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Sunday, December 24, 2023

Noites no campo

Quando a noite cai na véspera de Natal, o silêncio das ruas ecoa. As pessoas ficam em casa ou na de terceiros, a turma sem casa é apagada do mapa e tudo fica diferente porque nós, cariocas, sabemos estar numa cidade pra lá de ruidosa. Agora, nas ruas, tudo é silêncio. 

Gosto. Gosto sim. Gosto do silêncio. Sempre gostei. Adoro música, sons, conversas, mas sou cada vez mais do silêncio. E uso o WhatsApp para conversar com poucos colegas. 

Meu referencial de silêncio sempre foi vinculado ao escotismo. Foi um tempo tão marcante para mim que me acompanha até hoje, embora seja muito difícil para um legítimo escoteiro viver nessa terra de ódios, egoísmos e muita ingratidão. Mas o que importa é falar do silêncio.

Mesmo quando acampávamos em propriedades fechadas, a ronda noturna era uma atividade obrigatória que os escoteiros se revezavam durante a madrugada. Em muitas ocasiões, facilitei a vida dos colegas e fiz a ronda além do meu horário, ou dobrada e até triplicada para mim. Eu me sentia bem ao ficar alerta contra qualquer problema, me sentia útil e, além do mais, ficava preocupado também por ser um dos mais velhos - dezesseis anos, ahaha. 

Em certo momento todos do acampamento dormiam, exceto o pessoal da ronda, e então o silêncio dominava todo o cenário do campo. É preciso estar atento até porque podem surgir pequenos animais no caminho. No silêncio você escuta as folhas das árvores balançando, o vento cortando a relva fina, passos ao longe. É um outro mundo sensorial. 

Numa vez foi engraçado: acampávamos em Vale do Sol, imediações de Papucaia, com bastante espaço mas vizinho de gado. Incrível que, num acampamento de três noites, em todas uma vaca teve insônia e se aproximou da ronda. Estávamos sentados, ouvindo música baixinha no rádio que eu sempre levava e bebendo vinho - ok, menores infratores. A vaca vinha, ficava na dela paradona, meio que nos observando, até que soltava um mu, dava mais um tempo e ia embora. Ela vinha devagar, parava, se manifestava e saía. Nós achávamos graça. Tudo era paz.

Numa das últimas noites que acampei por lá, eu estava sozinho e o parceiro da ronda ainda ia se levantar. Todos roncavam tranquilos depois de um dia intenso de atividades. Os chefes foram para um bar fora das chácaras. Eu olhava o silêncio, a imensa escuridão, ouvia todos os sons discretos. Desta vez, sem a querida vaca. Havia um pouco de vento frio. O rádio sempre baixinho, acho que tocando Stevie Wonder, tenho quase certeza. 

Subitamente, com seus passos delicados de bailarina, uma das nossas colegas se aproximou e perguntou se poderia ficar ali pois tinha perdido o sono. Claro que podia. Ela se sentou ao meu lado, sorriu e embarcou no silêncio. Falamos poucas coisas e continuamos a espiar a imensidão da natureza em frente ao acampamento, que é uma das lindas imagens que carrego comigo em fotografias da memória - o som e o rosto das noites no campo. Com mais frio do que eu, ela puxou a minha mão para esquentar a sua, realmente bem gelada. E ali ficamos por muitos minutos os dois, olhando para o infinito como se fosse o futuro a nos esperar ou o início de uma longa, longa trilha. Um garoto e uma garota no esplendor da juventude, mergulhando em sonhos indescritíveis enquanto se protegiam com as mãos dadas. 

Essa noite tem quase quarenta anos. Aquele mundo não existe mais, mas as conexões que existem por aí me permitiram voltar a um grande tempo de boas lembranças e pequenas cenas inesquecíveis para quem as viveu e sentiu. 

@p.r.andel

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