Hoje, a expressão traduz que ainda não despertamos para alguma realidade, estando devidamente incorporada à língua corrente, mas quem se lembra de sua função original?
Num mundo sem celulares e com telefones residenciais caríssimos, a gente telefonava dos orelhões. Tinha fila, uns viviam cheios, outros eram cult.
Você depositava a ficha no telefone, ela fazia plim e você podia falar por quatro minutos numa ligação local. Um namoro adolescente exigia pelo menos dez fichas e a paciência de quem estivesse atrás na fila. Às vezes, em alguns aparelhos a ficha não caía, então o sonho do telefonema demorado se materializava baratinho. E a turma que amarrava linha na ficha para "pescá-la"?
Geralmente eu ligava pra casa quando viajava, acampava ou ia dormir fora. Ainda lembro da felicidade da minha mãe quando eu ligava. Nos acampamentos era mais difícil, mas eu dava um jeito de ir à cidade e telefonar. Ela gostava tanto. Como era bom ligar pra alguém que gosta da gente, sem saudosismo mas bem diferente da frieza das mensagens digitais.
Um orelhão em perfeitas condições era um estouro. Uma alegria. Ouvir e falar bem. Era o jeito de nos comunicarmos. Hoje, tudo ficou mais fácil, mas pouca gente quer ouvir o outro. Quem telefona pra quem? Quem tem prazer de ouvir a opinião do outro?
Durante muitos anos, trabalhei com o telefone numa tarefa não muito fácil: explicar procedimentos de cálculo. Essa parte tirou um pouco da minha vontade de conversar pelo telefone, mas nunca foi absoluta.
Num mundo em que as pessoas economizam palavras até na hora da morte de pessoas queridas, dá o que pensar. Por outro, muitos dizem que nunca se escreveu tanto por causa da internet. Ok, mas o que é escrito? O que agrega mesmo? O que integra, convida? Difícil.
E as fichinhas? De metal fosco chumbo, com o nome da Telerj e até da Cetel. Eram vendidas em cartelas. Com a nova tecnologia veio a era dos cartões telefônicos. O serviço continuou, mas o charme acabou. Já vinha um novo tempo.
Os orelhões são muito raros agora. Quando se vê algum, está recheado de panfletos de profissionais do sexo. Sim, a ficha já caiu.
@pauloandel
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