatais e, mais tarde, por um breve ano, o fenomenal Ademir Marques de Menezes. Nos anos 1950, fomos Castilho, Didi, Pinheiro, Telê e Waldo. Nos 1960 fomos Félix, Samarone, Denilson, Cláudio, Flávio. Nos 1970 fomos Máquina, mil vezes Máquina! Viva os meninos campeões de 1980 e o timaço tricampeão. Viva todos os times humildes entre 1986 e 1994 que lutaram muito para que o Fluminense tentasse o título! Viva 1995!

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No século XXI ganhamos títulos eternos e fizemos campanhas inesquecíveis como a da Libertadores de 2008. A Copa do Brasil, os Brasileiros, as grandes finais cariocas. Depois veio a estiagem, até que a partir de 2022 o Fluminense sentou praça na cavalaria. Vimos grandes craques, vivemos vitórias imortais, depois quase sucumbimos - porque o Fluminense vive no fio da navalha - e, numa recuperação fascinante, agora estamos no BIG4, entre os quatro maiores do mundo. A emoção é indescritível. Se

O que distingue o Fluminense de todos os grandes vitoriosos no futebol mundial é a sua humildade e humanidade. Enquanto tantos brindavam o caminho do título com absoluta empáfia, nós fomos desprezados e subestimados. Mas a nossa humanidade e humildade são justamente o fruto de uma longa história de protagonismo. E é por isso que estamos entre os quatro do mundo: nossa vocação não é a das manchetes, mas a das realizações históricas.

Lá atrás éramos Romeu, Tim, Carreiro. Agora somos o espetacular Jhon Arias, Martinelli, Thiago Silva, Fábio. Cano é ele mesmo e Waldo. Nós somos o Fluminense e não temos o que temer. Chegamos no alto do Everest, mas ainda podemos mais. Estão rolando os dados porque o tempo não para. 

O teste do placar eletrônico deu 3 a 2 para o Flu. Claro que é uma brincadeira, mas como se esquecer de 2012, 1995, 1969 e até de 1912? As três cores da vitória já fizeram os ateus abraçarem milagres. Se é Fluminense, convém não duvidar.

Friday, July 04, 2025

Futebol é muito mais do que um jogo

(sobre uma conversa com André Luiz Amaral Horta e Marcelo de Carvalho)

Nunca vai ser só futebol. Não tem como ser apenas futebol. Há muito mais do que uma arquibancada em volta. Há gente, há histórias, há sentimentos, lembranças e saudade. Há paixão. Pode ser o garotinho de mãos dadas com seu pai. Pode ser o grupo de molequinhos felizes da vida porque ganharam o ingresso e, por isso, sobem a rampa do Maracanã enlouquecidos de alegria. Ou o velho sábio que tudo viu, e que espia a arquibancada abrindo a cortina do passado. A jovem senhora que, num passado não tão distante, embeveceu os olhares com sua beleza de poesia. O garoto camelô de bebidas sonhando com um mundo melhor. O velhinho carregando uma pesada caixa de isopor. Nunca vai ser só futebol porque os amigos reunidos num bar fitam a tela da TV como se fossem crianças e, num pulo, reveem seus amores, lembranças e ausências enquanto seu time corre em campo. Lembram dos ídolos com a mesma veemência que recordam dos perebas. Grandes lances e jogos são cardápio da memória. O futebol está eternizado em botões que mais parecem gente. Nunca vai ser só futebol porque o jogo faz os ateus ficarem perto de Deus, porque os inimigos dividem as mesmas cores por uma causa e descobrem que são mais parecidos do que gostariam. Futebol é o preto e o branco abraçados comemorando o mesmo gol, o gordo e o magro, o rico e o pobre, o gay e o hetero, todos juntos como se o mundo fosse bom fora dali. Futebol é Pelé parando uma guerra para que todos pudessem vê-lo em campo. Os doentes nos hospitais apaixonados ouvindo o radinho de pilha ou espiando uma pequena TV. No alto da favela tem um garotinho completamente apaixonado por futebol e que vai fazer de tudo pará ser um craque de verdade. Futebol para o mundo inteiro chorar a morte precoce dos irmãos Jota, para aplaudir o incrível Fluminense cuja força nunca seca. O futebol é o único lugar onde o pobre tem vez, onde o fraco tem força e que ampara milhões e milhões de corações pelo mundo afora, dando esperanças, evitando suicídios, deixando os corações solitários mais perto do amor. Ah, as crianças correndo loucamente atrás da bola numa vila, num campinho ou na areia da praia, todas sonhando com idolatria. Quando para uma vez por ano na TV, o futebol deixa os domingos vazios e um torcedor se lembra dos versos de um poeta inesquecível: "quando não estás aqui/meu espírito se perde/voa longe."

