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Sunday, January 24, 2021

domingo em copacabana

SEPAREI O DINHEIRO para um picolé e um copo de mate, botei meu par de chinelos e desci. Todo mundo ainda estava dormindo em casa, algo perto de seis e meia da manhã. 

A Figueiredo praticamente não tinha carros nem gente, ao contrário de 99% do tempo. É que o domingo de manhã tem certo gosto de ressaca, de noite por dormir.

Quase na esquina com Barata Ribeiro, jovens vindos da Lapa, o underground carioca, saltam do ônibus no ponto e há quem cogite um lanche no Sumol, um suco e sanduíche, talvez uma fatia de pizza napolitana que eles vendem toda hora.  

Caminhe menos de cem metros e, na porta da galeria, dá para saber as próximas atrações do Cine Condor Copacabana. Bem na porta fica meu ponto de ônibus preferido para ir ao Maracanã. Na pequena galeria tem uma loja que vende camisas bem confortáveis.

[Avenida Copacabana versus Figueiredo Magalhães, a esquina mais barulhenta do mundo. Marcelo Conde e Hermínio moravam ali. Garotos extenuados pela noite virada deixam o Gordon, lendária lanchonete famosa pelas partidas de mau-mau e truco disputadas no segundo andar da loja. Os sanduíches eram imperdíveis.

O símbolo da drogaria na Figueiredo é um dos colossos de Copacabana: Pepe Corta Zeros, um tucano - ou arara? - combatente da inflação de 70% ao mês, porque a vida é assim na Era Sarney. É um tucano bem grande na logomarca, antes de chegar a agência do Banco Econômico. 

Na transversal, tem a loja da Gênova com os melhores salgados e a melhor pizza brotinho do mundo, senhor! Gostosa demais. A Domingos Ferreira é uma rua discreta, de pouco movimento. Uma quadra antes do temível Edifício Master - eu e Xuru passamos sempre do outro lado da rua. 

Na quadra do Camões é fácil ver Júnior, um dos melhores jogadores brasileiros. Volta e meia está por ali com seus ex-vizinhos, apaixonado que é pelo Juventus, o time mais popular de futebol de areia do Rio. 

Atravesso a Atlântica, desço a escadinha de dois degraus e meu par de chinelos Katina Surf protege meus pés do calor da areia. A praia ainda está deserta. Manhãzinha de domingo, todo mundo tem um pouco de ressaca, seja etílica, seja sentimental. 

Um garotinho sentado mais adiante mexe com a pá num balde, brincando com a areia. Sua mãe o observa atenta e orgulhosa. São uma linda e pequena família. Noves fora, estou sozinho bem aos pés do Atlântico Sul, então me sento, olho para um lado e outro, escuto o breve som do mar e nem quero pensar no vestibular, nos problemas e nas soluções que ainda não tenho. Por enquanto é tentar sair do quartel, passar na prova, estudar e arrumar um emprego. Os raios solares parecem mais fortes, já deve estar perto de oito da manhã. Daqui a pouco eu compro um picolé de limão ou côco.

O mate fica para depois. A praia ainda está deserta, mas ao longe já tem um senhor vendendo o Dragão Chinês e outro com a chamada inesquecível: "É Maria Teresa Weiss!"

@pauloandel

Saturday, January 09, 2021

miami peep show

Com anos de atraso, o Rio de Janeiro passou a sediar um velho costume estadunidense e europeu: o peep show, a casa de espetáculos eróticos onde os clientes, dentro de cabines apreciam as garotas numa arena de vidro simultaneamente ou não. Cada ficha dá direito a dois minutos de show. Num espaço anexo, funcionam as famosas cabines solo: nelas, o cliente tem um show exclusivo de sua modelo preferida, com mais tempo, mas precisa gastar pelo menos cinco fichas, sendo que a cabine não é 100% isolada entre cliente e modelo. Ou seja, passa a mão boba, as pequenas brincadeiras, um cachê a mais e, claro, os telefones de contato para futuros encontros de amor. 

E se alguma coisa vai começar no Rio de Janeiro, evidentemente a plataforma de lançamentos só pode ser num lugar: Copacabana. 

