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Friday, August 25, 2006

Carta de um jovem são, Paulo

Eu sou Paulo
De São Paulo
E num pulo
Paro e percebo
Nós somos sãos
Nem tão santos
Feito Joões ou Josés
Anjos Gabriéis
Eu não pressinto
Que possa ser santo
Não careço disso
Tal como vós
Pois é mansa
Nossa cidade
Repleta de estrelas
Oclusas pela poeira
E gentes
Por todos os cantos
Em cânticos
E prantos
Suplicando
Pelo santo
São
Em vão

Tuesday, August 22, 2006

Lívida

Branca é a tez de enquadro
Teu sorriso generoso
Comburente de amor em paz

Preto ampara tuas melenas
Debruçadas no alvo sardento
Sedento de mar e luz

Azul de céu faz janela
Em tua casa nobre, rasa
Morada de sol
Jardim da primavera
Que recomeça e recorda
Teu belo nascer

São flores e flores
Que brilham, cheiram
Anunciando tua chegada
Tua presença cálida

Lívida
Límpida

Monday, August 21, 2006

A menina dança

As sapatilhas deslizam
Demonstram candura
Ao beijar o tablado

Porque a menina dança

Eu, velho calado
Sussurro alegria
A qualquer companhia
De vista que não cansa

Por que a menina dança?

Solta no ar, flutua
Felicita
Brilha sozinha
Voando faceira
E me faz de criança

A menina dança

Aplausos, são muitos
Em solene palco
De breu em vez de talco
Debret encanta olhares

Alva e pequena
Doce e segura
Flanando rasante
Em sorriso breve, leve

Breve

Leve

Que ameniza e entorpece
Ao som da lembrança
Tirem-me a mordaça
Eu quero falar de amor
Todo puro e mágico
Aroma de amor

Porque a menina dança


Paulo Roberto Andel - 21/08/06

Friday, August 18, 2006

Jangão

Escutei o choro de minha mãe ao telefone e parti rapidamente para casa.
Coisa de cinco da tarde.

Soube então da morte de meu tio.

Foi um homem bom e carinhoso. Teve uma vida de percalços. Muito pobre e batalhador árduo durante boa parte da vida. Lembro-me em 2002, quando ele mostrara-se tão orgulhoso ao me conhecer; eu sou único universitário dentre mais de cem familiares por parte materna e, embora isso não tenha a menor importância pessoal para mim, dele tive um tratamento de pai durante uma semana que passei em Ponta Grossa, cidade paranaense.

Levei trinta e seis anos para conhecê-lo e só tive uma semana, única.

Minha mãe, criança ainda, saiu de casa para buscar emprego em Curitiba nos anos cinqüenta, visando ajudar a família em casa. Não tinha dez anos. Passou em casas de família, dormiu na rua, sofreu. Acabou conhecendo um grupo de ciganos e, por consequência, veio parar em Resende, na divisa entre Rio e São Paulo. Nunca conseguiu dinheiro para voltar. Sofreu.

Quanto eu tinha vinte anos, comecei a tentar pesquisar o possível paradeiro da família. Foi uma década perdida: com a morte de meu avô, os humílimos filhos sequer tinham certidões de nascimento, e todos foram registrados com o sobrenome Antunes, não o correto Quadros – por isso, nunca os achei em listas telefônicas ou similares.

Com o advento da rede mundial de computadores, passei a pesquisar em salas de bate-papo, sem qualquer sucesso. Um dia, uma moça que jamais conheci, ao saber da história, manteve-se anônima mas ficou de fazer chegar meu pedido a quem pudesse ajudar. Dias depois, um homem de grande coração, Rubens Tuma, telefonou-me; confirmei a história e prontificou-se a ajudar. Dias depois, nosso pedido de contato foi veiculado em uma grande rádio popular da cidade e, com isso, conseguimos realizar o sonho de fazer minha mãe rever os parentes. Alguns não puderam esperar, já eram idos; outros, muitos, lá estiveram e a abraçaram como nunca. Se alguém tivesse me perguntado qual foi a coisa mais bonita que tinha acontecido em minha vida, eu certamente teria dito que foi essa, a de ajudar a plantar felicidade no coração da minha amada mãe.

