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Friday, July 29, 2011

MATRIZ


é tão engraçado
quando me sinto feliz
que futuco nuvens
sem pensar num instante -
e nem
poderia.
afinal, quem pode
ser
feliz
quando se trata
de um
ser
pensante?
quando é mais do que
um instante
a felicidade
necessariamente
se despe da lógica,
do pensamento e
da ação.
para existir,
ela exige a nulidade
do ser
perante os seres -
para ser preciso,
o triunfo
da indiferença.


Paulo-Roberto Andel, 29/07/2011

Thursday, July 28, 2011

O JOGO DE UMA DÉCADA

Ou duas. Ou três.

Assistir ontem ao emocionante duelo entre Flamengo e Santos me fez rever a infância. Melhor ainda: os tempos que não vivi, no futebol dos anos cinquenta e sessenta.

Era impossível levantar da poltrona e perder algum lance. Primeiro, o Santos devastador com três a zero em meio tempo. A seguir, a fúria imediata do Flamengo a mostrar que ali não seria canja de galinha, empatando um jogo que muitos consideravam perdido antes mesmo do intervalo. Ali sim se viu um espetáculo digno de fazer o torcedor esperar até dez horas da noite para saborear futebol. E futebol de verdade. Desconte-se apenas a ridícula cobrança do pênalti por Elano e a justíssima firula do goleiro Felipe no pós-defesa. Três a três foi pouco: poderia ter sido cinco a cinco. Um show.

No segundo tempo, de cara Neymar fez o quarto gol, logo ele que tinha deitado e rolado no campo. Mas Ronaldinho pela primeira vez fez completo jus ao salário e, mesmo que tenha sido por uma noite somente, voltou a ser aquele menino que encantou o futebol brasileiro tal como o Neymar começa a fazer agora. O jogo parecia tão nostágico em sua colossal qualidade técnica que a eterna camisa rubro-negra estava praticamente limpa, sem os malfadados patrocínios no peito que destroem os uniformes dos times mundo afora, tudo por conta das enormes boladas de dinheiro pagas. Mas o Flamengo queria mais, sempre mais e virou o jogo com dois maravilhosos petardos do Ronaldinho.

No fundo, no fundo, talvez tenha sido injusto ter um vencedor naquele jogo de ontem, que foi o melhor do ano, dos últimos anos ou de uma década, por tão bonito que foi o espetáculo.  Mas somente talvez, depois explico. Matematicamente, o jogo não significou quase nada em termos de tabela: o Flamengo continua bem e o Santos ainda tem jogos a acertar. Agora, daqui a cinquenta anos, vários senhores dirão "Eu era menino e passei a amar futebol por causa de uma partida em que o Flamengo venceu o Santos por cinco a quatro na Vila Belmiro, no ano de 2011", não tenho dúvidas. E eu, que já sou um senhor, ao ver aquilo tudo voltei a ser menino: naqueles tempos, além de ver os jogos do meu amado Fluminense, ia sempre ao Maracanã ver jogos de outros times também, tudo por apreço ao futebol.

Foi uma grande noite, daquelas que sabemos ser cada vez mais raras em nosso país. Uma pena.

No mais, agora coloco o talvez para escanteio: a vitória da Gávea foi justa sim. Antes do jogo, metade da imprensa apontava o Santos como favorito. O futebol não aceita essas coisas: ele nasceu para contrariar a lógica e, por isso, ser o esporte mais popular, apaixonante e falado do planeta. Por não ser favorito, o Flamengo jogou o possível e o impossível e, ao lado do maravilhoso Santos escreveu uma linda página da história do futebol brasileiro. Não havia um título, uma grande disputa, uma cabeça à prêmio. Foi somente arte, correria e talento, tudo a serviço de quem ama o jogo de talento com bola no pé no tapete de grama.

Graças a esse jogão de ontem, adquiri forças para aguentar mil jogos medíocres pela frente. E espero rever algo parecido em breve, muito breve, de preferência com a vitória das minhas cores de Laranjeiras.

Quem não viu ontem, que trate de gravar ou fazer o download. Não foi apenas um grande jogo de futebol.

Foi cinema.


Paulo-Roberto Andel, 28/07/2011

Tuesday, July 26, 2011

UM PEQUENINO INSTANTE

1

Eu queria que você estivesse aqui, tal como nos velhos tempos. Era tão bom matar aula à tarde, comer hamburger Sadia e ficar ao teu lado para ver o programa popular da TVS. Certa vez, faltei tanto que vieram do colégio me procurar: acharam que algo de ruim tivesse me acontecido. Não é que eu lamente: chorar é outra coisa e eu choro todo dia. O que me dói é o danado do tempo, que corre solto tão rápido que tudo continua na minha cabeça como se fosse na semana passada. Eu queria que você me passasse um trote, ou fizesse uma torta montada com bolo Plus Vita. Eu queria que voce reclamasse do futebol ou da minha demora na rua. Eu queria qualquer coisa que me me fizesse parar de sofrer mesmo que por um pequenino instante apenas. Não tenho a menor ideia de quanto tempo vou ficar por aqui, mas carrego a infeliz impressão de que tudo aquilo não se repetirá. Eu queria te dar os parabéns pelo teu aniversário e mais um beijo, um abraço e um presente, mais uma declaração do amor de sempre. Eu queria fazer várias coisas, todas cerceadas pelo impossível. Este é o mundo que chamam de moderno e corporativo, enquanto eu sou meu próprio fantasma. Enquanto isso, eu te amo tanto, tanto, tanto e sempre que nem sei mais para onde minha bússola aponta.