Miami Peep Show. Esquina de Hilário de Gouveia com Avenida Copacabana, bem perto do primeiro McDonald's do Brasil, do Banco Real, do Supermercado Pão de Açúcar (antigo Peg-Pag) e da locadora: a igreja católica. Sim! A Igreja de Nossa Senhora de Copacabana é a dona dos imóveis de parte daquela quadra e celebrou um contrato de locação honesto, sério. 

No térreo, a Miami vende produtos eróticos e fitas VHS. Subindo uma escada vermelha, logo você chega ao palácio erótico do bairro, que abre às onze da manhã e vai até meia noite, de domingo a domingo. Numa parede, tem o elenco de modelos da casa, cada uma com uma lâmpada acima da foto: as acesas indicam as titulares do dia, todas alucinantes. E é possível assistir a vídeos eróticos também, em cabines com TV, sem modelos.  

O ambiente está sempre limpo e quase ninguém repara que os supostos rapazes que cuidam de higienizar as cabines permanentemente na verdade são garotas homoafetivas, todas com cabelos muito curtos e roupas largas que enganam os olhares desatentos. Elas também mantém o semblante muito sério, regras da casa e também para evitar machismos e até mesmo assédios, num ambiente marcado pela intensa libido provocada pelas modelos. Eficientes, as funcionárias da limpeza deixam as cabines impecáveis, sem vestígios da excitação da clientela mais afobada. 

A Miami tem um locutor que anuncia as atrações na arena, as modelos disponíveis para a cabine solo e também para saudar os habituês e heróis da casa. O guitarrista John Avila não sai de lá: é tão conhecido que chega a comparecer nas festas de aniversários das modelos, churrascos com os frequentadores e mesas redondas, onde se faz a resenha da semana e as melhores performances das meninas. O comerciante Eduardo Eddie é um verdadeiro obcecado pela Miami: frequenta pelo menos duas vezes por semana e não aceita jogar menos de 20 fichas cada vez. Embora more do outro lado da cidade e trabalhe no Centro, ele faz tudo para que possa ir a Copacabana e, mesmo num intervalo de meia hora, tenha condições de apreciar as beldades - inclusive já convidou uma delas para saborear um cachorro-quente enquanto a modelo lhe contava sobre um livro erótico que pretende escrever. Perto dali, o estudante LC organiza campeonatos regulares de futebol de botão em sua casa, mas evita ao máximo que os participantes se ofereçam para ir comprar pizzas na Bella Blú, patrimônio gastronômico do bairro: os voluntários acabam esticando quatro quadras adiante e, dependendo das gatas do dia, podem parafrasear o ator Joel Barcelos no antológico filme "Rio Babilônia", conversando com sua namorada estadunidense: "No money, no pizza". Resumindo: torrando a grana do lanche em fichas de tesão.

Garotos imberbes, coroas, marombeiros, estudantes, profissionais liberais, todo mundo passa pela Miami em busca das emoções visuais. De conhecidos repórteres esportivos da Globo até parlamentares respeitáveis. Noutro dia, quem apareceu foi Paulo Sérgio, jovem goleiro reserva do Fluminense que acabou de ser campeão com o antológico gol de barriga de Renato Gaúcho - um sex symbol das garotas da casa. Entrevistado pela revista Placar, Paulo considera o ambiente bastante excitante. Depois de conferir a performance da modelo Samantha, Paulo não se fez de rogado: "Tive vontade de quebrar o vidro da cabine e agarrá-la. O poeta maior do bairro na era contemporânea, Fausto Fawcett, tem na Miami uma de suas fontes de inspiração literária. Um de seus versos cabe perfeitamente na arena: "Purgatório da beleza e do caos".


@pauloandel

Saturday, January 02, 2021

quando peguei cássia eller

(Baseado em fatos reais e imaginários

Numa noite de quinta-feira de novembro de 1998, eu estava com meu amigo Bolinha em Copacabana. Resolvemos beber chopes. Estávamos fudidos emocionalmente por vários motivos mas estávamos lá, juntos, um dando força para o outro. 

Chegamos tarde ao Sindicato do Chope no Posto Seis. Pedimos frango à passarinho, caldo de feijão e chopes. Já passava de meia noite e tínhamos trabalho cedo, mas não estávamos nem aí - lembrando que nosso estado emocional era péssimo - parece até as minhas últimas seiscentas noites. Não bebemos de cair, éramos quase responsáveis, mas dava para rolar umas tropeçadas e até se machucar no calçadão. 

