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Monday, December 19, 2016

Hoje: Lançamento dos livros "O Fluminense na Estrada", "Onde você estava naquele inesquecível gol de barriga?" e "As fases do amor"




Casa Vieira Souto
Praça da Cruz Vermelha, 9 - Centro - RJ
Das 18:30 às 21 h.




Tuesday, December 13, 2016

e-bostanet


Wednesday, November 30, 2016

o vago, o vazio

no fim há um vazio
um vago
repleto de silêncios barulhentos
perturbadores

um vazio, uma dor
a melancolia
e olhar em busca do que desaconteceu

procurar o que já não há

um vazio, um silêncio
um minuto de réquiem

um sentimento de "e se?"

não, não há. não há.

existe a solidão no meio da multidão
e o contrário ao se ver tão só

mas o vazio é o punhal cravado na alma

o vazio

o vazio

vazio

no fim há um vazio
um vago

não resta o ódio, nem a paixão
nenhum conforto, nada

os melhores versos, as mais belas palavras
não dizem absolutamente nada

enquanto se caminha pela trilha
na mata ilógica chamada vida

@pauloandel

Wednesday, November 23, 2016

noturno copacabana 1993






Friday, November 11, 2016

minha amiga, meu amor

minha amiga, a quem sempre amei
desde que conversávamos pelos silêncios
e reticências
enquanto sonhávamos com noites de luar e pequenas sacanagens
fraternais sem dúvida
- amar não é pecado

meu coração está em chamas e arde
eu tenho o amor e a solidão
com a multidão à meu lado
e vejo o teu rosto nas pessoas
que passam tão apressadas
pela rua principal da grande cidade
que nos abraça

minha amiga, meu amor, nossa fé
nos mundos que não nos reúnem
nos fogos de conselho que não se apagam
e a alvorada que também liberta
eu vejo teu rosto lindo, sereno e triste
enquanto me deparo com a miséria humana
das empobrecidas esquinas

eu vejo tuas mãos delicadas, teu dorso, teus seios, e navego em promessas
de pecados nos quais desacredito
ainda que a juventude não me pertença

minha amiga, heroína, agora longe
para sempre viva e linda, saborosa
hei de ouvir tua voz de licores e mel
ou de sonhar com tua presença em mim
o amor é uma trilha interminável
enquanto sóis e sóis nos banham
e trazem calores, desejos e felicidade
pois somos os versos de nossos próprios poemas

o meu peito que bate e dói, uma canção
um mundo lá fora e este vazio
enquanto te procuro em lembranças
e pequeninos momentos felizes:
sóis e sóis nos devem uma pátria
enquanto te vejo e tanto amo

minha amiga, minha tradição
eu sou o sopro de um coração
nas mãos
e desejo que tenhas um abraço
um abraço encarnado e quente
do tamanho do meu amor

enquanto o sonho não avança
vamos sobrevivendo e cantando
lutando contra os problemas populares
lutando contra os problemas populares

@pauloandel

em memória de Leonard Cohen

Wednesday, October 26, 2016

o homem falso

diante do espelho, o homem
falso sorri: ele jamais se engana
consigo mesmo

- eu não me minto!

e saboreia sua nobre decadência
a certeza de sua mediocridade
enrustida em poses e sentenças

então gargalha

percebendo toda a inútil farsa
não há rancor que sustente a alma
mas disfarçar é por demais preciso

o homem falso encarando sua mentira
e sabedor de que vive os tais dez anos
em vão e com velocidade descomunal

enojado de si mesmo e de todos
apontado como um deus opaco e só
preparando frases, contando caos
até que tudo vire literatura crua

o autor não importa:
o homem falso é uma pátria de certezas,
todas elas no vão da história.

o homem falso é a sua máquina mortífera
espionanando a mentira que lhe humilha

@pauloandel

Saturday, October 08, 2016

diversão cadáver

Thursday, October 06, 2016

mátria mãe gentil


e você, você, você de novo
com a sua fala esgarçada
mofada
contando as mesmas piadas
e só fazendo rir
quando se leva a sério

repetindo os versos ruins das revistas
e as manchetes deploráveis
repetindo tudo o que acredita
sem parar para pensar o razoável:

- eu li, eu vi, me contaram, eu sei!

enquanto seus senhores feudais riem
durante coquetéis refinados
e poses planejadas por horas a fio

você repete as manchetes
as notícias fabricadas
as verdades oficiais dos panfletos
e tudo é tão belo e perfeito

quem te entorpeceu para que não visse
o triste fim do mundo?

a praça da apoteose de auschwitz
é o carnaval da desgraça do mundo

as grandes corporações lucram muito
com a lenta decomposição do mundo

e tudo passa rápido como um anúncio
de cinco segundos no youtube:
- o senhor esteja convosco!