Tempos depois, uma tia faleceu. Minha mãe chorou como nunca, à distância de mil quilômetros, como ontem – e, para nós filhos, esta é a pior das dores: ver o sofrimento dos pais.

Meu tio, depois de uma vida de muito sacrifício, nos últimos anos de vida arrendou um barzinho, onde faziam serestas, coisa muito simples, típica da boa gente do interior. Na única semana que nos vimos, abraçou-me muito e parecia feliz. Devia ser mesmo.

Sinto uma dor enorme. Não sei descrever.

É a dor da distância.
A de não poder ter vivido as coisas. A de não poder ter ficado mais perto da minha gente, nem minha mãe, coitada. Não foi culpa minha, mas era merecido um jeito diferente de lidar com isso.
Ao meu tio Jango, João Maria, nome mais que brasileiro, meus sinceros melhores sentimentos de amor.


Paulo Roberto Andel 18/08/06

A balada da moça distante

Vieste na névoa ensolarada
Do fim de tarde na Guanabara
E a baía, luzidia, dava-te silêncio
De compaixão

Contemplação

Foste vinda do vento, de longe
E, de perto, eu já não entendia
O que te reluzia
Na beira parada do quase cais

Quando a tua voz doce, rápida
Vibrava entre versos simples
E mesmo por alfarrábios
Meus ouvidos tomavam-te
Por licor
O leve licor de suave luar

Por onde andas?
O que tivestes?

Pouco importa de fato
Pois a beleza do acto
É tua aparição
Seja o que for
Haja o que houver
Na luz de Madredeus

Teus olhos majestosos moram em mim
Feito dois diamantes
E ocupam duas casas
Uma de cabeça
Outra de coração

A trilha de tua morada
Entre majestosos arbustos
E frutos dadivosos
Faz sete candeias
Cândidas neves
Cânticos de lírio

E um breve intervalo
Para que venhas serena
Violante morena
Pérola de mar celeste

Beijo de brigadeiro ao léu
Azul de instigante céu

Lábios dos mais belos beijos
Velas dos melhores castiçais


Paulo Roberto Andel 18/08/2006

Friday, August 04, 2006

A esposa do ginecologista

Não entendo muitas coisas neste mundo, é verdade, mas nada me incomoda mais quando penso em certos papéis desempenhados por determinadas pessoas. Não sei, ou até sei, que se é pelo fato de eu ser mulher e uma mulher relativamente normal ou se eu sou anormal mesmo e fico intrigada com coisas sem importância. O fato é que eu não acredito que exista esposa de ginecologista neste mundo.

Começo pensando em um trabalho normal, como outro qualquer. Pense em um! Obviamente não pode ser o ginecologista porque ele não se enquadra nesses termos... mas um dentista, por exemplo. Imagine agora um dia comum de trabalho deste dentista: abre boca, fecha boca, o próximo! Abre boca, fecha boca ... o dia inteiro nisso. Agora, imaginemos nosso normal lidador chegando ao aconchego do lar, exausto depois de um duro dia de trabalho... não agüenta mais ver uma boca aberta na sua frente. Quer ver televisão, ler um livro, conversar e namorar sua esposa...

Acho que não preciso citar outros exemplos. Para que vocês entendam onde quero chegar, podemos ir direto ao nosso estranho trabalhador: o ginecologista. Poupemos-nos dos detalhes do seu dia e vamos direto ao final de sua jornada, a sua chegada ao seu doce lar. A sua necessidade merecida de descanso, estacionando o carro na garagem... quem abre a porta de casa para recebê-lo? Ela! A sua esposa que é a causa da minha indignação e descrença.