Uma da manhã, bar vazio, o garçom esperando que pedíssemos a conta, eu pedi foi uma empolgante caipirinha - beber liberta! -, e subitamente chega ao bar ninguém menos do que Cássia Eller, acompanhada de dois brous. Enchi meu peito de emoção e o Bolinha logo inflou a ideia: "Porra, cara, Cássia é foda demais, você tem que ir lá falar com ela!". E a vergonha? E o risco do toco? A gente nunca sabe. 

Comemos, bebemos, Cássia estava na dela e a gente na nossa, claro, só que era impossível não olhar porque ela já era uma celebridade nacional, uma super ídola e nossas mesas eram as duas únicas com gente no bar. 

O Bolinha sussurrando que nem o Diabo: "Cara,  quando ela for no banheiro, você vai em seguida e cerca ela no corredor". Os dois banheiros eram um de frente para o outro. Mas eu já tinha ido umas cinco vezes de tantos drinques. 

Um chope, dois, três, cinco, deliciosos, eu já tinha aliviado toda a tristeza daquele dia mas o destino foi implacável: Cássia se levantou, Bolinha me deu um cutucão, ela foi para o banheiro, contei até três, fiz o mesmo mas o tanque já estava vazio. Então fiquei lá dentro num silêncio típico de minhas noites de ronda escoteira, ouvindo os ventos, as folhas e o horizonte livre no campo, esperando que, no outro compartimento, surgisse um som de torneira aberta - sinal de que ela estava prestes a sair. 

Segundos, segundos. Tchoook. 

[A água da torneira batendo no dorso da pia.

Estou pronto, conto três segundos e abro a porta do banheiro. 

Dou de cara com Cássia Eller. Ela olha e quase ri. Eu paro e digo "Cássia...". Ela para, eu me aproximo e aí um dos pares de olhos mais expressivos da música brasileira se arregalou: provavelmente ela pensou que eu a agarraria, mas não foi nada disso. Não. Eu coloquei minhas mãos nos ombros dela, peguei firme e disse "Tu é foda pra caralho. Eu cantei muito lá na UERJ quando você fez um show no Teatrão. Meu amigo Rubens estava lá mas não desceu quando você sorteou a caixa de Brahma (patrocinadora do evento) - ficou com vergonha de ser a bicha da letra. Só sei que tu é foda. Teu show na Apoteose foi demais, você, Bob Dylan e Rolling Stones. Caceta!". 

[Nós dois, cara a cara, olho no olho, a poderosa rockstar encolhidinha com medo de um gigante gentil. 

[A baixinha tremeu. 

Ela, pequenininha, já calma quando tirei as mãos de seus ombros, olhões quase arregalados. "Pô, cara, brigado pela força. Valeu mesmo.". Cássia realmente se assustou com a possibilidade de um beijo roubado, mas a um verdadeiro cavalheiro bêbado só interesssam as causas amorosamente perdidas. 

Té mais. Té mais. Valeu. 

Saímos rindo pelo hall, os amigos dela me espiaram estranho, voltei para a mesa e comemorei o feito gloriosamente com Bolinha. Logo depois, pedimos a conta: não havia mais nada a fazer. Na hora de irmos embora, dei um tchau pra ela.

Fizemos o caminho de sempre: Atlântica, Aterro, Arcos. Bolinha gostava de dirigir. Era um tempo de dificuldades - quase nada se compararmos a hoje - mas ainda era possível você tomar um trago na madrugada e se deparar com Cássia Eller no banheiro do bar, muito tempo depois da velha Galeria Alaska ter encaretado por completo, antecipando as trevas de 2020 - ou pós-2018, permitam-me.

Três anos depois, Cássia Eller morreu. Por ironia do destino e sem saber, eu estava a 100 metros do hospital onde ela faleceu. Antes disso, ainda a vi ao vivo um showzaço que ela fez, para variar, na Concha Acústica da UERJ. Ela era demais. Meu amigo Rubens também morreu tempos depois. O Bolinha está bem vivo, falamos pelo whatsapp. 

Não vou mais a bares como gostaria. Talvez não vá mais. Talvez vá às vezes com Henrique, com Isys, com o Leo agora é tudo light. Ele está certo. 

Só dez por cento é mentira. O resto é a maravilhosa Copacabana dos anos 1990, puríssima, da boa. 

@pauloandel