até o último segundo da noite
esperei pela salvação do mundo

mas ela não passa na TV, nem no Face
nem perto dos áudios indiscretos
nos nudes, nas putarias, nos batidões -
quem inventou esse lindo novo mundo?

louvado seja o vosso nome!
agência, conta e o senhor no coração!

brincamos de politizados, acadêmicos
gestores preparados, tão destemidos
homens brancos de bem, do povo
do povo o caralho! do povo o caralho!

fascistas de merda, homofóbicos cus
fiquem todos atentos à cadeia nacional:
o ministro fala bonito e elegante ao léu
mas as palavras são vazias, frígidas

somos cachorros com a língua de fora
inebriados com as imagens do sabor
vendo o frango assado girando livre
no espeto da galeteria - é lua cheia!

nós, números de empresas, de listas
e cadastros e zonas e arredores
números contábeis, tributos baratos
números de lápides abandonadas!

o futuro só pertence às carnes podres
nobres decomposições da matéria
e o fim do mundo não existe tão bem -
a dor é o vazio, a nossa desesperança

até quando você vai se entorpecer
com as incomparáveis mentiras
das manchetes, das listas notáveis
dos senhores ocos de retórica vadia?

só o amor constrói a beleza da ilusão

enquanto vivemos entre os tragos
o choro solitário e a melancolia do fim

viva o esquartejamento da falsidade!
saudemos aos céus a nossa ignorância!
somos idiotas fantásticos: temos razão
mas as conclusões são pura inutilidade

os belos fogos do morro são a prova
da nossa indigência intelectual nua:
- achamos muito bonito! bonito demais!

as pessoas estão nas ruas porque gostam

não temos nada a ver com a dor alheia

nós não fizemos o mundo desse jeito:
na verdade, o que não fizemos foi nada!

@pauloandel



Wednesday, October 05, 2016

antes o silêncio


Saturday, September 17, 2016

solidão

que solidão é maior
do que ser mais um
na voz da multidão?

todos juntos vamos
ao lugar nenhum
nada sobre nada

nenhuma canção
para celebrar o nada
levantamos o pranto

e os gritos de amor se perdem




Friday, September 09, 2016

grande cão

oh, grande cão das orelhas afiadas
e olfato impecável, o que procuras?

farejando a minha alma encardida,
esgarçada, pendurada num varal

o imaginário pau de arara e sua dor
choques elétricos e ratos na vagina

e o que pretende à minha boa morte?
esqueça das minhas assombrações

e veja a morte dos choques de ordem
das ilusões burguesas de camarim

grande cão, não convém latir muito
porque é olho por olho e dentes nus

os velhacos e suas amantes, esperem:
todo mundo tem passado na hora vã

grande cão, tenha um grande coração
porque a tempestade somos nós dois

@pauloandel 

Thursday, September 08, 2016

acontece

acontece: estamos oprimidos demais
pisoteados demais, desprezados demais
temos sido derrotados pela estupidez
somos campeões da casa do caralho
- o descaso é nossa pátria mãe gentil
e queremos o exílio - sorvemos exílio
com as enrugadas mãos estendidas
debaixo de marquises tristes
e belas varandas indiferentes

onde foram parar a ordem e o progresso
que não nos chamam à paz?
navegam em mares desconhecidos
enquanto a esperança é ônibus lotado
cheio de descrentes

o que nos resta é o rancor, a mágoa
um sentimento de culpa coletiva
enquanto o sono também traz lágrimas
de boa morte para um amanhã de nada

e quem há de se importar com a dor?

acontece que rompemos os paradigmas
da estupidez numa grande população
- e os obreiros nos odeiam com força
parecemos involuntários orixás

ainda bem que estamos numa democracia
mesmo que a descarga esteja entupida
e não tenha sobrado uma mísera
canção de amor, oh grande amor!

sejamos as irmãs de caridade funesta
da nossa desgraça
e os velhos sujos, pútridos títeres
com seus choques de ordem
e gente bonita, branca e de bem
dançando na lama esgarçada do caos
a última nota do solo é bênção do caos

somos imortais pela dor que nos une
a nova ordem é uma piada insípida
o tom da cor tem uma estampa torta

