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Sunday, August 25, 2019

as pessoas têm morrido demais

as pessoas têm morrido demais e rápido demais. estão assustadas, ameaçadas, verdadeiramente desesperadas. o ódio vira incêndio e tiroteio conforme a ocasião. as pessoas estão indo embora cedo demais. quem fica vê o horror da necropolítica, o desprezo, a destruição. celebrar o crime virou orgulho, trair e trapacear virou qualidade, humilhar é poder. as pessoas são incapazes de ver a dor do outro e acham tudo normal, esquecendo-se de tanta indiferença ainda vai criar uma nascente de vingança, que crescerá até que nos apedrejemos nas ruas. estamos indiferentes aos inocentes fuzilados, aos corpos desaparecidos, aos estupros e sevícias, ao assédio tosco e vil, aos despejos e leilões, aos suicídios tratados com silêncio, à injustiça. tudo isso só pode ser tratado com naturalidade por cabeças de merda, comandadas por espíritos de merda. é a grande guerra onde quase todo mundo morre no final, para o deleite de uma minoria mesquinha, asquerosa, nazifascista, hipócrita e criminosa. os pequenos bandidos cometendo pequenos crimes e sonhando ocupar o lugar dos grandes falsários, uma ingenuidade estúpida. as pessoas têm morrido demais e rápido, com missões incompletas, enquanto ratos de esgoto travestem-se com roupas de marca e fingem ser lordes, mas não passam de ralé suja de merda.

Thursday, August 15, 2019

luzes da cidade de copacabana

O que sei é que havíamos viajado para Arraial do Cabo por alguns dias, quando podíamos fazer isso sem nenhum dinheiro - exceto para as refeições e um ou outro lanche - não sei como era tão pobre mas conseguia fazer aquilo. Voltamos para Niterói e caminhamos da Rodoviária até às Barcas rumo ao Rio. Lembro que a tarde era um pouco nublada. 

Durante a travessia da Baía, combinamos de lanchar no Bob's mais tarde, só para ver a grande novidade de Copacabana: a iluminação completa da praia. E assim fizemos, entre um Big Bob e um sundae de morango. 

Por volta das seis e meia da tarde, descemos a velha Figueiredo Magalhães até a Atlântica, quando a vista nunca pareceu tão deslumbrante: o céu de azul escurecendo, as luzes fazendo uma grande trilha de ponta a ponta na orla. Dava para ver a areia, a beira, o mar. Bom, os casais safadinhos saíram perdendo seus rompantes idílicos, mas nem sempre se pode ganhar todas. 

Era um sonho. Eu, que passei dez anos consecutivos pisando nas areias sem poder ver direito a bola, enxergava tudo. Ao mesmo tempo, me dava certa melancolia: eu sabia que não ia ser mais como antigamente. Começávamos faculdades, o pessoal trabalhando, os encontros iam ficar mais escassos, não daria tempo para jogar tanta bola. 

Eu me lembro que Ana e Henrique ficaram extremamente contemplativos diante da vista nova de Copacabana. Algo entre o inverno e a primavera. Um dia de semana com pouco movimento, nenhum calor, nenhum vento frio, certo silêncio e mistério que a orla sempre tem de alguma forma. 

Eu olhava para a areia e procurava meus amigos, imaginava lances, via garotas bonitas no pensamento e, por vários instantes, não era apenas um súdito daquela linda terra para onde fui com três dias de vida, mas me sentindo um pequenino rei daquela terra macia, rei das jogadas, olhando o ir e vir das gentes, pensando também que já estava distante dos tempos de menino da praia, onde tudo era futuro. 

Nós, que tanto conversávamos, ali estávamos completamente mudos, docemente entorpecidos pela beleza da geografia que sempre nos abraçou. Ao longe, os outros dois Henriques - um, grande, parceiro da UERJ e o outro, pequenininho e gente boa, faziam barras. O nosso silêncio era um espírito da paz que parecia não ter fim - e talvez não tenha tido mesmo: por anos e anos a fio, sempre que estive em algum pedaço de litoral, pensei nesse dia de paz, dos raros na minha vida. Ano passado, escrevi um livro em três noites na Praia dos Ingleses, em Florianópolis. Eu estava lá, mas sonhava e revia o berço esplêndido das areias de Copacabana, as mesmas onde gostaria que jogassem as minhas cinzas - mas isso não tem a menor importância.

Nunca mais me esqueci das luzes da cidade de Copacabana. Elas não se apagam.