2

Um jovem se arrasta pelo chão na praia de Botafogo. Tem a perna amputada numa cirurgia claramente malfeita. Descalço. Sem dentes. Tão menino e vivendo o pior do inferno, pedindo alguma comida. As pessoas passam alheias à dor: precisam correr para o shopping, mandar um SMS ou fingir que aquilo não é nada. Eu entrego o dinheiro de uma refeição: ele agradece e me recomenda a Deus. Dele, aceito. Eu não merecia isso hoje, ele não merecia aquilo nunca. É o único momento em que eu gostaria de ser um milionário. Tentar minimizar a dor dessas pessoas que sofrem tanto na rua, já que a minha dor ninguém vai mesmo tratar.

3

Depois de um excelente documentário sobre o genial músico Itamar Assunção,  exibido quase de graça em Botafogo no Unibanco (ué, não é Itaú?) Arteplex, descubro que ele não teve um carro, uma casa própria, nada. Ou melhor, teve tudo. Nadou sempre contra a maré que não lhe derrubou. A terrível doença que lhe ceifou a vida antes do justo foi um detalhe, triste mas detalhe. Itamar foi Cartola ou Nelson, Camunguelo ou Blecaute: viveu para a arte, enquanto a sofisticada elite ignara dava-lhe os ombros e negava-lhe o reconhecimento tão evidente que desqualificá-lo fede a burrice atroz.


Paulo-Roberto Andel, 26/07/2011

Para Bolinha Mãe, o jovem sofrido e Itamar.

PIADINHA

acho bom
desmistificar
qualquer fato
que pareça sério
a meu respeito: é que
a seriedade não
convence,
faz vezes de empáfia
oca
e isso não rima comigo.
no mais, não sou
palhaço: trata-se
de uma profissão
deveras importante
para alguém que
se pretende
ser humano

Paulo-Roberto Andel, 26/07/2011

Tuesday, July 12, 2011

SHE BLINDED ME... WITH SCIENCE!

EU SEM MEU

eu
que não creio
tantas vezes
me sinto
mais verdadeiro

eu
que não creio
tento entender
a verdade
do outro

eu
que vejo o fim
mas não me apavoro
quero sempre
estar errado

eu
tão sem-consolo
frente à inevitável
hipocrisia
humana


Paulo-Roberto Andel, 12/07/2011

O PARALELO

nada que me causasse
imensa alegria
faz algum sentido
neste instante

é que não sei fingir o momento

meu desprezo às aparências
permanece evidente,
tanto quanto meu gosto
por desacatar a futilidade:
não vivo em permanente
carnaval,
minha alma não é gritaria,
nem riqueza,
nem baticumbum prugurumdum -
menos ainda se for
o grande tambom
da vulgaridade.

alguns creem no sorriso
permanente,
na alegria infinita,
no mar e céu e sol
como se todos pudessem
estar ali
num misto entre o ingênuo
e o ridículo:
somos humanos, pois!
a solidariedade há tempos

não é nosso forte!
querem me falar de fraternidade
enquanto defendem
essa-tal-livre-iniciativa?
somos humanos e hipócritas!
está escrito o primeiro
verso da reza de minha cartilha,
que chamo simplesmente
de descrença no outro.


