Todo santo dia, uma menina passa por perto de uma praça, onde hoje vivo
É rotina que insiste em transportar minha atenção para aquele mesmo trajeto
Faceira, vem e vai com seus trajes de belo corte, e melenas que livres flanam
Gosto de reparar seus nos modos, que remetem-me à velha canção de Gilberto
Alguma coisa sobre tradição e, ao mesmo tempo, sobre um tal jeito diferente
Ela desloca-se com admirável classe, em firme e decidido compasso de saída
Fosse eu um grande poeta, naturalmente traduziria sua candura em bons versos
Uns seriam mais recolhidos, outros mergulhariam num oceano celestial de paixão
Para que as doze ondas banhassem seus cabelos sedosos com o melhor carinho
E combinassem com o esmeraldino que faz justo enfeite a seu olhar distanciado
Procuro ao fim da praça, buscando quem seria o escorte preferido da tal menina
Olho e não vejo, ouço e não escuto, vasculho e desencontro signatário da sorte
Nada encontro pelos arredores, um murmúrio sequer
Havendo Deus, quem teria sido nomeado o fiel guardião daquela formosura?
Não tenho palavras e nem outras respostas que possam servir de forte amparo
Antes da primeira curva, ainda noto forte harmonia no suave passo da menina
O corpo que segue rota delicada, pequeno de tamanho, mas presença gigantesta
É como se fosse um novo pincel, quando namora gouache para beijar aquarela
E desenhar sonhos, desejos, dolências e carícias, luz de noite azulada e poesia
No fim do caminho, tenho a quase impressão de que ela flutua em vez de andar
Pois seus pés parecem desprezar quaisquer confrontos ou atritos contra os chãos
Dois amigos, entorpecidos, apresentam a exata solidariedade com minha causa
E, sem um fonema sequer, fitam-na do jeito como eu sempre faço, diariamentes
Ela desliza, solta, charmosa de inverno e linda, despedindo-se do horizonte
Parece que baila
E a praça termina, emudecida, divina
1 comment:
Aprendi muito
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