Wednesday, August 07, 2019

copacabana solidão

sozinho na praia deserta de copacabana/ perdi um poema livre inteiro/ que falava da minha dor/ com meus olhos cheios de tristeza/ e incerteza/ enquanto a maresia suaviza a noite em riste/ areias de encanto mas também miséria/ e a solidão sem fim de frente para o atlântico sul/ copacabana minha praia/ minha casa abandonada/ procuro pelos meus amigos mas estão todos mortos/ ou ausentes para sempre/ não vejo meus pais de mãos dadas/ não abraço meu irmão/ não aperto a mão de meus colegas/ os bancos do calçadão hospedam a tragédia/ a cocaína escarra na desesperança dos junkies/ where's my violet femmes?/ o posto seis a bolívar a constante a figueiredo o lido/ parece que estamos em 1936/ os carros não passam para buscar as travestis/ copacabana o meu delírio sem encarnação/ as pessoas estão trancadas em seus apartamentos/ e só berram por justo motivo/ a praia deserta de copacabana é minha liberdade e certeza de condenação/ estou desfigurado/ meu mapa mundi é um horizonte apagado debaixo de um céu nublado e frio/ existe o amor em muitos lugares de copacabana/ noutros ele desacontece/ os tiros na ladeira aleijam a alegria/ meus escoteiros estão sem teto/ por culpa do grande capital da humilhação/ nos arredores da praia mais linda do mundo há o cheiro das ruas tristes/ e os lindos puteiros estão fechados/ eis a cidade reacionária/ quem vai perdoar minhas dívidas como eu perdoei a meus devedores?/ existe o ódio ao longe/ o fracasso da sociedade debaixo das marquises/ a devastação escondida entre coqueiros/ onde foi que enterraram os meus amores?/ não quero amolar ninguém/ apenas choro sozinho olhando o horizonte do mar noturno de copacabana/ minha logotham city/ fausto fawcett meu batman/ quem vai pagar o preço do descaso? há luzes ao longe fracassos corporativos e pequenas ambições/ copacabana é dos humildes/ os oprimidos que se esgueiram nas beliches das quitinetes/ e na favela esperta/ no drible malandro do jogo de praia/ no saudoso zé das medalhas/ há navalhas em muitas carnes/ enquanto outras repousam em berço esplêndido/ eu sou a tristeza e o fracasso o fim da linha/ a artéria entupida em desamparo/ onde vou encontrar meu biscoito chinês da sorte/ por entre as quinquilharias de copacabana?/ o verdadeiro poema foi perdido/ este é apenas um prêmio de consolação de um poeta fudido/ sem futuro nem rastro/ à procura das últimas esmolas de amor de seu aquário natal/ eu procuro o jazz e o blues das profundezas de copacabana/ ainda me lembro do grande mendigo caminhando solene pelas últimas calçadas de carinho em copacabana/ meu amor nunca mais vai responder/ eu digo adeus.

Sunday, August 04, 2019

foco!

estamos juntos, estamos longe
qualquer abraço é memória vã
continuamos imperfeitos de fé
e desperdiçamos tanto tempo
que agora uma hora é um mês
não temos tempo nem conforto
nem oportunidade ou mera rotina
o que nos resta é viver do passado
o que foi, o que não foi, o talvez
o que poderia ter sido duma vez
o que não daria num campeonato
e agora somos outros, multi outros
choramos sozinhos no sofá de casa 
nos arrastamos em nossas sombras
e fisgamos a luz à primeira réstia
não temos mais mesa ou conversa
ninguém vai falar ao telefone, ora!
basta um ok, um olá, um polegar
enquanto ouvimos velhas notícias
de um país contaminado e colérico
ninguém mais vai ter tempo, não!
agora somos masterchefs de família
com o limite da conta estraçalhada
e o cartão cheio de grandes bobagens
uma postagem basta, é o que resta
até que cheguem as péssimas notícias
os velórios, a missa de sétimo dia
para então fazermos vale de lágrimas
em nome da nossa hipocrisia ferina
ah, que pena! não deveria ser assim!
depois de doze dias, quem se lembra?
e achamos que sofremos muito, muito
em camas confortáveis neste domingo
de inverno cruel para os desprezados
nós não temos tempo mas temos likes
e muitos comentários, muitas figurinhas
ah, que pena! força! bora empreender!
foco e mira nas oportunidades! crescer!
nunca fomos tão sinceramente idiotas