Paulo-Roberto Andel, 11/07/2011

Tuesday, July 05, 2011

POR VEZES

É certo que não deveria, mas ainda me surpreendo com certas coisas na vida cotidiana. A indiferença de uns pelos outros ainda me soa como surpresa, porque persisto numa ingenuidade que não cabe nestes tempos ditos modernos. Ainda me sinto um Dom Quixote, mas os moinhos são reais, não há fantasia. Minha ilusão é ainda acreditar no progresso do ser humano em si. A canalhice ainda me surpreende, assim como o ódio, a ganância, a inveja, o mau-caratismo, a podridão moral. Não falo de doutrinas políticas nem religiosas e menos ainda de pensamentos confrontantes, que são muito importantes para o exercício da compreensão; quero dizer do rancor, da obsessão indevida, da falácia, da mentira. Somos animaizinhos desprezíveis quando limitamos nossa amizade a conversas fiadas, eletromensagens e tapinhas rápidos nas costas. Somos animais nojentos quando priorizamos sempre a nós mesmos, sem o menor compromisso com a dor do outro, a visão do outro, a angústia do outro. Perto dos cinquenta anos, vejo que desacreditar o coletivo humano é uma realidade inevitável e cada vez mais evidente. Praticamente morreram todos os valores que sempre acreditei e defendi, tão bem-ensinados por meus pais, alguns amigos e poucos professores - eu os procuro em várias outras pessoas mas duas ou três palavras fazem-me um rosto em choque com uma porta de aço trancada. Eu os carrego comigo mas parece que estou sempre sozinho. Onde está o respeito? A atitude de compaixão? O compromisso? A palavra? A consideração? Morreram, assim como meus pais - estes, ao menos, ainda moram em mim enquanto eu viver. Falo de quase cinquenta anos de idade e, ao olhar para trás, é difícil ver que todos aqueles que defenderam as causas populares também morreram sob o fracasso e a derrota de suas ideias frente ao imaginário coletivo tão satisfeito com seus "vencedores", seu "consumo" e suas práticas individualistas abomináveis. A tecnologia melhorou, os recursos são cada vez melhores, só que jamais chegarão à maioria dos vivos. O que chamam de moderno é basicamente trabalhar, trabalhar, pagar e consumir sem ter tempo de ver a vida real, cada vez mais presa ao que chamam de obrigações. Que evolução seria esta? Modernos? Nunca fomos tão atrasados e estúpidos e inconsequentes ao apoiarmos o modelo fracassado que chama de progresso o indivíduo que atende por um número. Queremos modernidade tecnológica, melhores aeroportos mas não estamos nem aí se o próximo bueiro vai explodir e matar alguém. O que dizer de nossas conversas rasteiras, nossa falta de profundidade, nossa confusão entre humor e grosseria? Gostaria de ser um homem calejado, sem me deparar com surpresas, mas ainda sofro com a estupidez humana, a mesma raça à qual pertenço contra minha vontade. Eu mesmo sou um estúpido: falta-me humildade para reconhecer a vitória das ideias corporativas, dos business centers e das joint-ventures sobre a pequenez da bondade humana. A vitória do individualismo arcaico. Assim padeço.


Paulo-Roberto Andel

Saturday, July 02, 2011

ITAMAR


Estranhem ou não, acompanho política desde os dez anos de idade, se é que isso é plausível. Filho de um progressista inconformado e sobrinho de um preso (e MUITO torturado) político expulso do Brasil, não tinha outra saída. Não entendia direito, mas folheava o Pasquim em 1978. dois anos depois, aí sim eu já compreendia quase todas as (justas) piadas a respeito do Presidente Figueiredo, a começar por sua triunfal pérola de posse do cargo: "Anistia ampla, geral e irrestrita; quem for contra, eu prendo e arrebento!". Que nível.

Conta-se nos dedos de uma única mão os políticos de direita que realmente trabalharam a favor do Brasil e dos brasileiros. Itamar Franco, que faleceu horas atrás, foi um deles. Sou testemunha.

Pegou a maior furada da história da república: o "legado" do (sic) "ex-comungado" Collor. Situação de emergência e risco total. Meteu a cara, arregaçou as mangas e seguiu em frente. Perto dos sessenta anos, poderia ter dado o fora. Mostrou vitalidade de menino e o Brasil, outrora um avião desgovernado e em queda livre, aterrisou inacreditavelmente sem maiores vítimas. Tudo bem, isso custaria oito anos de FHC com tudo o que de cômico e trágico isso significa. Porém, se hoje o Brasil é um pouco melhor do que o de anos idos, Itamar é cotista da empresa.

Quando a crise política cercou seu secretário da Casa Civil, Henrique Hargreaves, Itamar foi impecável e elegante como a cautela mineira do quase-Rio que é Juiz de Fora: o secretário foi afastado, investigado da cabeça aos pés, absolvido e voltou para seu cargo. Eram outros tempos.

Poderia lembrar aqui causos engraçadíssimos do Presidente Itamar, como aquela história da modelo Lilian, o clone de Fafá de Belém, ou seus arranca-rabos com FHC (sempre ele) e até mesmo Lula. Coisas de quem tem uma vida pública. E suas filhas lindas? A bela Tenente June (ou Júnia)? Há vários e vários Itamares, mas o maior, o supremo deles foi o homem que recebeu a república em extrema-unção e a recobrou sabe-se-lá-como. Eu era um dos coordenadores do centro acadêmico da faculdade onde me formei, na minha amada UERJ, de forma que vi tudo aquilo muito de pertinho.

Se a direita brasileira tivesse outros homens com o espectro de Itamar Franco, o Brasil de hoje seria muito diferente. Ele não teria esperado até 2002 para entrar no século XX; lucraria um meio-século de tempo. As ideias podiam ser diferentes, mas o objetivo era o bem do Brasil e não o próprio feudo, prioridade de tantos outros.

Se houver outra vida, Itamar acaba de ser ovacionado no lugar onde chegou. Eu não creio nesta outra vida, mas dele não tenho a menor dúvida.

Um abraço e obrigado por tudo.


Paulo-Roberto Andel