@pauloandel

Tuesday, September 06, 2016

urnas eletrônicas e o grito de independência

quando as urnas eletrônicas votaram sozinhas, a república federativa da indigência mental viveu a liberdade

os indivíduos de bem ruminaram mamilos, gritaram flatos e decretaram mediocridade ou morte súbita a sós

um grandioso céu de anil enfeitou a pátria amada - mãe gentil das estúpidas sentenças de peixes e varas de pescar

e todos ficaram apaixonados por seus próprios cus, verdadeiros detentores da grandeza do raciocínio diferenciado

cus, nobres cus, ventres livres do novo iluminismo desta terra, que é o país do futuro porque ninguém lembra o ido

a literatura dos sovacos tornou-se voz
dos exilados das bibliotecas, salas de aula, mesas de bares e seus arredores

foi a libertação dos cérebros inúteis que possibilitou novas descobertas lúcidas sobre o tratado geral da gente ignara

e trouxe riachos de felicidade aos donos da terra, os senhores de engenho novo e seus capitães do mato contemporâneo

lindas manchetes de jornais eram lidas
pelos próceres de calças arriadas e fé
na análise crítica de seus atentos cus

a nova ordem trouxe prosperidade e luz
aos cretinos, sonegadores, traficantes, totalitaristas e demais celenterados

e acabou o comunismo, esse incrível comunismo da livre iniciativa e do grão
dinheiro cada vez mais concentrado

o comunismo foi derrotado pela união dos cus pensadores, os novos reitores da academia das ciências de merda vil

no dia em que as urnas eletrônicas votaram sozinhas, os cabrestos deram adeus aos pescoços nus dos asininos

e fomos felizes demais: gritamos gol, berramos uhus e vimos gente jovem e bonita por todos os lados tão possíveis

o problema foi à noite: sendo os cus novos pensadores, quem iria querer saber daqueles velhos cérebros tristes?

o que fazer dos choques de ordem, das repressões, dos mares do ódio virtual, das certezas dos primitivos da cólera

o comunismo acabou, a barbárie é real:
somos todos campeões do mundo torpe - temos nossa nova meritocracia

estamos no auge da nossa liberdade: comentamos o que não lemos, somos indiferentes aos bons pensamentos

finalmente nos libertamos com méritos:
nossos cus foram voluntários da pátria
e nos resgataram da boçal solidariedade

o papel higiênico arranha os cérebros
a fraternidade é protagonista do féretro
e a hipocrisia é nosso capital inicial

cus, delicados e sacrificados cus, deem
ao povo tudo que não encontramos
nos velhos estudos feitos com a cabeça

a verdade é que somos excrementos
de uma sociedade fedida e contaminada
uma pátria cerrada até a sã guilhotina

somos soldados de revistas ordinárias
e manchetes fajutas, quase artesanais:
eis a bosta nova que cerra a tarde cinza

@pauloandel


Wednesday, August 31, 2016

novos bichos escrotos


clique nesta merda para ampliá-la

Monday, August 29, 2016

golpista pária

o golpista, tão sorridente e certo
dotado de imperecível razão e fé
para julgar e condenar pela pátria
como procurador da palavra de Deus
o patrulheiro da verdade inconteste
e cheio de certezas ameaçadoras
o golpista, ah, o golpista tão ingênuo
fazendo acreditar na sua vã perfeição
construída em palácios de ocaso
feito as ciências curtas e apagadas
vendo nos outros os vícios elementares
que carrega em seu próprio âmago
o golpista a caçar as oportunidades
lambendo os beiços com sua arte:
um golpe quase perfeito, inebriante
não fossem as evidências da alma
o caráter navegando o mar de esgoto
e a consciência entorpecida em fel
o golpista, acima de tudo um canalha
é um porco individualista hipócrita
buscando na justiça o que não terá:
respeito, apreço, consideração, amor
e sempre carregará em si o fartum acre
dos cortiços vadios da própria alma
porque não engana a mais ninguém
o golpista é só um golpista e nada mais
não adiantam os bens ou o dinheiro
o progresso ou o traje impecável
nem a falsa fala educada ou veemente
o golpista tem uma tatuagem a ferro
nas pavorosas entranhas da essência
e não há desmemória que possa apagar
o golpista com seu sorriso de merda
comemorando uma vitória de merda
mas incapaz de enganar a si mesmo
onde armazenará o turbilhão de rancor?
o hipócrita é um derrotado, fracassado
fingindo ser o campeão sem conquista
o futuro da nação é a indiferença mor
cada um por si e boa sorte para todos
rezemos missas num shopping center
façamos grupos de estudos também
sejamos escravos tolos dessa máquina
enquanto escroques debocham de nós
e dormem tranquilos o sono dos deuses
foda-se o futuro, os pobres e fudidos
foda-se a maioria, viva o si mesmo
enquanto refazemos nossa pátria mãe
com nossos currículos tão bosteados
as frases feitas que parecem um pum
e parecemos tão generais da banda!
o comunismo acabou: ele foi derrotado!
mas a nossa estupidez é a grã certeza
temos aeroportos, fizemos faculdade
somos diferenciados, merecemos céu
mas o espelho nunca se engana: somos
o retrocesso, a mesquinharia, a merda
como enganar a nós mesmos,
golpistas que somos, ratos de esgoto
na bela celebração da merda
- SOMOS MERDA
mas o nosso egoísmo nos impede
do brilhante papel de adubo colossal
SOMOS MERDA e o fim da linha é longe
nós, golpistas, somos escravos rústicos
primitivos de corpo, alma e aparências
e rimos do napalm que vai nos cobrir
seremos carne morta a ser escarrada
pelos vermes de bem, lúcidos, lícitos
é só então entenderemos nosso papel:
o de otários deslumbrados, flácidos
párias da sanidade, ácaros desprezíveis
ainda somos os mesmos e vivemos
nas barras das saias de nossas mães
somos fedelhos ignorantes e vazios
sepultados no jazigo da mesadinha
e temos nojo dos pivetes infelizes
temos berço, nome e merecimento
viva as capitanias hereditárias! 

