Numa quarta-feira à tarde qualquer de 1980 ou 1981, 1982 também, a gente jogava bola na Lagoa. Éramos poucos, uns cinco, número insuficiente para o campão de terra, então improvisávamos na quadra de futebol de salão. Gol dentro da área e tal.
Vínhamos de Copacabana caminhando. Siqueira Campos, Tonelero, túnel, Pompeu Loureiro, Corte do Cantagalo. Não tínhamos exatamente a bola de futebol de salão, porque era mais cara e não podia ser usada em outras possibilidades, como a pelada na Vila - rua Tenreiro Aranha, hoje ocupada pelo metrô - e, claro, futebol de praia. Também tinha a saudosa quadra do Corpo de Bombeiros na rua Xavier da Silveira, que geralmente alugávamos para jogar no domingo de manhã com a turma dos escoteiros.
Às vezes o jogo era completado por algum garoto por perto. Não gostávamos dos mais velhos, quase sempre eram arrogantes e grosseiros, mas eram a única saída. Tudo pertinho do Parque da Catacumba. Tínhamos nossos ídolos e tentávamos imitá-los na quadra. Eu imitava o Edinho, aliás imito até hoje quando o assunto é seriedade e compromisso, itens nos quais ele era especialista em campo. Muitos queriam ser Zico ou Júnior, outros Roberto. Ou Mendonça, ou Leandro.
Normalmente a pelada começava umas duas da tarde e ia até às cinco. Com o sol caindo, então iniciávamos nossa procissão da bola até a Siqueira Campos, em Copacabana. Tínhamos um ponto regular de parada, um posto de gasolina que ficava aos pés do Corte do Cantagalo, hoje ocupado por um grande prédio. Bem, comprávamos um litro de refrigerante, distribuíamos os copinhos de plástico e nos refrescávamos. Às vezes parávamos num botequim ou padaria mais à frente, já em Copacabana, mas a regra era o posto de gasolina.
Jogamos muitas vezes na Lagoa e foi muito bom. Não me lembro da primeira, mas tenho certeza da última. Foi em 05 de julho de 1982, logo após a vitória da Itália sobre o Brasil na Copa do Mundo. Era feriado, tudo estava fechado, e nós fomos o que deveríamos ser ali: garotos bondosos, apaixonados por futebol, tentando esquecer a tristeza daquele jogo. Todo mundo chorando, as ruas desertas, juntamos meia dúzia e fomos para a Lagoa. Não havia carros, nem ônibus, nem pedestres. Você não via sequer os porteiros dos prédios. Era um ensurdecedor silêncio de morte. Chegamos à Lagoa deserta, começamos nossa pelada que durou uns vinte minutos, até que o Marco deu um chutão para longe e a bola se afogou n'água para sempre. Perdemos a pelota, droga.
Voltamos a pé, não havia o que fazer. Quando fomos comprar o refrigerante no posto, o bar estava fechado. Subimos e descemos o Corte do Cantagalo, éramos nós e o silêncio da rua. A padaria da Bolívar também estava fechada, então entendemos que não era dia e voltamos pra casa com sede. Só depois fomos entender exatamente o que era aquele dia para o sentimento popular.
Por alguns anos, o futebol na praia e no Corpo de Bombeiros comeu solto, mas na Lagoa nunca mais voltamos. Não foi planejado nem combinado, simplesmente deixamos de ir. Claro, ficou na nossa memória o trauma daquela derrota quase inimaginável, mas nunca falamos disso. Simplesmente aconteceu.
Entretanto, se a dor do Sarriá ficou para sempre, a alegria pelo futebol permanece: não há cartola, tramoia ou intriga que interrompa a velha e irresistível mania do maravilhoso jogo de bola.
No comments:
Post a Comment