Agora é uma noite que avança
longa, fria. Os apartamentos vizinhos num completo silêncio que só é quebrado
por meu rádio e Marisa Monte cantando “ela vem e ninguém mais bela vem em minha
direção” – nem minhas belas vizinhas jovens dão sinal de vida, adormecidas que
estão com felicidade e corpo. Foram drinques, pequenas lágrimas, saudade, o
amor que não acontece, a sensação pálida de ser estrangeiro ao lado do corpo de
outra mulher antes da saudável solidão. As horas que não passam e você aflito
com o prazer alheio de quem não te ama, numa história sem é, cabeça, sentido,
começo e – que dirá - meio. Um livro de Keroauc em cima da cama conta sobre
homens que desfrutam o melhor de Nova York, com seus bares, o ir e vir
incessante dos transeuntes, as pessoas chapadas, a desilusão em nome do
progresso. Por que eu perco meu tempo pensando numa mulher que dorme com outro
homem em outra cama e jamais há de pensar em mim por um instante que seja, já
que nunca o fez? Por que não levo a sério as mulheres que dizem me amar e dão
demonstrações plausíveis disso? Por que – sem nenhum deus com culpa -, por quê?
Por que perco tempo com quem não me dá um pingo de atenção, ainda mais que
agora estou no lado escuro do quarto afora? Pensei que já estivesse
suficientemente dentro da velhice para estar livre desses desencontros, da
tristeza que é a falta de reciprocidade ou o incômodo de ter mais uma vez
desperdiçado tempo. Queria estar longe desses desejos tão saborosos, mas que
não levam a nada; ao menos, que fossem bem direcionados a quem pudesse me
confortar. E todo esse maremoto de sentimentos eu penso sem um fonema exposto
sequer – no quarto, só a pá do ventilador faz algum barulho. Tenho medo de ter
ficado louco à toa, mesmo que os loucos sejam os mais admiráveis – são os loucos
que subvertem a ordem vigente, são insubordinados aos chavões e aos
pré-estabelecidos, veem o tato da visão e ouvem o olfato do tato. Quem inventou
o amor a ponto de fazer os corações insatisfeitos em uma madrugada solitária,
sem ruídos, sem um lance que leve a cabeça ao Everest, sem carinho? Agora é só
uma longa noite vazia e funérea onde meu coração não descansa e tenho pena de
mim mesmo em vão. Agora é só um dia triste num deserto sem o amor devido,
aquele que ruge ao peito, que arrepia, que atravessa fronteiras e paradigmas,
que vocifera e acaricia. Então me pergunto: depois de tanto tempo parado na
esquinada memória, o que é que eu ainda estou fazendo aqui? Por que ainda não
peguei o telefone e liguei para a primeira garota generosa que quisesse horas de
agrado? Por que fazer papel de idiota a troco de nada? Tão estranho que uma
bobagem tão grande e desimportante seja simplesmente amor – e pior, de um sem
dois. A vida é hoje, amanhã não cabe. A dor é hoje e dói. A vida também rói.
Por que não estou no Grant´s, sistema nervoso central de Nova York, uma da
manhã, famintos e doidos indo de um lado para o outro, gente tentando achar uma
agulha de vida num palheiro? Talvez fosse menos desconfortável.
@pauloandel
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