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Monday, April 07, 2025

Choro

Reprise: Setembro/2020

É fato que tenho chorado muitas vezes neste século e no outro que me cabe. São os que tenho e que me restam. 

Tem sido assim desde criança, quando vi minha mãe chorar ao ver uma jovem mãe chorando com sua pequena filha, bem em frente ao Cine Metro, desprezada pelo grande público que saía da sala. 

Ou quando meu pai, num ataque de desespero, quebrou tudo em sua última loja numa véspera de Natal, aterrorizado pela miséria à vista. 

Também porque ficava nervoso a cada prova da escola para não perder a bolsa de estudos, mesmo que ninguém me cobrasse em casa. 

Ao ver a jovem mulher negra andando de quatro por suas limitações físicas, sem direito a uma cadeira de rodas no meio de Copacabana. 

E o homem debaixo da marquise perto da porta do shopping, numa cadeira de rodas e usando uma sonda, enquanto seu filho dormia no chão de pedras portuguesas.

Chorei de alegria pela primeira vez na vida quando passei na segunda versão do vestibular anulado. Eu tinha passado antes, era a única chance de mudar minimamente a minha vida. Foi difícil mas deu certo. 

E quando me despedi da faculdade. Revejo minhas lágrimas descendo a escada em vez das rampas, que sempre usei. 

Muitas vezes no Maracanã lotado ou vazio, sem que ninguém percebesse do meu lado. 

Em grandes shows de música, filmes, exposições artísticas ou numa mesa de bar. 

Olhando a cidade e lembrando das grandes cenas de geografia, tanto as da praia quanto do subúrbio. 

Chorei quando consegui meu primeiro emprego de salário digno. Não se repetiu quando saí, muitos anos depois. 

Chorei quando me senti traído ou usado por pessoas falsas, ou por constatar que alguns amigos não eram lá tão amigos assim. 

Por Tatiana, Alessandra e Juliana. Por Fred, Xuru e João. Pelo Marcão. 

Desde criança chorei na cama que me abriga, a mesma onde nasci e meus pais morreram. Também pelo meu irmão. 

Chorei pelas corridas que nunca mais pude fazer, pelo futebol que nunca mais pude jogar. Pelo medo de morrer sozinho e infeliz como nunca. 

Pelo país, pela cidade, por meu amável bairro perdido cujos habitantes só vivem em minhas lembranças. 

Pelo botequim da adolescência. 

Pelos cariocas, fluminenses e brasileiros, tanta gente admirável, honesta, trabalhadora e humilhada diariamente. 

Chorei por conviver com péssimos seres humanos que se autoproclamavam doutores, quando na verdade eram empresários fascistas de merda. 

Posso ter chorado nas raras vezes em que reli trechos de meus próprios livros, não acreditando que o motivo da emoção fosse algo que eu mesmo escrevi. 

Chorei pelas guerras inúteis, que matam e destroem por nada, pelo prazer do ódio. 

Chorei por muitas injustiças que sofri, a maioria vinda de pessoas para as quais estendi a mão, o coração e os gestos. Essa vergonha não é minha. 

Já chorei em grandes avenidas, hoje mortas, pensando em seus admiráveis personagens, hoje todos esquecidos.

E pelo sofrimento das pessoas humildes, muitas vezes manipuladas, incapazes de perceber que colaboram para seus algozes. 

Chorei porque há muito tempo vi crianças chorando num orfanato, querendo que eu as levasse comigo, mas eu não tinha como. 

Dia desses chorei porque passei pelo centro da cidade, bem nas entranhas desconhecidas, e vi que muitos populares ainda moram em cortiços. 

E por ter relido o ódio da classe média pelo famoso cortiço "Cabeça de Porco", que resultou na desgraça infinita de quatro mil pessoas. 

Ao ver fotos de judeus sofrendo em campos de concentração, porque eu poderia ser um deles. 

Crimes horríveis, hediondos, muitas vezes cometidos por "pessoas de bem" com a benção dos hipócritas. 

Por saber que muitos suicídios têm ocorrido porque as pessoas são apedrejadas por conta da cor, sexualidade ou pobreza. 

Pela obesidade também. Muitos riem. 

Ver o esgoto moral de alguns governantes brasileiros a céu aberto, in natura, e toda a farsa que destruiu o bem estar de muitos pobres. 

Chorei por ter vergonha de feras assassinas. 

Choro porque conheço a vida. A vida.