Vamos continuar a imaginar o casalzinho feliz em casa. Toca o telefone, a esposa atende. Uma voz feminina do outro lado inicia:

“-Alô, o Doutor Arthur está?”

Sua voz é de coitadinha, pois está sofrendo de algum mal que até Deus sabe aonde. O doutor vem prontamente atendê-la e carinhosamente pergunta:

“-O que está sentindo?”
Silêncio. O doutor está ouvindo. “Estarei lá na clínica amanhã, dê um pulinho lá para eu dar uma olhadinha, enquanto isso pode ir aplicando...” e a doce e feliz esposa à mesa com o jantar esfriando ouvindo esta conversa. Desliga o telefone e o jantar prossegue naturalmente. E depois vão para cama, onde juram que tudo acontece como em qualquer outro lar. Ora, quem pode acreditar que esta cena é real sem questionar se o casal não é de outro planeta?

Já tentei perguntar a esses enigmáticos homens sobre esta minha inquietude e todos mentiram da mesma forma: é diferente. Olhar a esposa é diferente de olhar uma paciente. Como isso é possível? A não ser que a esposa seja “realmente” diferente - o que torna a história mais assustadora. E para onde as esposas vão quando tem problemas ginecológicos???

Vamos além, dizem esses seres que é um trabalho como outro qualquer. Que “analisar” uma mulher é, na prática, igual ao que qualquer mecânico de automóvel faz. Levamos o carro com problemas, ele olha e dá o diagnóstico. É claro que como a mulher é um ser humano há um cuidado maior na forma que o problema será tratado; porém, é fato, que não há nenhum deslumbre ou uma emoção da parte do médico ao ver sua paciente de pernas abertas na sua frente. Se assim for, agora temos uma situação mais estranha ainda. Trata-se do médico examinando sua paciente no consultório.

Todas as mulheres sabem que ir a um ginecologista é um evento, seja lá qual for a freqüência que o vemos. Preocupamos com a nossa “aparência”, nos olhamos no espelho sob determinados ângulos que não nos vemos todos os dias, algumas passam perfume, todas tomam um banho mais demorado... Enfim, chega a hora de contarmos o nosso probleminha ou apenas fazer um simples preventivo. Conversamos um pouquinho até que ele nos olha com certo jeitinho e diz para nos trocarmos, isto é, que é para colocarmos aquela camisolinha que está pendurada no banheiro do consultório. Faço xixi? A mulher nervosa pensa. E se o papel ficar grudado? Jogo água? Me enxugo como??? Deita-se na cama. Será que estou bem? Ouve-se a voz dele: "relaxa, meu bem." Devo me fazer de meiguinha ou relaxar como ele pede? E se eu soltar um pumzinho sem querer? Ai meu Deus! O médico a examina... "Quanto será que foi o jogo de ontem?" Era só o que faltava...meu time perder de novo! Será que vai dar tempo de passar no banco? Ih, não posso me esquecer de ligar pro... pronto, querida, acabou! Depois conversam médico e paciente, despedem-se e... próxima!

À noite, a paciente lembra que esqueceu de perguntar algo para o médico. Liga para a casa dele, atende uma calma voz feminina.

“-Alô. Alô, o Dr Arthur está?”

“- Ele ainda não chegou, quer deixar recado?”

“- É que eu estive com ele hoje, meu nome é Elika e, bem... ele sabe qual o meu problema, é que eu esqueci de perguntar a ele uma coisa.”

“- Ligue mais tarde, ele chega daqui a pouquinho.”

“- É que eu fico sem graça em ficar incomodando...”

“- Bobagem! Pode ligar, o trabalho dele é esse!”

“- Com quem estou falando?”

“- Com a esposa dele...”

Neste momento, a origem do Universo, a física quântica e a desigualdade social viram objetos de simples pesquisa - e me repreendo ao ter ensinado aos meus filhos que fadas e ETs não existem.


Ao meu ginecologista e sua esposa com carinho
Elika Takimoto