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Saturday, August 07, 2021

copacabana é um peito

Cinco para as duas da manhã de domingo do Dia dos Pais e faz um frio do caralho já no Túnel Novo, preparando o viajante para ingressar na máquina do tempo e cair dentro de Copacabana. É impossível virar pela diagonal à direita e, na esquina, sacar o Cervantes fechado - ninguém em pé tomando chope ou comendo sanduíches honrados. Não se sabe quando, mas o Cervantes precisa voltar porque é um patrimônio não apenas do bairro, mas do país. 

Quem seguiu em frente pela Barata Ribeiro não se tocou em passar pelo espólio erótico da Prado Júnior, que mantém sua luta pela sobrevivência num mundo cada vez mais retrógrado. O certo é que, numa das quadras da Barata está Katia França, eterno símbolo de beleza do bairro, provavelmente fazendo nebulização devido ao frio barra pesada. Katia, que não é Kátia Flávia e nem precisava ser, imperou nas ruas de Copacabana entre os anos 1990 a 2000 - agora está em casa descansando e se recuperando. 

Perto dela, outra referência de Copacabana está em casa porque os heróis do bairro agora não estão mais nas ruas, mas sim fazendo arte em iPhones respeitáveis. Fausto Fawcett, o Fausto Borel, poeta maior do pedaço e tradutor da língua downbeat copacabanense - ou seria cobacabanista? Nense no sufixo, é Fawcett, é Fluminense das três cores imortais cheirando as veias de asfalto de Copacabana. Fausto disse recentemente numa live que entende a saudável decadência de Copacabana, mas que ela jamais superará a vocação multifacetada do bairro - e, lógico, ele tem sempre razão. 

Passa Katia e passa Fausto, perto da esquina com a Rodolfo Dantas - será? - ou era Ronald de Carvalho? - ninguém vai se lembrar da maravilhosa pizza Capri. Faz quase cinquenta anos, assim como do outro lado ninguém vai se lembrar de que o famoso Edifício 200 agora - melhor, há muito tempo! - é 194 e ninguém vê mais seringas nas calçadas em tempos de festinhas down by law. Tudo mudou. 

Um único botequim solitário com a TV ligada e os sobreviventes da boemia gelada esticam seus pescoços, torcendo pelo Brasil na final olímpica de vôlei feminino, enquanto os EUA nos castigam mas nós temos Fernanda Garay, gata negra voando e batendo incessantemente - Garay tem o quê das gatas das redes da praia de Copacabana de alguma forma. 

Seguindo em frente, depois do deserto da praça Cardeal Arcoverde, uma família inteira deitada na rua com um frio do cacete perto da Caixa Econômica Federal. As ruas de Copacabana têm a dolorosa verdade crua da escrotidão social, cuja equação nunca fecha. 

Três quadras depois, os moderninhos ocupam a esquina da Hilário de Gouveia no complexo etílico Pavão Azul, com suas pataniscas imperdíveis, chopes de alívio e a pequena sensação de que a vida pode ser melhor. Ok, estão indevidamente aglomerados, sabemos o que isso significa. Vamos em frente. 

Barata Ribeiro, 450, Parada de Copa. Os funcionários do Cervantes fazem os sanduíches viverem ali. São iguaizinhos. Se a entrada de Copacabana agora causa tristeza imediata com o bar fechado, pelo menos o lanche é capaz de resgatar a identidade da parada. 

Depois da esquina com a Figueiredo Magalhães, alguém é capaz de jurar que tem um carro parado com som alto, tocando "Babilônia Rock", o clássico de Lincoln Olivetti e Robson Jorge na trilha do filme "Rio Babilônia", também uma representação do bairro. O roteiro do filme é do escritor João Carlos Rodrigues, também uma cobra criada da Avenida Copacabana. Tudo em "Rio Babilônia" tem um certo aroma mofado e duradouro de Copacabana. Mesmo que o som do carro fosse apenas um exercício de imaginação ou sonho, não importa: ele é possível, porque mesmo que Copacabana viva a decadência, ela jamais será capaz de superar a tradição de bares e lojas que já morreram, de gente que deu o fora e de histórias que são muito maiores do que seus personagens. 

Então aparece na tela a Galeria Menescal dormindo em silêncio no primeiro sábado de agosto, bem gelado e, do outro lado da rua, os mais jovens sequer desconfiam o que foram ali a Modern Sound, a Billboard e o Bruno Copacabana. Uma quadra de sons e imagens que se perdeu. Não se pode vencer todas, talvez nem a metade.

Numa janelinha de apartamento quase na Santa Clara, o Brasil continua brigando com os EUA pela medalha de ouro no vôlei feminino. Estamos perdendo por dois a zero. Na quadra toca Kiss, com "I was made for loving you" e, se alguns cinquentões estiverem atentos, podem se lembrar do show que sacudiu o Maracanã em 1983 e que, claro, na saída lotou todos os poros notívagos de Copacabana. Afinal, o Kiss é a cara da Prado Júnior. 

Cinco a quatro para o Brasil no terceiro set. O pulso ainda pulsa. Agora vem a esquina de Constante Ramos com Barata Ribeiro, o cadáver insepulto da Sorveteria Bolonha, nenhum resto mortal da Farmácia Piauí e nenhum vestígio na calçada elevada de um dos personagens mais famosos do bairro: o mendigo Mister Éter. Quinze para as três da manhã, Dia dos Pais, as gatas do vôlei seguem na luta, Copacabana é um peito. 

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