Saturday, August 27, 2016

bonecos infláveis




Tuesday, August 23, 2016

canção da meritocracia



Thursday, August 04, 2016

sex divine



@pauloandel


das ruas sem transeuntes


@pauloandel

Saturday, July 16, 2016

cruz vermelha 22 horas

enquanto sorvia uma tigela de creme de ervilhas no meu bar predileto da cruz vermelha, eu vi o mundo no coração do Rio

os jovens garçons, rapaz e moça, cansados depois de uma jornada extenuante, enquanto espiavam a praça vazia e silenciosa

ao mesmo em que o vento firme levantava as folhas do asfalto e anunciava uma noite mais fria, natural do inverno

jovens negros da rua corriam com seus pertences de mendicância em busca de abrigo numa quadra sem marquises

e uma viatura policial entrava na contramão sem motivo de ocorrência policial, mas apenas para cortar caminho

ao terminar o caldo, me despedi dos amigos de bar e caminhei silenciosa e solitariamente por cem metros

e tive tempo de ver um grupo de adolescentes caminhando para uma festa, com os garotos cortejando a belíssima menina negra que os liderava

depois de ter passado pela portinha do sobrado onde meu pai sempre parava para conversar com meu irmão, a tempo ainda de ajeitar a cadeira de rodas

o posto de gasolina abandonado que serve de abrigo, moradia, estacionamento e muitas outras utilidades da rebeldia

do outro lado da rua, a tia do açaí atende a uma fila de clientes fiéis, alguns advindos de outros bairros, outros da praça

cem metros depois, eu e Maurício, o porteiro chefe do prédio onde moro, fazemos piadas dos moradores reacionários

deixo um abraço e tomo o elevador

no espelho do veículo, não me reconheço e penso no meu amor longe demais, enquanto a noite fria vai aterrorizar gente pobre e sofrida

quando encosto a chave no miolo, num segundo lembro de vizinhos idos, de gente que disse adeus, do que não deveria ter sido o vazio

depois deito, vejo a TV num filme onde Sandy parece tão linda e há silêncio demais, enquanto escrevo versos tristes e desaconteço

foi então quando entendi o que me disseram ainda menino, sobre a vida com brevidades demais, sem tempo para rancores

procurei abrigo nas imagens, na solidão do quarto vazio, nas dores do meu corpo, do tempo que me resta e que espero ser bem grande

e me encontrei sozinho, como sempre fui e estive, porque todos o somos e seremos neste estranho destino denominado vida

@pauloandel

Tuesday, July 05, 2016

New Order















Friday, June 10, 2016

João Gilberto, 85 anos



João Gilberto faz 85 anos hoje.

Com um histórico impecável de serviços prestados à musica popular brasileira, para ela está como Pelé para o nosso futebol: um embaixador indiscutível e permanente.

Silencioso, sempre recluso, cercado por pequenos contos de realismo fantástico, João passaria absolutamente em branco na data de hoje, não fosse a resistência do jornalismo cultural brasileiro, que o louva a cada primavera.

Provavelmente não fará mais shows. No Brasil, eles sempre foram raros por natureza. Já o mundo pôde ouvi-lo e aplaudi-lo em muitas ocasiões. A sina de muitos dos maiores artistas brasileiros, muitas vezes reconhecidos em idiomas diferentes, mas pouco valorizados em língua portuguesa – aliás, ela mesmo, a língua, anda fora de moda entre seus usuários.

