Via de regra, o grupo de escoteiros vivia sem grana e precisava se capitalizar. A festa junina da igreja parecia ser uma boa, mas era preciso fazer algo diferente a quinze dias do evento.
Bom, diferente já era todo o cenário: um grupo de escoteiros que realizava suas atividades no pátio da igreja católica, o mesmo lugar onde a festa iria acontecer. A igreja, cercada por condomínios na altura do terceiro andar de um shopping center. A vizinha de baixo era uma termas com alucinantes GPs de arrepiar - GPs: garotas de programa. Outro vizinho: um teatro de malucos e com espetáculos consagrados na história da MPB e da ribalta brasileira. No térreo, um supermercado, lojas de brinquedos e botequins. Traduzindo: Copacabana.
Os jovens chefes escoteiros adoravam o mé e batiam ponto toda noite em um dos botecos do shopping, o Sniff's. Aos pés da escada de acesso para o Teatro Teresa Raquel, e também para as Termas L'uomo, o bar era palco de várias reuniões de bate papo entre os tipos mais inusitados, de estudantes a intelectuais, passando por artistas, executivos, vagabundos, maconheiros de praia, jogadores de purrinha e, claro, os escoteiros. Dentre o cast de malucos, um nome reluzia: Eduardo Victor Visconti, o Seu Visconti, presença constante no Sniff's - sem jamais consumir - e multi homem: poeta, escritor, piloto de avião, filósofo, membro de academias de letras e astrólogo.
Entre refrigerantes, sucos de morango ao leite e cervejas, uma das escoteiras teve a ideia: e se o Seu Visconti fizesse voluntariamente mapas astrais durante a festa junina? Em plenos anos 1980, astrologia era a moda, mas era preciso acertar os detalhes com a patronesse do evento junino: a Paróquia de Santa Cruz de Copacabana. Afinal, não convinha ferir suscetibilidades religiosas. O filósofo, conhecido por sua excentricidade, topou ajudar o grupo numa boa.
Dias depois, uma comissão dos escoteiros reuniu-se com o pároco, Padre Ítalo Coelho, também fundador do próprio grupo no ano de 1963. As coisas se assentaram sem maiores problemas; afinal, a igreja - que tem um maravilhoso formato de base lunar - era conhecida por não ter imagens de santos, afora os cochichos em pleno pós-ditadura sobre o apelido do padre: "Vermelho". Os mais conservadores não engoliam a seco a ideia de irem à missa rezada por um padre comunista, mas em nome de Deus e com o balanço frenético de Copacabana, tudo se resolvia - muitas vezes com abraços entre santos, pecadores e diabos. O fato é que Padre Ítalo deu a benção ao projeto astrológico.
Duas semanas depois, começou a festa. Gente pelo ladrão, literalmente, subindo e descendo os três andares do shopping center, por meio de uma bela rampa circular. Churrasquinhos, batidas, jogo da lata, pescaria, canjica, tinha de tudo. Gatinhas a valer, marmanjos na azaração, gays alertas. Era o evento de Copacabana em junho.
Nos fundos da igreja, os escoteiros montaram uma grande barraca de acampamento para o atendimento de Seu Visconti aos clientes. E o que se esperava ser um reforço de caixa acabou se tornando a maior arrecadação da história do grupo em todas as festas. Nos três dias de comemoração, a barraca de mapa astrológico foi um sucesso, com uma fila a valer repleta dos típicos personagens do bairro: dondocas, gatinhas, naturebas, os próprios escoteiros, suas mães, amigas, os atores do Teresa Raquel e até às garotas das Termas L'uomo! Todo mundo em busca dos mistérios do futuro, das alegrias e decepções à frente, dos amores e tudo que pudesse valer a pena. Depois da festa tinha fila de espera para consultar Seu Visconti, que foi o verdadeiro popstar junino.
Dias depois, os escoteiros comemoravam o sucesso da festa no balcão do Sniff's: a grana dos mapas deu para comprar barracas novas para os acampamentos. No terceiro andar do shopping, Padre Ítalo agradeceu o donativo para as obras sociais da igreja, ainda que nenhuma imagem de santo testemunhasse. Alguém jura que duas garotas das Termas L'uomo largaram a labuta e encontraram os amores milionários de suas vidas, tudo previsto nos mapas astrais de Seu Visconti. Uma dondoca abriu sua cabeça na barraca e depois fundou uma ONG para combater a fome e a miséria. Um respeitável empresário desbundou, pediu o divórcio e assumiu sua sexualidade com um parceiro trinta anos mais jovem. E tudo começou numa conversa de botequim com a breve ideia de uma adolescente.
Seu Visconti já era respeitado no balcão do Sniff's, mas depois do sucesso dos mapas astrais ele experimentou a sensação de ser uma celebridade local, o que lhe fez muito bem em termos de humor. Até Paulinho Cana, seu vizinho, bebum e rival histórico nos debates de boteco, o aplaudiu sem rancor.
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