@pauloandel

Wednesday, April 02, 2025

BURNING

no chão, as folhas mortas avisam que o verão deu adeus

e transeuntes derramam lágrimas silenciosas enquanto caminham


a miséria sorri em olhos infantis 

enquanto as rugas expelem dor


ao longe, os falsos democratas riem

- militantes da desgraça alheia, mais

preocupados com as próprias carteiras

enquanto arrotam inutilidades sem chão 


nos hospitais, os pobres resignados

esperam as despedidas depois do sol

nas ruas, é fácil ver gente mexendo lixo

em busca da sobrevivência dolorosa


à madrugada, tudo está fechado: ninguém responde, o silêncio é a vez

corações solitários soluçando em vão 

e corpos humilhados nas calçadas vis


[eu estou sozinho nessa terra tão triste

e linda, cheia de natureza e indiferença 


[nenhum abraço me navega 


[tristes os bares sem boemia, cerrados

[ninguém estende a mão para ninguém 


basta um mísero segundo e abril é fato

as folhas mortas são a grande cartada

escravos imploram para ter vã alforria 

tempos modernos fazem castas antigas 


nunca fomos tanto ninguém 

nunca fomos tanto ninguém 


@p.r.andel

Escritores vaidosos e outras histórias

ESCRITORES VAIDOSOS, ARROGANTES E OCOS

Quando o caso é de escritores e poetas, senhor... De cem você tira quatro. Um show de arrogância oca e excesso de auto estima, vendo a si mesmo como gênios incríveis, embora na maioria dos casos não houvesse genialidade alguma além do discurso. Em sua maioria vaidosos ao extremo, individualistas, incapazes de jogar em equipe - falo do que vivi, não do que ouvi falar. Dezenas e dezenas de pessoas. Claro que há exceções valiosas. Bigode, querido amigo, é uma delas - foi a personalidade que mais me fortaleceu publicamente, e olhe que temos uma amizade recente, de uns cinco anos, valiosa e intensa. Volta e meia testemunho a humildade de André Felipe de Lima, que é um monstro escrevendo até post de três linhas. 

Ainda sobre a empáfia, várias vezes tive vontade de rir vendo, ouvindo e lendo as declarações de pico celebridades literárias, geralmente vendo ouro em seus próprios trabalhos quando só havia urina, ou desancando o trabalho alheio gratuitamente. Eu não sou vigia da poesia alheia, cada um que desenhe seus próprios versos. 

Eu não inventei a língua, o livro, as técnicas de escrita, nada disso. O que faço é contar histórias que vivi e pesquisei do meu jeito. As pessoas adoravam me ouvir em bares e tentei levar essa mesma fala para os livros. Fazer o que dizia Ivan Lessa: "o cronista fala sozinho na frente de todo mundo". Só comecei a cogitar que poderia escrever bem quando tirei o terceiro 10 na redação do vestibular. Eu era tão ingênuo que, com as duas notas anteriores, pensava que tinha tido sorte... E depois que meus textos receberam mais de um milhão de cliques em meu site, mesmo que isso se limite a 50.000, 20.000 ou 5.000 pessoas, não dá pra dizer que muita gente não voltou para novas leituras. 

Se vivêssemos num outro tempo, provavelmente o meu trabalho seria muito mais conhecido. Escrevo num tempo em que as pessoas não têm paciência para ler. Gostaria de ser dignamente remunerado. Afora isso, eu não estou nem aí. Fiz várias coisas legais, ainda estou fazendo pouco me importando se chegam a 100, 1.000 ou 10.000 pessoas. O importante é jogar a sua mensagem dentro da garrafa no mar, o resto a gente vê depois. Estou pouco me lixando para críticas e observações de casuísmo barato. O que importa é o conteúdo da mensagem. Ninguém melhor do que eu mesmo para saber quando fui regular, bom, ótimo e excepcional - tenho exatamente a noção disso em tudo que publiquei. E quando fui bom ou regular, é porque ousei, arrisquei e nem sempre dá certo - arte sem ousadia é banalidade. 

Se parasse hoje, já teria a sensação de dever cumprido, mas sei que ainda posso mais, quero mais e espero poder realizar muita coisa escrevendo. Quem gostou, gostou; quem não gostou, paciência. Meu texto é minha vida: vivi 25 anos em Copacabana, já passei muita necessidade, ando de chinelos e bermuda. Tenho pressa, muita pressa. 

Ah, sim: a opinião de gente que despreza literatura de futebol eu nem considero. São tantas coisas e histórias espetaculares que desconfio de quem debocha do tema. Ninguém é obrigado a gostar, mas subestimar o futebol como combustível lítero-poético é um atestado de ignorância. 

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FATO RELEVANTE 

Muitas vezes em minha vida, de forma exagerada, diversas pessoas me apontaram como alguém "fora da curva" em termos de capacidade intelectual (detesto pensar nisso mas tem algum sentido). Sinceramente, nunca levei isso a sério até os tempos recentes, mas aí surgiram os antivax, os fãs da terra plana ou quadrada ou trapezóide, e fui obrigado a abdicar do que alguns dizem ser excesso de modéstia. 

Não é incrível que nenhuma delas, mesmo as que tinham muitas possibilidades, tenha me oferecido qualquer chance de mostrar a tal capacidade? Ou mesmo de dar uma simples opinião? Ou sugestão? 

Entendem o que é o Brasil?

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Paulo Leminski é o grande e merecido homenageado da FLIP em 2025. Ao mesmo tempo, seu filho luta pela sobrevivência e para não ficar nas ruas, indignidade que nenhuma pessoa deveria sofrer. 

Entendem o que é o Brasil?