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Wednesday, March 31, 2010

01 DE ABRIL DE 1964























































Institucionalizado como o dia da mentira, 01 de abril era a data perfeita para deflagrar o período de maior horror da república do Brasil - mais ainda, um dos piores períodos desde que Pindorama nasceu. Com a tradicional hipocrisia que sempre lhes cercou, os artífices do criminoso golpe de 1964, em suas obsessões doentias, chegaram até a "antecipar" a data do fato, para que o mesmo não fosse tratado eternamente com a galhofa cabível.

Grandes proprietários rurais, financistas norte-americanos, inescrupulosos empresários de comunicação, militares traidores da pátria, políticos escroques, religiosos intolerantes e outros segmentos menores, reunidos, conspiraram para derrubar o governo constitucional de João Goulart e, frente à "ameaça comunista" que se desenhava (leia-se a possibilidade de que a elite econômica deixasse de lucrar exorbitantemente para que a maioria miserável do Brasil tivesse acesso a alguns meios sociais), não pouparam esforços no sentido de passarem por cima das leis nos piores sentidos dos actos em si. O que começou como uma simples "ditadura" (com toda a ironia aqui contida, pois nenhuma ditadura é simples de se viver) se transformou em um período macabro, pavoroso e de assassínio em massa - e se você, nobre leitor, hoje se horroriza com as barbaridades cometidas por traficantes, não custa lembrar que práticas como arrastar pessoas no asfalto amarradas em carros até que padecessem respirando gás carbônico eram comuns em quarteis e áreas de "segurança nacional".

Os inimigos da tabuada, em sua colossal ignorância, tentam utilizar o patético argumento de que "se o regime não endurecesse, os comunistas iriam continuar matando e torturando". Só a estupidez permite comparar os métodos de tortura praticados por experientes militares treinados para a guerra com a luta abraçada por trabalhadores, estudantes e jovens intelectuais. O nazifascismo implementado no Brasil chegou a tal ponto de barbárie que até mesmo adeptos direitistas do golpe de 1964, relativamente arrependidos com o horror que ajudaram a implementar indiretamente, passaram a acolher refugiados e clandestinos cujo maior crime era o de não concordar com a ditadura. Quarenta e seis anos depois, o Brasil não possui registro de famílias reclamando os corpos de generais, majores, capitães ou tenentes desaparecidos na guerra urbana. Mas são inúmeras as famílias que jamais voltaram a ver seus filhos, sobrinhos, tios, pais e outros parentes, tais como os Paiva, os Herzog e os Angel, para exemplificar.

Se hoje, em contraste com os visíveis progressos vistos a olho nu pelo Brasil, principalmente pelas políticas públicas aqui implementadas desde 2002, temos uma sociedade que, em muitas vezes, prima pelo individualismo e até mesmo pela perversidade, 01 de abril de 1964 foi um infeliz marco desta nova trajetória brasileira. Se hoje o grosso da classe estudantil urbana, com exceção da respeitável militância, trata as questões nacionais com absoluta indiferença, priorizando apenas o bem-estar pessoal e o acúmulo de riqueza, a semente desta estupidez nasceu em 01 de abril de 1964. Se o crime organizado é cada vez mais opressor e organizado, idem. Se reclamamos de políticos marcados pelo mau-caratismo, flagrados em evidente delito, não custa lembrar que, naquele dia distante, nasceu a semente do "você sabe com quem está falando?" e da "carteirada" - em suma, ter o poder circunstancial passou a ser sinônimo de se poder fazer o que quiser, sem respeito a nada. O que é um político corrupto senão um sujeito que acredita ser acima dos homens e acima das leis?

Um pequeno texto não é suficiente para destrinchar o desastre que foi o golpe na vida brasileira, um incêndio que até hoje nos rende rescaldo. Livros e livros foram e são escritos a respeito, mas muito há para se fazer, principalmente em termos do resgate da dignidade daqueles que foram vítimas de crimes de Estado, bem como seus parentes - terrível abuso que contraria qualquer constituição no planeta.

Para aqueles que vagam nas ruas como fantasmas, defendendo a "lei (que lei?) e a ordem" dos tempos da cruel ditadura e persistindo em defender o nazifascismo, resta esperar para que o tempo seja senhor da razão e os faça desaparecer com dignidade - a mesma dignidade que não foi oferecida aos desaparecidos, torturados, estuprados, seviciados e mortos em nome de ideologias como a da "Marcha da Família com Deus pela liberdade", nome caricato e perfeito para um 01 de abril. De toda forma, felizmente os viúvos de 1964 são poucos e hão de escorrer pelo ralo.

Em memória do massacre ocorrido no Brasil, as fotos acima, sim, dizem tudo.


Paulo-Roberto Andel, 31/03/2010

2 comments:

Pedro Du Bois said...

Meu caro Andel, sempre me impressiono com a reação de grande parte das pessoas: trocaram sua humanidade, sua ética, sua moral, em troco de um emprego que, diga-se, lhes foi retirado - de uma forma ou de outra, pelos governos posteriores (Sarney, Collor e, principalmente, FHC). No entanto, a internet transborda pessoas aflitas com as boçalidades de uma imprensa castiça e postiça. Pior, tentam sempre e sempre reescrever a história, incensando figuras estéreis e macabras, desprezando aqueles que - sim - com o sacrifício de suas vidas e carreiras, tentaram se opor ao descalabro: quanto vale, mesmo, uma dose de uísque? Grato pelo seu texto. Abraços, Pedro.

Lau Milesi said...

Paulinho, diante do que o poeta Pedro escreveu e de seu brilhante texto, só me resta dar um belo grito:BRAVOOOOOOOOOOO!!!!
Sempre que leio/ouço algo a respeito dessa nuvem negra,me vem um nó na garganta.Lembro do meu saudoso e querido pai e de quanta gente deu sua vida pela causa.Quanto gente não sumiu pela causa.Foram vinte anos de trevas, mentiras, cinismo, perseguições e prisões.Mas há quem não tenha memória. São muuuuitos...e brasileiros, pasme.

Não deixe de assistir nesse domingo o programa Fantástico.

Beijosss