João começou com um discípulo de Orlando Silva, com vozeirão. Gravou e não deu certo. Depois voltou como o que ouvimos até hoje. Sua mistura inconfundível de afinação com samba quebrado - e as cordas do violão substituindo vários instrumentos de percussão - fez nascer o que chamamos de Bossa Nova. “Limpou” o samba, deixando-o minimalista. E mudou a arte do Brasil para sempre. Influenciou todos os gigantes, gravou com eles e foi gravado/reverenciado – especialmente por Caetano e Gil. Embora uma música tocada por João seja “dele”, com o seu estilo peculiar, escreveu pouquíssimos temas e sempre valorizou os compositores do passado, alguns desconhecidos e muitos que nele tiveram seus registros definitivos.

Do artista, pouco se sabe além de seu trabalho fantástico. Do homem, menos ainda. Mas saber que seu talento guiou alguns dos nossos maiores artistas é um dos nossos triunfos.

E a reclusão? Pode haver um motivo ou vários, muitos delirantes e alguns razoáveis. Mas o recolhimento de João Gilberto foi aumentando à medida que o Brasil foi ficando mais estúpido, grosseiro e individualista, até chegar ao que vemos agora. Quando vemos os retrocessos diversos nas questões da Cultura, da diversidade, das verdadeiras piadas de mau gosto representadas por nomes como os de Alexandre Frota e Lobão, é justo que o silêncio gilbertiano prevaleça – e é uma ironia que o decadente roqueiro, sempre a vociferar e desfraldar bandeiras de ódio, tenha sido gravado por João Gilberto (“Me chama”), embora tal fato tenha ocorrido quando aquele ainda era um músico.

Temos um tesouro escondido neste país há décadas. Ainda não soubemos entender sua delicadeza, sua obstinação pela perfeição, sua dignidade artística. O artista tem direito ao silêncio, mas o público deveria aplaudir de pé.

O Brasil da beleza, sofisticação e doçura é o Brasil de João Gilberto. Experimentem. Parece tarde, mas ainda há tempo.








@pauloandel

Tuesday, May 24, 2016

desamor


Friday, May 13, 2016

negro

eu sou a cor do açoite/ do olhar de esguelha/ eu sou mão estendida e sorriso firme/ diante do desprezo da casa grande/ a cidade é egoísmo nas vitrines/ mas nada me abala/ eu sigo meu caminho numa ladeira/ com passos decididos/ sem moleza/ e se o outro não me vê/ o céu me abraça/ o amor me aconchega/ sou querido/ a praga não me ataca/ nem inveja/ eu sou a cor do açoite, meu orgulho/ o sangue que tem lágrima e cantoria/ abrindo o caminho com meus guias/ eu tenho a cor do amor/ a dor que vence/ amanhã é outro dia/ meu verso nasce/ e louva mais bondades/ do que eles veem/ porque já não conhecem amizade/ e vivem de aparência/ em plena guerra/ eu sou a cor do samba/ dos  atabaques/ eu sou a apoteose da cidade/ e me dá pena dos fascistas/ eu passo e acho graça/ meu mundo é livre e rico/ eu sou a cor da paz e acredito/ em gente abraçada sem racismo/ o porco fardado não vai me oprimir/ ao doutor engomado resta me engolir/ à vista ou em suaves prestações/ o sangue desta terra tem procissões da pátria negra/ recebe o afeto que se encerra na pele firme/ áfrica mãe de lua cheia

@pauloandel

Friday, May 06, 2016

o idiota não é invisível

o idiota
com seu sorriso de certezas
mergulhado em vestes
das respostas inúteis

o idiota
confiante e valente
sem medo do ridículo
 - um invencível servo da estupidez
sente-se corajoso, destemido:

 - o não saber é a bravura
a medalha no peito empinado
enquanto o pescoço carrega
uma cabeça perdida
perdida sem prêmio





bendita seja a verdade suprema do idiota
louvada seja sua arrogância oceânica
todo idiota é um navio em grandes viagens
                      sem um narrador das histórias
o idiota, o arrogante
o senhor de si mesmo
         no berço esplêndido da mediocridade

@pauloandel 


Monday, May 02, 2016

adeus, america




Saturday, April 23, 2016

Friday, April 22, 2016

sexo sob sexo - sex trust






Tuesday, April 19, 2016

società


@pauloandel

Monday, April 18, 2016

dores grátis


@pauloandel

Saturday, April 16, 2016

17/04



@pauloandel

Friday, April 15, 2016

Tuesday, April 12, 2016

brasileiros demais

deitado em seu último poema
o olho do morto é plácido
nenhum horizonte o fascina

todos rezam em lágrimas
porque as despedidas são miséria
e nada será um novo

o olho do morto, inerte, exposto
à curiosidade mórbida dos humanos
os amores estão todos perdidos
existe paz no silêncio

quem vai nos devolver o amor?

em algum lugar da memória
moraram nossos melhores dias:
todos se mudaram para o exílio

ninguém nos pensa
e um coração na mão bate forte
- o troco por favor!

ninguém merece a morte
da própria revista de História
até quando seremos brasileiros demais?
até quando o demais?

o amor parece prosperidade.