Tuesday, July 01, 2025

Essa coisa da vitória tricolor

I

Foi bom demais nesta segunda-feira. O Fluminense fez seu papel mais apurado, o  de mosca na sopa, e venceu a poderosa Internazionale de Milano para a surpresa de muitos desavisados. Quando o jogo acabou, passei um bom tempo respondendo a mensagens de congratulações pela vitória. E aí veio gente a granel. Desde cedo, sou lembrado por muita gente como um exemplar tricolor, nos tempos da escola e do grupo escoteiro vindo até hoje. No WhatsApp apareceu gente de todos os lados: colegas tricolores que não vejo há tempos, pessoas admiráveis, crushs, amigos e colegas que torcem para outros times, teve até ex-namoradas. Será que também fui lembrado por quem não fala mais comigo ou que me esqueceu/despreza? É possível. Minha ligação sentimental com o Fluminense é muito forte, então até quem me detesta deve ter se lembrado de mim quando Hércules fechou o marcador. O futebol oferece uma fraternidade que não se vê em mais nenhum outro traço da vida brasileira. Por alguns instantes isso é bom e aquece a alma, dá um alívio para encarar o dia seguinte cheio de dúvidas e problemas, literalmente ajuda a viver. O futebol, ainda que com todos os seus problemas extracampo, é um dos traços mais bonitos da identidade brasileira. Mesmo que virtualmente, os abraços e parabéns mostram que ainda há uma gotinha de salvação. Bom, agora é o dia seguinte, uma terça-feira nublada, a rijeza do trabalho, os dissabores da vida adulta e lá vamos nós, tricolores, marcando um novo encontro para sexta-feira e tentando reviver por algumas horas o Reino do Nunca.


II

Eu estou contente. Meu Fluminense venceu. Só lamento não ser criança hoje, do jeito que eu era com 11 e 12 anos em 1980. Poder levar um botão da sorte para a escola, comemorar na hora do recreio, marcar uma pelada na vila depois do almoço, sonhar em jogar num campo oficial de grama, feito o do 18. Ficar espiando a revista Placar, a ficha dos jogos, as fotos e as matérias. Juntar o troco do lanche para comprar um escudo bordado do Fluzão. Se eu estivesse em Copacabana em 1980 ia comemorar com o Léo e o Rubinho, com os gêmeos, ia procurar o Fábio na esquina da Santa Clara para comemorar - ele tinha um timaço de galalite do Flu. Depois iria para a praia jogar bola e imitar Edinho ou Gilberto, ou Cláudio Adão - ele era infernal feito Arias e Cano.  

Agora também é bom, mas é ser diferente. O tempo, senhor implacável, escorreu com enorme velocidade. Quarenta e cinco anos escorreram feito filete d'água no ralo da pia. E você está inevitavelmente mais perto do fim do que do começo. Mas ainda pode e deve ser muito divertido. Nessa terra de tanto egoísmo e ruindade, o futebol ainda é uma benção. O Fluminense venceu e isso nos ajuda a respirar melhor. Nós, tricolores, estamos iguais aos personagens da letra de "Mais do mesmo", feita pelo ícone tricolor Renato Russo: "enquanto isso na enfermaria/ todos os doentes estão cantando/ sucessos populares". Ou ainda outro mestre das três cores, Tom Jobim: "os olhos já não podem ver/coisas que só o coração pode entender". 

Onde está minha lancheira do Fluminense?

@p.r.andel