Esta semana fiz algo que há muito tempo não fazia. Melhor dizendo, que quase nunca fiz. Entrar num ônibus sem saber ao certo seu percurso. Fiz isso duas vezes.
Quando era garoto eu adorava ler o Guia Rex. Estudar os nomes das ruas dos bairros, das ruas dos trajetos dos ônibus e por aí vai. Quando estagiei na Firjan, os mensageiros me pediam dicas sobre ônibus e ruas, era engraçado. Por muito tempo fui um entusiasta da cidade, atravessando bairros e bairros, mas à medida que tenho envelhecido as travessias reduziram drasticamente. Com as mudanças de mãos das ruas, de números das linhas e as reformas desde a Copa 2014, perdi meu capital de informações. Além do mais, trabalho perto de casa, faço muita coisa a pé, Uber e táxi. Às vezes pego um ônibus por 900 metros para chegar a estação Carioca do metrô.
Nem sempre foi assim. Especialmente entre 1988 e 1994, quando fazia faculdade e me deslocava de lá, para o trabalho e para casa. Eu gostava, mesmo. Sempre gostei de ver a paisagem, as pessoas perto. Claro, eu nunca pertenci à população oprimida pelas precariedades do sistema de transportes. Era pobre também, mas um pobre que usa ônibus na zona sul e no Centro é privilegiado na comparação com usuários da zona norte, oeste e região metropolitana.
Veio o 201. Chovia fininho, ainda tinha uma hora para abrir a loja. Entrei. Antigamente ele subia até o fim da Almirante Barroso e voltava pela Assembleia. Mudou. Virou para a direita depois pegou a Araújo Porto Alegre. Me deu uma saudade enorme da ABI - outro dia mesmo estávamos lá lutando contra o golpe e Isabel estava deitadíssima no chão, vendo um vídeo. Nossa musa do vôlei, tão cheia de vida. E a Sala Sidney Miller? Quantos shows maravilhosos ali, de Jorge Mautner a Victor Biglione, tanta coisa.
Simpático o motorista. Conversa com uma passageira conhecida, risonha. Aí chegamos à Evaristo da Veiga e, rapidamente, República do Paraguai - que eu adoro porque você vê do alto a avenida Chile, os grandes prédios, o Edise, símbolos de uma afirmação carioca, talvez. Dia de chuvinha, ruas vazias trânsito livre.
Sem planejar nada, descobri que o ônibus me deixaria na porta do trabalho. Foi divertido. A primeira vez que fiz isso em quase cinco anos de loja. Fazer um caminho minimamente diferente. Já escrevi outras vezes que, por gostar muito de VLT, faço um percurso quase ridículo só para usá-lo: apenas duas estações, com direito a baldeação na Sete de Setembro, que me deixa na Praça Tiradentes.
Foi legal rever certa paisagem que, às vezes, a pressa e as responsabilidades nos alijam da oportunidade. Gostei tanto que repeti dias depois, mas com outra linha de ônibus. Acabei indo até o stand do Túlio, que fica na Primeiro de Março, com excelentes CDs e LPs estilo King Crimson, Traffic, Premiata Fornecia Marconi e outros craques.
Depois eu conto.
@pauloandel.