@pauloandel@

Wednesday, April 06, 2016

um gênio chamado imbecil

Tuesday, March 22, 2016

a despedida/h

Está na hora de partir. Este é o país do futuro na vanguarda do retrocesso. Milhões de pessoas estão felizes com o desrespeito às leis porque é exatamente isso que elas fazem o tempo todo. Estamos preparados para repetir 1964 porque o poeta Cazuza tinha razão em escrevem num verso "são caboclos querendo ser ingleses". Cinquenta anos depois, milhões de brasileiros parecem bichos de estimação de um canal de televisão - a tratá-los como cães vadios que supostamente são merecedores de chinelada no focinho, uma aberração. As maravilhas da Internet permitem aos usuários o copiar e colar de idéias, como se tudo fosse uma honesta partida de futebol: torcer para o time do bem liberal e a morte do time dos comunistas - sabe-se lá o que estas mentes geniais tratam por comunismo. Milhões de torcedores do Big Brother. Milhões de torcedores de William Bonner. Há muitos Brasis e um deles é por demais digno: o dos trabalhadores de bem, homens e mulheres dos trens, dos ônibus apinhados, dos centros de comércio popular, dos quartos de empregada e quitinetes de porteiro; das favelas, dos conjuntos habitacionais entregues à própria sorte; da geral que morreu, dos bailes de Messiê Limá e Big Boy. O resto? Uma bobagem. Milhões de idiotas sonhando com a extinção de comunistas e loucos pela admirável breguice de Miami - ou aquela patética cópia da estátua no New York City Center. Milhões de bobocas apregoando a teoria da meritocracia que se resumiu ao dinheiro dos pais e parentes. Os liberais que olham para o outro lado da rua ao primeiro sinal de mendicância, e que não se comovem nem ao ver um garotinho pedindo esmola no sinal enquanto o próprio filho, amado e suspirando, manuseia um game no banco de trás. Milhões de trapaceiros em todas as instâncias: a fila furada, o caixinha do guarda, a amante discreta, o desvio da empresa, a sonegação tranquila, a hipocrisia. Fracassamos como sociedade. Os erros da Monarquia, do Estado Novo, da ditadura e da Nova República não serviram de qualquer aprendizado. Agora temos smartphones, a maravilhosa telefonia mais cara do mundo, somos muito desenvolvidos mas pouca gente sabe interpretar um texto de dois parágrafos. Não perdemos a vocação colonial. Olhem para as empregadas de uniforme branco: elas são respeitáveis. O empresário de terno é um doutor. É lindo ver negros racistas, homossexuais fascistas, verborrágicos niilistas e toda sorte de desajustados enquanto mandamos o ladrão para a cadeia, com ou sem provas, com ou sem fundamento. Viva o choque de ordem evangélico! Viva os defensores da pátria contra o inimigo do inferno! Viva a celebração de toda a nossa estupidez coletiva! É hora da despedida: os hipócritas e monocratas receberão o foca-se que merecerão da História. São caboclos querendo ser ingleses. São caboclos querendo ser ingleses. No fim, também morre quem atira e o ódio floresce no ventre dos vermes que gorjeiam nas caixas mortuárias, tudo em pleno e belo dia de sol. Adeus, Brazyl.

###############

H.

3

Assustadora simultaneidade: no exato instante em que dou início a meu processo de mastigação da insossa massa branca de uma esfiha me dou conta de que não procurei me informar sobre aquilo que, no futuro, talvez me será, obscenamente, questionado. Ou seja, se no girar dos dados imaginários, à minha mãe lhe coube a morte boa ou a morte má. Tal simultaneidade me faz desconfiar, e por um segundo ter a arrepiante certeza de que o gesto físico da mordedura na massa gerou o pensamento tanto quanto provocou, através do conseqüente rasgão na esfiha, a liberação de uma nuvem de vapor do recheio de carne morta. De meu pai fiquei sabendo que gritava enfurecido na cama do hospital e tentava esmurrar os médicos que o atendiam até que o fulminasse um enfarto. Será isso a morte má? Senti na época orgulho desse triste Jacó em luta com seus anjos da morte, impermeável a qualquer tipo de serenidade, como sempre foi em vida. Se bem a conheço, minha mãe não reclamou muito nem esboçou qualquer gesto em sua hora, o que quer que estivesse sentindo. De todo modo, e ainda mais orgulhoso, imagino-a em minha fantasia me dizendo:

4.

