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Thursday, January 25, 2007

A última canção de Copacabana

eu sou a última, derradeira canção de Copacabana
e quem me entoa o faz em timbre mais que áspero
para recordar a certa época de gente mais fraterna
quando o bonde era desbravador da grande avenida
o meu cantar faz sombra, feito coqueiro a proteger
indigentes meninos negros e pobres, negros em cola
enquanto o Atlântico Sul repousa e também se agita
eu sou a praça Edmundo Lins quase calada, plácida
carente de crianças, sem feira nem festa, nem violão
perto da rua de Santa Clara, casa de Isabela, céu
eu sou o mendigo famoso e adormecido pelo éter
entorpecido na curta escadaria da Farmácia Piauí
enquanto um jovem casal de vibrantes namorados
troca juras de amor com uma casquinha na Bolonha
trazem-me à missa numa igreja um tanto diferente
com formato lunar e sobre um centro de comércio
sopram-me na praia num vespertino de sábado
e lá está o velho Juventus, e lá vai bola para o ar
eu faço força para aquecer os solitários corações
feito um dedicado escoteiro ligeiro da Santa Cruz
cada casa deste meu velho bairro faz-se pantheon
com seus Jorges e Clarissas, Ricardinhos e Bujas
eu faço voz aos desesperados, encardidos tristes
famintos de corpo e alma pelos postos e travessas
toda Prado Júnior, toda Francisco Sá, Inhangá
naus desgovernadas, mas resistentes pelo Leme
eu som o bom dia caridoso de um velhinho forte
para delicado travesti na calçada do Cirandinha
eu vivo solto ao vento, feito velha bandeira branca
fincada no alto do morro de chapéu mangueira
eu sou a última leviana canção de Copacabana
e nem mesmo o maior poeta deu cabo de mim
quando eu passar, haverá outra, mais muitas
tenho o mar, areia, meu palácio é grande hotel
caso meu destino seja mesmo descansar em paz
resta-me uma tarde esperançosa no Marimbás


Em homenagem ao grande poeta e cronista brasileiro Rubem Braga, com "Ai de ti, Copacabana"


Paulo Roberto Andel, 25/01/2007

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