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Tuesday, July 06, 2021

COPACABANA 129 ANOS

Somente duas coisas têm a vocação da eternidade: o Fluminense, que faz aniversário no próximo dia 21 de julho, 119 anos, e Copacabana, que completa 129 anos nessa discreta terça-feira fria. O Flu vai chegar lá, mesmo com dirigentes atrapalhando, e Copa também, apesar dos políticos. 

O bairro que nunca termina, e que é conhecido no mundo inteiro pelo seu verão, faz aniversário em pleno inverso. Parece deboche, mas na verdade é um retrato da pluralidade da região sagrada mundialmente. 

Falando nisso, acabou de ter uma coletiva do governador bem em frente a um dos símbolos do bairro. Cláudio Castro, uma espécie de revival de Nelson Gonçalves - cantor e gago - sem a mesma extensão vocal, lá esteve para prometer a retomada das obras do MIS, o maravilhoso Museu da Imagem e do Som, visando inaugurar o prédio em 2023, depois de longo impasse. CC aproveitou e se vacinou no Corpo de Bombeiros da Xavier da Silveira, palco de grandes peladas de futebol de salão nos anos 1980 que não voltam mais: a quadra de esportes virou estacionamento de caminhões para salvar a vida dos cariocas, quando necessário. 

O prédio do MIS é cercado por certa urucubaca e talvez o governador, um fervoroso evangélico, possa desfazer o ebó lá estabelecido quando a physys de Copacabana foi vilipendiada exatamente no terreno do Museu. Afinal, por muitos anos ali nasceu e viveu a legendária Help, a princípio uma inocente danceteria para adolescentes ávidos por Big Mag e McGiver, para depois se tornar a maior casa de tolerância do Brasil, com seu exército de bem fornidas garotas de programa. Por quase duas décadas ali se estabeleceu o Maracanã do sexo com dez Copas do Mundo diárias, mas aí o poder público quebrou a firma na Justiça e tchoinghsrs: o sonho acabou. As garotas revoaram em bandos para o outro lado da praia, na Balcony do Lido, mas aí foi a vez de Duda Paes, chegado a um choque de ordem, detonar o novo estádio do amor de ocasião em Copacabana. A praia ficou sem uma referência oficial de putaria discreta, romântica e de acordo com as tradições da família brasileira. O fato é que o MIS tá cercado pela maldição erótica, mas todos precisam torcer para que dê certo. Deixem o mito musical trabalhar. 

Quem se lembra da Boite Bolero? 

Sinceramente, a julgar por quantas celebridades, acontecimentos e convivências Copacabana reúne, é certo que hoje deveria ser feriado nacional no bairro. Claro, não será possível por vários motivos, mas o principal deles é que todo mundo está duro e não dá para parar. Mesmo assim, o que não falta em Copacabana são lojas, salas e apartamentos fechados, muitos. Outra contradição para o bairro que já foi o conceito superlativo de população. Ok, a pandemia está sendo cruel, dizimando patrimônios como a maravilhosa Sorveteria Bolonha, o antológico Bar Sniff's e paralisando catedrais como o Cervantes, mas antes disso Copa vinha sofrendo na pele as perdas da Suprema, do Cirandinha e da Bella Blú, um verdadeiro clássico da Siqueira Campos - por lá, nos anos 1980, italianos com vistosas camisas vermelhas e verdes discutiam negócios em voz alta, brindando taças de vinho, mas nunca se desconfiou de que fosse a Máfia. 

Um dia, Copacabana foi um arealzinho que depois se encheu de casinhas e, no meio delas, surgiu a imponência alva do Copacabana Palace. Ele continua lá. Bem perto, o Beco das Garrafas espera sobreviver. 

Fausto Fawcett, o embaixador literário do bairro, sabe que Copa encaretou: as ruas estão mais vazias à noite, os batalhões de velhinhos estão vendo o Jornal da Record e a velha Prado Júnior luta contra a morte da alegria das boates. Contudo, o escritor vê no bairro a capacidade de reinvenção.

Seus prédios abrigam anônimos e famosos, humildes e celebridades, gente de todo jeito entre quitinetes, palacetes, barracos e marquises. Paredes que já abrigaram os Rolling Stones, Dorival Caymmi, Bob Dylan, Madonna, Naomi Campbell, Cat Stevens e George Michael. Telê Santana e Zeca Pagodinho também. Carlos Alberto Torres. Eliana Pittmann e Terezinha Sodré continuam por lá, felizmente. Fernando Reski também. O espírito de Nelson Rodrigues sobrevoa Copacabana e se materializa numa estátua na Inhangá. Carlos Drummond de Andrade fica no Posto Seis. 

