As contas estão pendentes; as tarefas, atrasadas; os horários, apertados. Existe calor e confusão lá fora. O ar-condicionado não funciona como devido, a calculadora parece pequena para tantos dígitos, o expediente só acabará às dez da noite.
Aqui, numa sala fechada e alva, não paro de pensar em uma partida de futebol.
Há muito a fazer e construir, problemas para resolver, atendimentos a clientes, e-mails, contas, contas, procedimentos e tudo o mais que valha nessa efêmera partida cotidiana. Mas o fascinante sentimento que advém do futebol me toma por completo, de modo que sou incapaz de raciocinar ou balbuciar qualquer coisa que fuja deste universo.
Penso nos amigos que foram para a Argentina. Nas horas que não cessam, nos minutos que se amontoam. No misto de saudade das companhias e no adorável frio na barriga que todos sentirão a instantes do nosso time entrar em campo.
Para quem foi, trata-se de uma experiência admirável e inesquecível. Intensa ao extremo, mas não menos intensa do que todos os que, daqui a dois dias e algumas horas, pregarão seus olhares diante dos televisões, monitores e tudo o mais que possa oferecer a imagem do time amado. Alguns não poderão ver, mas ouvirão com seus radinhos que são verdadeiros cinemas falados.
Mas quem disse que este amor, esse desejo, esse sentimento que vem da infância e atravessa nossas vidas está limitado às experiências sensoriais de ver e ouvir?
Não, não está: em um hospital, um senhor doente impossibilitado lutará pela própria vida e dividirá um pedaço de sua luta para o bom presságio em favor do time amado. Numa cela, alguém que cometeu um crime e se arrependeu erguerá seu pensamento junto ao time amado. Numa briga de rua, em algum instante antes de desferir um soco ou tiro, alguém pensará no time amado. Durante uma saborosa ocorrência de sexo com uma mulher impecável, um rapaz de sorte pensará que aquilo tudo é tão valioso quando ver e rever o time amado. Pois bem, o time da nossa paixão está em todos os lugares e coisas: seja num hamburger, num ingresso de teatro, numa roupa nova, em tantas outras situações e objetos, lá está impecável, infalível, absoluto. Como escreveu um dos nossos maiores poetas, que também nos acompanha em torcida, trata-se de amor barato; contudo, isso não significa fugaz ou simplório, mas na verdade simples e preciso, duradouro, infinito, daqueles que só bons compositores sabem orquestrar.
Meu amor barato, meus amigos que se espalham pela Argentina, por São Paulo, a Guanabara, o boteco ao lado.
Acabamos de ser campeões, mas aquele sentimento pelo time amado é insaciável. Ele atravessa três Saaras e duas Vias Lácteas com facilidade.
Estamos na segunda-feira. Tudo pode esperar. Eu quero a quarta-feira à noite.
Não é somente pelo meu time - o que já seria muito – mas também há uma questão pessoal: em 2008, quando escalamos passo a passo até o topo da América que nos fugiu, o primeiro adversário que enfrentamos depois que meu pai faleceu foi este mesmo que nos receberá em breve. Daí, volto ao passado. Por um instante, penso que meu pai deveria estar do meu lado, junto de minha mãe e irmão, todos nós esperando com grande emoção a entrada em campo do time amado.
Nenhum deles está mais por aqui, mas tenho a estranha – e confortável – sensação de que todos ficarão junto de mim, numa arquibancada imaginária, quando esta quarta-feira chegar e o nosso time tão amado adentrar o gramado portenho.
Há os que pensam ser o futebol uma sonora bobagem. Erro crasso: ele, tais como outras manifestações artísticas, faz com que a vida seja menos pesada e sofrida, traz beleza e poesia, traz fantasia e amparo. Olhamos para trás e vemos as grandes vitórias, as derrotas tristes, tudo num só livro e lemos nele tudo o que está escrito sobre nossos dias.
É hora de retomar a estatística: probabilidades, séries, custos. Contudo, o respeito se faz presente: mesmo com tudo o que T-Student, Spiegel, Meyer, Pascal e tantos mais fizeram, nenhuma ciência prende minha atenção. Serei correto e justo, correto e profissional, mas nada pode ocupar meu pensamento além da imagem de entrada em campo do meu time tão amado.
Alguma coisa me traz à mente o genial mestre Eduardo Galeano. E Nelson. E Marcos Caetano. Todos os cronistas e escritores. Eles bem sabem o que quer dizer um sentimento pelo time que faz o coração soar feito marcha.
Paulo-Roberto Andel
1 comment:
Afe... ainda que não entenda esse sentimento que vocês alimentam diante uma tela verde, admiro seus textos e amei o seu livro.
Futebol, para mim, se transforma em arte pelas suas mãos, Paulo.
Beijos beijos beijos
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