"AH, VAMOS VOLTAR PARA O VILLAGE e
parar na esquina da Eighth Street com Sixth Avenue para ver os intelectuais
passarem. – Repórteres da AP correndo para seus apartamentos de subsolo na
Washington Square, colunistas femininas com grandes cães policiais quase
rebentando a corrente, detetives solitários passando como sombras,
desconhecidos peritos em Sherlock Holmes com unhas azuis a caminho de seus
quartos para tomarem escopolamina, um jovem musculoso de terno alemão cinzento
barato explicando algo grotesco para sua namorada gorda, grandes redatores
educadamente recostados às bancas de jornal a postos para comprarem a primeira
edição do Times, enormes empregados gordos de mudanças saídos de filmes de 1910
de Charlie Chaplin retornando para casa com imensos sacos transbordando de
chop-suey (alimentam todo mundo), o melancólico arlequim de Picasso que agora é
dono de uma loja de gravuras e molduras pensando na mulher e no filho
recém-nascido e levantando um dedo para chamar um táxi, engenheiros de som
balofos apressados com seus gorros de pele, gatas artistas da Columbia com seus
problemas à D. H. Lawrence caçando homens de cinqüenta anos, velhos no Kettle
of Fish, e o espectro melancólico da prisão feminina de Nova York que se ergue
no horizonte envolta em silêncio como a própria noite – ao pôr-do-sol suas
janelas parecem laranjas – o poeta e. e. cummings comprando um pacote de
pastilhas para garganta à sombra daquela monstruosidade. – Se está chovendo,
você pode ficar debaixo do toldo do Howard Johnson’s e observar o outro lado da
rua.
O beatnik Angel Peter Orlovsky no
supermercado cinco portas adiante, comprando biscoitos Uneeda (tarde da noite,
sexta-feira), sorvete, caviar, bacon, pretzels, refrigerantes, três escovas de
dentes, leite maltado (sonhando com leitão assado recheado), comprando batatas
de Idaho, pão de passas de uva, couve com lagartas por engano e tomates frescos
e recolhendo selos vermelhos. – Depois vai para casa falido, joga tudo em cima
da mesa, pega um enorme livro de poemas de Mayakovsky, liga o televisor de 1949
em um filme de terror e vai dormir.
E essa é a vida beat na noite de
Nova York."
Jack Keroauc, 1961