As ruas estão barra pesada com o crack. É preciso atenção. 

Na altura da rua Francisco Sá, poucos jovens desconfiam da efervescência da Galeria Alaska, o Maracanã gay dos anos 1950 a 1990. Não há um único vestígio daqueles tempos de glamour e glória, com exceção do Bar Bico na esquina. Os devotos do trottoir homoerótico devem ir à esquina da Souza Lima com Atlântica, onde a volúpia das travestis é recomendada até por um policial civil que mantém um casamento de fachada, frequentador da região há quase 30 anos. 

Falando em travestis, uma delas pode estar neste momento num elevador do bairro, celebrando a vitória do Fluminense no Fla x Flu de domingo passado com seu vizinho, coronel reformado do Exército. Chegando à portaria, a dupla zoa os funcionários e vai à rua, quando o funcionário da banca de jornais da esquina - e que realmente vende jornais - comenta "Sai pra lá! Aqui é Botafogo! Nilton Santos vinha aqui" e alguém ao lado balança a cabeça em tom de concordância, porque é tudo verdade. 

@pauloandel

Friday, July 02, 2021

RUIVA (ou o Fry Chicken em chamas)

Ela era linda. Volta e meia estava de vestido curto preto, que contrastava com sua pele clara e os cabelos from hell - as mulheres são belas de todos os jeitos, mas as ruivas têm um charme à parte. 

Era batata. Mesmo. Frita. O bar ficava na Siqueira Campos, embaixo da casa de um amigo meu da faculdade, então volta e meia marcávamos lá para comer e beber algo, às vezes voltando da aula. Chamava-se Fry Chicken e, de acordo com o nome, sua especialidade era frango frito - delicioso, aliás. Ótimo atendimento, preço justo. Ali perto ficava o Let It Be, lendário bar de shows da Copacabana mais underground, digamos assim, quase na esquina com a Travessa Santa Margarida. 

Quando o amigo marcava para que eu o esperasse lá, invariavelmente eu chegava e lá estava a ruiva dos sonhos. Isso aconteceu muitas vezes e ela estava sempre sozinha à mesa, algo não tão comum no começo dos anos 1990. 

Ai, minha maldita timidez: às vezes parecia que ela olhava para a gente ou para mim, mas até aí nenhuma surpresa porque o bar estava quase sempre vazio, embora fosse ótimo. Claro que eu jamais iria à sua mesa: perdi a conta das garotas que me beijaram e depois me perguntaram porque eu não tinha tomado a iniciativa. Bom, o que importa é que ela era linda demais, charmosa demais e misteriosa. Vinha, sentava, bebia um pouco, quase não comia. Em algumas ocasiões escutava o walkman - que sons a encantavam? Naquele tempo eu ouvia de tudo, feito hoje: Alice in Chains, Stone Temple Pilots, Tom Jobim, Candeia. 

É, é verdade: ela olhava sim, mas acho que era por curiosidade em saber quem estava na outra mesa. Nunca sorria. O ar severo deixava seu rosto delicado ainda mais belo. Frequentemente parecia escrever coisas. 

Na outra mesa, eu falava bobagens desinteressantes por meses com meu amigo ou ficava mudo, sozinho. Sonhando com a carteira assinada no estágio e o diploma ainda distante - dois anos depois ele veio. 

Depois de umas vinte vezes, o platonismo acabou: parei de frequentar o bar porque me mudei, ele próprio fechou depois de algum tempo - uma tremenda injustiça, porque era ótimo - e ficou por isso mesmo. Anos depois, meu amigo fez chacota: "Lembra daquela gata que ficava te olhando? Agora está na novela". Fez sucesso, ficou mais linda, continua por aí. O tempo só lhe fez bem. 

Oh, bares de Copacabana onde um jovem e desconhecido candidato a cronista admirava uma linda jovem branquinha de cabelos cor de fogo, num vestidinho preto - ou de camiseta branca simples - enquanto ela parecia fitar o horizonte enquanto ouvia sons secretos e escrevia num diário. Era o começo dos anos 1990, onde os jovens de vinte e poucos anos de idade sentiam-se invencíveis, mas na verdade eram mesmo uns românticos enrustidos. 

Se fosse hoje, chamariam a linda jovem ruiva de crush. 

@pauloandel