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Sunday, August 06, 2023

O trovador anônimo

O Sr. Robert, 70, desceu à rua. Veio ao Rio de Janeiro por motivos profissionais, mas já conhecia a cidade de outros tempos.

Num domingo nem frio, nem quente, com nuvens em Copacabana, ele caminhou vestindo um casaco talvez jeans, uma touca e óculos escuros. Noutros lugares, talvez a indumentária chamasse a atenção, mas não no bairro da praia mais famosa do mundo, onde andar vestido com um uniforme de super-herói ou com uma fantasia de viking não causa qualquer espécie - desde os anos 1940, alguns moradores da região faziam coisas bem piores (ou melhores, dependendo do ponto de vista).

Passando pela Rua Ronald de Carvalho, avistando a Praça do Lido, depois engatando na Belford Roxo (onde já não se encontra a famosa discoteca Pussy Cat, com deliciosas garotas de lingerie, se muito) e espiando o mar na Avenida Atlântica, para depois voltar pela Prado Júnior (a menor avenida do mundo, berço dos prazeres mundanos do bairro) e encontrar a Barata Ribeiro (passando em frente ao Cervantes, o mitológico bar de sanduíches e chopes imortais, frequentado pelo poeta Fausto Fawcett, o Jack Kerouac de Copacabana - já o Jack Kerouac original é um dos ídolos do flâneur em questão), o Sr. Robert andou com as mãos no bolso, discretamente, e não trocou uma só palavra com qualquer pedestre, o que não lhe era estranho - ao trabalhar em outras cidades do exterior, muitas vezes foi às ruas para bater perna e espionar um pouco dos mundos humanos. 

Ninguém o estranhou, pediu-lhe alguma informação ou perguntou-lhe as horas. 

Caminhou por uma hora aproximadamente até voltar aos seus aposentos, de onde só sairia à noite para a lida profissional. Experimentou a música urbana das ruas de Copacabana. 

Durante o percurso, espiou revistas numa banca de jornal e achou graça numa manchete musical pendurada. Admirou duas lindas mulheres, uma delas muito parecida com sua musa Alicia Keys. Riu de um garotinho que corria atrás de um balão. E estranhou que os carros ultrapassassem o sinal vermelho numa boa. 

Conforme o esperado, à noite ele desceu novamente, agora para a labuta. Uma van o esperava à portaria. Foi para o seu ofício de muitos anos, onde foi efusivamente recebido pela sua clientela e retornou já de madrugada, apenas para dormir e preparar uma nova viagem a serviço, prática que já exerce há tempos e tempos. Sua caminhada pelas ruas de Copacabana teve um sabor especial: em muitas viagens, ele não tem a oportunidade de caminhar nas ruas, seja pelo tempo escasso ou por outras questões. 

Na manhã de segunda-feira, já estava sentando praça no Aeroporto Tom Jobim, pronto para mais uma jornada de trabalho em algum lugar dos mistérios do mundo.

Dias depois, foi revelado que um único cidadão teve a curiosidade de registrar a caminhada breve, anônima e solitária do Sr. Robert pelas ruas dark side de Copacabana. Ele o fotografou em close, mas ninguém tinha entendido nada nem prestou atenção - o bairro que nunca dorme tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. As fotos foram parar em jornais e revistas imediatamente. 

Nem todo mundo sabe que o Sr. Robert é na verdade o maior artista estadunidense vivo em qualquer área, atendendo em suas rodas de trabalho - há mais de meio século – pela alcunha de Bob Dylan, o bardo imortal. 

[os tempos mudaram, rapazes!]


(Publicado originalmente em "Os trechos dos livros que ainda não foram escritos", Vilarejo Metaeditora, 2018)

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