Hilda:

- Comparada com a larga eternidade de nada sentir, nada provar, nada tocar, nada ver e ouvir que nos espera, a morte no sono, como dizem que coube a Chaplin, vale o que valem as dez costelas partidas, as orelhas arrancadas, os dedos decepados, a laceração horrível entre o pescoço e a nuca, a equimose larga e profunda nos testículos, o fígado lacerado, o coração lacerado, o rosto inchado e irreconhecível, as hematomas, última forma física assumida por Pasolini nesse louco planeta que agora, para você, gira também sem mim.

H., Carlito Azevedo, 2009

Sunday, March 20, 2016

brazyl

são tantos sorrisos retumbantes
à beira da cama que eu nem
acredito no ponto final desse
meu corpo forte mas tão doente:

- eles estão rindo e sempre cantando num estranho deleite
sem qualquer sentido diante da dor
e dos insossos berros coléricos

os poetas estão todos mortos
e não vai haver qualquer elegia

não existe lucidez nas trevas

ah, estas veias cheias de ódio vil
órfãs da tempestade, desesperadas
pelo desapreço das evidências

ah, esses nervos e músculos torpes
desenganados, cientes dos fins
- é o sentido da vida, se cabe o caso
- os aplausos de velório são mansas demonstrações de derrota

os patriotas são baús de ossos

quando a história termina, que diferença faz saber do final?

ah, praia bela de gente bonita
tu não podes ser nova senzala
e tu, corredor das compras, erga teus braços e afaste os porteiros:
somos ordem, progresso e hipocrisia
braços abertos à putaria sem gozo
fodam-se o amor e a amizade!
estão à vista as veias abertas da escrotidão mais sincera

nossos heróis idosos dizendo adeus
e ninguém entende mais nada
farsantes da ribalta e seus choques de ordem são o cheiro da geladeira do necrotério
que tal um novo feriado feliz?

aquela voz enternecida prestes a ler um inútil testamento

vamos fingir que somos eruditos
usando nossa melhor verborragia:
isso impressiona! uau! é foda!
dane-se o que é dito, basta parecer sofisticado e rico
mesmo numa fisionomia otária

uma salva de palmas para a podridão
enquanto a memória celebra
a luta dos homens humildes
em vão

amanhã vai ser um belíssimo dia
onde o horizonte encontrará os silêncios, o Carnaval dos silêncios
adeus, juventude! até nunca mais

as ruas estão cheias de guardas
o crime compensa

as ruas estão mortas, estupradas
a hipocrisia é riqueza

@pauloandel

Tuesday, March 01, 2016

só os idiotas respiram recalque

só os idiotas expiram recalque:
os agredidos não o fazem
os indigentes não comparecem
os doentes têm mais o que perder

o bom recalque, de safra refinada
precisa ser servido em bandejas
e servido num gole só - com soluço:
a idiotia é oponente do sabor

basta engolir ou cuspir!

nunca se soube de um idiota bondoso
amigo, agregador, coirmão:
tudo isso exige grandeza e isso
não se dá com o franco recalque

homens de bem pensam no todo
os geniais trabalham a mente
os esforçados suam e correm
o recalcado não: ele só tem tempo
de mostrar o quanto é idiota
idiota
cinco mil e três vezes
idiota

@pauloandel

Monday, February 29, 2016

você é idiota assim mesmo?

você é idiota assim mesmo?
com essa marra otária
que vai do nunca ao nada
enquanto a vida chove
na estrada de terra do tempo

você é idiota assim mesmo?
berrando em conversas
batendo no peito sujo
com tanto orgulho de bosta:
"quem manda aqui sou eu!"

estuprando a democracia
e mentindo de mesa em mesa
sem enganar ninguém

com seu português primitivo
e frases copiadas de cardápios -
quem vai se enganar com isso?

você é idiota assim mesmo?
assim mesmo?

você é idiota assim mesmo?
assim mesmo?

ainda há tempo de pedir exílio
desse analfabetismo mental
e do comportamento irracional
aleluia, irmão! de novo à escola

não, não, não pode ser
você não pode ser idiota
desse jeito que já vimos
não! não! idiota, não!
nós já temos um lobão!

@pauloandel

Monday, February 15, 2016

distante grande coração

ah, distante grande coração
que me acolheu em naufrágios
das palavras desencontradas:
sou teu amigo, irmão orixá maré
ainda que as águas sejam bravas

em teu pulsante músico ecoam
versos sentimentais da juventude
silêncios impostos pela vivência
e outras grandiloquências ao léu
- desimportâncias de ler e aprender

meu distante grande coração de fé
a orla agora parece tão desprovida
das nossos melhores concessões
- não somos velhos mas perdemos
toda a inocência do riso infantil

eu quero ser eterno sonho inútil
nós procuramos perfeições à toa
- precisão é a ilusão do impossível
sejamos atos falhos de carne e luz:
vivamos então melhores dias aqui!

