Hoje, dia dezoito de janeiro, nós, Tricolores, estamos perto de nosso Réveillon, nossa virada de ano. O leitor desatento sabe que, tal como ensinou Nelson Rodrigues, Tricolor só há um, o Fluminense; os outros, com todo o respeito, são times de três cores. Nelson Rodrigues, também somente um.
Depois de quase quarenta dias longe de nossa casa, o Maracanã, é hora de brindarmos o ano novo que surge à frente e muito nos promete. A magia do futebol, que a milhões encanta na Terra, passa pela eterna renovação, a eterna busca e mudança: perde-se numa quarta, quinta é dia de se pensar no clássico de domingo. Contudo, este é um ano especial.
Depois de percalços do passado, nós, que respiramos o ar de Álvaro Chaves, estamos à boca de mais uma temporada, redivivos, firmes como nunca.
Amanhã, começa um desafio vigorosíssimo, que é o de buscar o trigésimo-primeiro título estadual. Porém, se a tradição e alguma superstição possuem força, estamos bem: um poderoso jornal desportivo do Rio realizou um levantamento entre seus analistas de futebol, para que indicassem os quatro primeiros colocados no certame que começará. A grande maioria indicou o Fluminense como vice-campeão do Flamengo, que empataria conosco em títulos regionais. Esse apontado favoritismo da Gávea cai bem.
Nós temos a descrença dos comentaristas como orgulhosa tatuagem no peito.
Não foram poucos nossos times que arrebataram as taças sem que um único analista nos desse o crédito do favoritismo. Relembro 1980, quando diziam ser da Gávea inevitáveis vencedores, ainda mais depois do campeonato brasileiro conquistado à época; contudo, não chegaram sequer à final de um dos dois turnos. Vencedores do segundo, os vascaínos esbanjavam favoritismo e acreditavam que, depois de seguidas derrotas para os flamengos, era chegada a hora da conquista. A chuva e o vento foram prenúncios, e o gol de Edinho foi abençoado por Cartola mais Nelson – assim, Laranjeiras naquele dia venceu mais do que nunca.
Creio que os da Gávea mereçam respeito por manterem o time-base do ano passado, mas nós, Tricolores, bem sabemos que eles não gostam de nos encontrar num jogo final ou decisivo. Há dois anos, quando estivemos perto de ganhar nossa primeira Copa do Brasil, mas perdemos a semifinal para São Januário, minutos após o jogo, houve um foguetório em muitos bairros da Guanabara – ao contrário do que se imaginava, não era a torcida vascaína, mas sim os flamengos, em comemoração de ter o Vasco como adversário em vez do algoz. Não queriam medir forças com o Tricolor, porque o passado os assombra. São fortes as imagens de Benedito de Assis, mesmo depois de vinte e cinco anos, entrando delicadamente pela esquerda d’área, para fuzilar Raul em seu gol de despedida. O golpe mortal de Assis, a cabeçada que pareceu um tiro e fez mágica da geometria ao deslizar no ângulo esquerdo, desnorteando Ubaldo Fillol. A maior vitória de todos os tempos, em todos os mundos, quando Renato encostou sagrada barriga à bola chutada por Aílton e correu de fita na cabeça, risonho, feliz, repetindo um 1950 para o centenário dos flamengos. Em todas, absolutamente todas estas ocasiões, a imprensa e a crítica especializada apontaram o Flamengo como superior, o Flamengo como o grande campeão, mas a glória final teve o destino da nossa casa.
Fizemos um time bom. Voltamos a ter um ataque com poder de fogo, com jogadores de alto nível técnico como Dodô e Leandro, e ainda o nome de Washington - tradicional em posters de campeões Tricolores e, inevitavelmente, um bom presságio. O meio de campo foi reforçado, e creio que Dario Conca possa render bons frutos. Nossa defesa, segura no ano passado, manteve-se íntegra. Para muitos, o gol era nosso sofrimento mais longo, dado que não temos um Paulo Victor há muito. Amanhã, jogará Diego, goleiro que ao ser contratado por nós era tido como o melhor do Brasil, mas que ainda não se firmou. É uma esperança.
Que não se iludam os mais vibrantes, mesmo que tenhamos hoje muita força. Doutro lado, estará o estreante Cardoso Moreira, da simpática e humilde cidade do norte Fluminense. Não virão com a intenção de serem meros coadjuvantes e, mesmo sabedores de tudo o que podemos realizar este ano, o respeito precisa imperar. Teremos o Maracanã como merecemos, nosso, límpido, e cabe-nos a função de abarrotá-lo, de fazer a grande apoteose da gênese, do nosso começo de um ano que pode ser especial.
A semana a seguir vem com mais dois jogos; em caso de boas vitórias, estará selado o passaporte de confiança para a Libertadores de América, que há muito nos espera. Muito falam do “grupo da morte”, que será uma tarefa terrível onde será muito difícil que nos classifiquemos. Para alguns, o futebol é momento, com certa razão; entretanto, basta olhar para nossa trajetória de louros e não será encontrada nenhuma facilidade, nenhuma dádiva. Para o Tricolor, não há títulos de antevéspera, mas sim os de últimos minutos. Nosso costume é o suor, a dificuldade, os olhares reprovadores dos mais sábios; porém, a sala de troféus mais abarrotada fica no vert-blanc-rouge.
Quando o Fluminense está em campo, todo jogo é importante e decisivo, toda taça é fundamental para as nossas mãos. Contudo, este ano é crucial, pois não podemos deixar que os flamengos sequer ameacem um título que trazemos desde a invenção do mundo, que é o de maior campeão desta terra. E há um sonho à vista: o das Américas. Ao contrário da ampla maioria dos especialistas em futebol, temos reais chances de conquistar a Libertadores e arrebatar o único título que nos falta – e o sol da América pode ser também o sol nascente de Tóquio, o sol do nosso bicampeonato do mundo. Sabemos, todos nós, que trata-se de um árduo caminho, tortuoso; entretanto, quando eu entrar amanhã em Mário Filho e subir a rampa, é exatamente neste caminho que estarei imaginando.
Em futebol, muita coisa é tênue, passageira, de modo que previsões têm sempre muita chance de dar em tiros n’água – mas eu acredito no Fluminense, na força do Fluminense, a mesma que nos tirou dos piores momentos e descréditos, a mesma que nos levou a folguedos e festas. Não sei dos títulos que virão, e nem se virão, mas o fato é que hoje, nesse dezoito de janeiro que se encerra, poucos times têm mais potencial de volta olímpica do que o nosso Tricolor de Laranjeiras. O tempo se encarregará do resto.
Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 2008
Paulo-Roberto Andel
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