Domingo à noite, perto das nove, nove e pouca, deixo a casa de Katia na Barata Ribeiro e peço um Uber na portaria do prédio. Enquanto o carro não vem, espio a calçada onde tricolores e flamenguistas vêm e vão, voltando do Maracanã ou dos bares. É o futebol, nosso ópio admirável que faz apaixonar.
A um minuto do embarque, o motorista cancela a corrida. Já na rua, com mais gente do que eu esperava, resolvi não pedir outro carro imediatamente e, mais do que isso, andar sobre os paralelepípedos da minha infância por alguns instantes.
Metros adiante, o Edifício Richard, número 194, um respeitável condomínio que ganhou muitas manchetes no passado, quando era simplesmente o 200. Era um microcosmo do bairro, ou melhor, ainda é. Detestado pela burguesia barroca, admirado pelo underground, teatro do submundo, hoje casa de grandes intelectuais, escritores, professores e também de algum pecadinho, porque ninguém é perfeito.
Desde o golpe de 2016, Copacabana ganhou uma estranha pecha, a de capital do nazifascismo tupiniquim, tudo porque os amantes da terra plana e do milicianismo político resolveram fazer suas passeatas na Avenida Atlântica, aos domingos. É certo que muitos simpatizantes da arminha ainda moram por ali, e não se pode descontar apartes históricos de um bairro cheio de elevadores de serviço por toda parte, mas na essência Copacabana nunca foi uma aldeia reacionária. Eles, os que insistem em depreciar a Princesinha do Mar, não sabem absolutamente nada de Copacabana, talvez um dos únicos lugares do mundo onde ricos e pobres ainda compartilham os mesmos espaços públicos.
Tudo começa pela praia, que possui sua geografia política própria mas incorpora todas as tribos: gatinhas, marombeiros, craques da pelota, bonecas e muita gente que vem da cidade inteira, mas que ao chegar à terra copacabanense age como se fosse local - quantas musas do bairro não iam embora da praia via 434, 474, 415 e outras linhas de ônibus?
Se a população envelheceu e a boemia encolheu, paciência, mas não há como apagar a história de bares e boates memoráveis, dos inferninhos aos templos da bossa nova, chegando até aos botecos sobreviventes - os catedráticos de Copacabana sabem muito bem que o Pavão Azul, antes de se tornar uma potência, era um botequim humílimo mas sempre de iguarias inesquecíveis. Recém-chegado, o Parada de Copa já é um digno herdeiro da tradição do Cervantes. O Sniff's não resistiu depois da pandemia, mas acumulou histórias em meio século no Shopping dos Antiquários - deu até livro.
Copacabana não é para amadores e calhordas, nem para ressentidos com o bairro mais famoso do Brasil, tão plural que abrigava golpistas e ditadores junto a revolucionários, democratas, estudantes, camelôs, artistas, desocupados e quem mais viesse. Palco plenamente possível da festa de "A rainha diaba", filme protagonizado pelo brilhante Milton Gonçalves, que acaba de nos deixar.
Os detratores de Copacabana nunca viram o goleiro Renato voando em defesas para o time de praia do Lá Vai Bola, nem Tião Macalé reclamando da arbitragem numa outra partida de areia. Nunca viram o esplendor de Rogéria sendo saudada por populares à rua como verdadeira personalidade do bairro. Nunca souberam de Lina, a moradora de rua que lia o New York Times na calçada com excelente pronúncia. Nunca lancharam hambúrguer com mate na Sorveteria Bolonha, nem pizza no Sumol às duas da manhã, esquina de Barata com Figueiredo.
Nunca viram os garotos jogando botão debaixo da escada rolante fajuta do shopping, nem Clóvis Bornay cumprimentando a todos gentilmente na porta do Coruja Bar. Não sabem sequer que o Parque Peter Pan tinha uma linda e maravilhosa baleia na entrada, por onde as crianças entravam e se encantavam. E nunca poderiam uma imaginar uma bicha maravilhosa discutindo um Fla x Flu de antigamente com um general aposentado no elevador - isso, até chegar à portaria, onde o funcionário do prédio, vascaíno, se mete no debate esportivo.
Depois de um pequeno lapso de razão, lembro que preciso ir embora, que amanhã é um novo dia e a segunda-feira não perdoa. Aperto os botões e um carro me levará dentro de três minutos. Eu não moro mais em Copacabana, mas ela não sai de mim.
@pauloandel