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Friday, April 26, 2013

Mendigos e amores

Dois mendigos conversavam na grade da portaria do prédio onde moro, perto dela melhor dizendo, no fim desta quinta-feira que virou sexta, num tempo muito louco e diferente que tenho vivido.

Tinha acabado de ver meus amigos Kátia e Luiz, planejei uma pequena loucura, andei pela Prado Júnior quase à meia-noite e senti aquela alegria incontida que todo morador de Copacabana sente quando caminha feito hemácia pelas artérias de asfalto do bairro-mundo. Depois, tomei um táxi, pedi para ir pelo Aterro e lembrar do tempo em que dona Célia levava a mim e a seu filho, meu amigo Adão, para lancharmos cachorro-quente olhando o Atlântico Sul. Depois, as ruas intrincadas e desertas do centro da cidade, voltei para a Cruz Vermelha.

Um deles escutava um velho radinho de pilha, o outro ria e dizia de uma namorada do passado.

Desde pequeno eu considero inaceitável vivermos num mundo tão grande, com tanta terra e comida para que pessoas sejam miseráveis e morem nas ruas, não tenham casa, mexam no lixo em busca de uma refeição. Há quem não saiba ou finja não saber disso.

Alguém vai dizer que eu não passo de um comunista, no que tem toda razão. É um de meus orgulhos. Nasci em 1968, tive tio e pai presos pela ditadura, sempre estivemos em casa perto de Brizola, Darcy, Niemeyer, Prestes. Nunca aceitei e nem aceitarei a injustiça do mundo em termos de aparte social.

Não tenho dinheiro para tirar todos os mendigos da rua. Era o que eu queria.

Num súbito, parei e disse a ambos que eram importantes. Eles riram. Tinha dez reais e dei. Um deles me disse que eu era uma boa pessoa. Tenho andado pelo mundo e várias vezes há quem diga que sou uma boa pessoa, isso me dá alguma alegria.

Perguntei-lhes do amor que conversavam, o mais velho disse que era coisa de uns quarenta anos atrás, que nunca tinha esquecido a garota – era cozinheiro num restaurante e ela, garçonete – depois, por alguma razão que não disse ao certo, nunca mais se viram. Vejam bem, quarenta anos atrás, o sujeito padece num sofrimento sem par e fala de amor debaixo da marquise. Engoli minhas lágrimas e percebi o quão humano era aquele momento. Apertei-lhes as mãos, ambos pareceram surpresos.

Tomei o elevador. Carregava comigo um pequeno presente que vou entregar o mandar entregar para uma linda mulher. Desci no oitavo andar, escutei minhas vizinhas lindas conversando alto e rindo, jovens e lindas, cheias de vida, a vida que nos permeia e aquece e oferece calor até mesmo os sofridos mendigos da marquise do prédio onde moro, que não é meu, que nunca será meu e nem quero.

Eu não passo de um pobre comunista, com meus sonhos, meus planos falíveis, minha inquietude que me faz de pedra sem limo, rolando pelos cantos e vielas. A madrugada range e me sinto triste em não ter condições de abrigar aqueles senhores admiráveis que falam, vejam!, de amor na noite fria e abandonada, em plena tempestade de sofrimento.

Então penso que Anna me chamou de sensacional e anormal, toda a razão é para ela. Eu não posso mudar a vida dos mendigos, eu não sei se meu amor dorme, eu não sei como vai ser o amanhã depois da manhã. Mas me sinto bem em não deixar pedra sobre pedra na vida de ninguém, mesmo que seja com um simples aperto de mão, já que o interlocutor jamais esperava por isso. Viver é surpreender acima de tudo.

Não dormi direito até agora. Vi os dois mendigos como sinceros camaradas, corretos irmãos. Estamos tão perto e tão longe por causa dessa besteira chamada sociedade. Eles também não deixaram pedra sobre pedra no meu caminho: quando um eles falou da amada, aí tive certeza de que meu pequeno presente terá o destino mais certo de todos. Estou do lado dos mendigos, dos sofridos, dos amores. Eu sempre fui um comunista.

@pauloandel

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