@pauloandel

Thursday, January 14, 2016

sorver você

sorver você, que bom:
não vai ter drama nem caô
apenas luxúria, desejo, poema
secreções de rendição
incontrolável tesão
pequenas grandes putarias

no grande mar dos carinhos

sorver você, tão bom
feito fruta à ceia, fruta à pele
desnudada e liberta, saborosa
com pequenos líquidos à solta
em cada naco ou breve fatia:
vamos celebrar as cores do prazer!

sorver você ao léu
em campos de panos bons
até desfraldar bandeiras brancas
e fazer do êxtase a paz, a paz!

sorver até o gozo ser elegância
entre língua, carne e sonho:
nosso louco amor em cores vivas
e corpos sedentos, imersos
em plena noite adolescente

@pauloandel

Sunday, January 10, 2016

enquanto o sol quase nasce

enquanto o sol quase nasce
e uma réstia de luz escapa à cortina
as imagens subitamente vem e vão
entre o gozo e o escape
um beijo intenso numa estação do metrô
que tal velhos amigos trazendo esfihas a granel?
ou uma linda mulher semi-nua
enquanto o sol quase nasce
tudo muda a mil quilômetros por hora
o tesão vira cemitério; a luxúria, caráter
os amigos sorridentes são só lembrança
e mais um dia nos disse adeus
existe um sol intenso lá fora
e a vida, às vezes tediosa, persiste
numa caravana de sim e não
entre reticências e exclamações
até o inevitável caminho da morte -
a certeza com os caminhos mais duvidosos
os sinos dizem olás e adeus
as cabeças falam e dançam
na anarquia louvável das cidades
enquanto o sol quase nasce
miséria e riqueza se esbarram
numa calçada tão indiferente
- somos animais muito cruéis!

@pauloandel

Monday, January 04, 2016

o idiota americano e outras histórias

não me queira como um idiota
brasileiro, argentino ou americano
do oriente ou do ocidente, tanto faz
não me interessa ser um papagaio
das manchetes pagas em prestações
eu não sou um boneco a serviço da fé em pastas de dólares e jatinhos
não me queira como um idiota, um alienado que nunca soube o passado
eu não sirvo para este rude papel
não me queira feito um completo idiota
sem noções elementares de português e matemática
não subestime a minha inteligência porque não não desprezo tua ignorância
meu carnaval não tem agressões
nem estandarte e ouro, nem nota 10
a mais nova superbanda é desimportante
as crianças não merecem ser sacrificadas
ninguém deveria morrer por acidente
não me tome por idiota
são trezentos, trezentos e cincoenta bilhões sonegados
são cinquenta anos de acordo
as cidades ainda são tão bonitas
para merecer pequenos índios assassinados
famílias eletrocutadas
o descaso, a casa do caralho
eu não sou idiota para beijar a mão
dos capachos corporativos na TV
- a revolução é no teatro!
não me queira como idiota
porque cultivo amores impossíveis
pátrias perdidas, bairros mortos
eu apenas aplaudo o melhor que já passou
e não aceito imitações fajutas
não me tome por idiota: eu sou bem melhor do que o falso cronista da tua revistinha de merda
leio e escrevo com meu próprio pensamento
toda massa de manobra é nojenta!
estou longe de ser um idiota
porque estou do lado da paz de espírito
que você jamais entenderá
com o seu shopping center vulgar
ou a breguice continental de Miami
não me queira como um idiota
- estamos longe de qualquer semelhança
o meu abraço é para os desocupados
os vagabundos com roupas poídas
gente dos trens suburbanos
o meu abraço é a solidão estupenda
mesmo com os melhores amigos
as grandes mulheres, simpatizantes
porque meus versos livres são tortos
e acordam às onze da noite
não me queira como idiota
se você evoluir, podemos conversar
e me rebaixarei com elegância:
antes disso, leia mais poesia
fuja das obviedades chinfrins e vãs
entenda que pode aprender com todos
mas procure ler o que vale a pena:
praticamente todo o desconhecido
não me queira como idiota
eu sou a Prado Júnior, o Grant's
a calçada da City Lights Books
a baleira da Santana
e o balcão da Al Farabi
tudo está irremediavelmente perdido
quando você me vê como idiota
porque eu não sou um espelho
mas apenas um homem que te estende a mão
um cavalheiro de verdade - e isso pode te estuprar na empáfia

@pauloandel