I
Enquanto James, a banda inglesa, toca ao vivo suas boas canções no Rock in Rio - completamente desconhecidas no Brasil -, eu fico de lado, olho para cima e quase cochilo - o que aconteceu durante todo este sábado. Quase fecho os olhos, quase um REM, então vejo com dificuldade uma rua de terra que me lembra a Avenida Ruy Barbosa. Nenhum carro ou ônibus à frente, nenhuma pessoa além de mim - e não sei se estava num carro ou a pé. São apenas alguns segundos, mas volto setenta ou oitenta anos no tempo - quando eu sequer existia. E sigo em frente, a caminho do desconhecido, da morte, do que quer que seja. James toca uma canção simpática e doce, muito distante do meu caminho no quase sonho de quinze ou vinte segundos, depois de um sábado parado e psicologicamente cansativo por vários motivos que não cabem aqui.
II
Estamos duros, eu e meu bem. Duros e com depressão. Duros e distantes. Mas uma simples palavra no WhatsApp ajuda a aliviar tempos calorentos e sufocantes, cremos. Fique bem bem, meu bem.
III
James é um barato. Só Piccoli conhece. Eu conhecia. Ele conhece todas as bandas e viu todos os shows. Então levanto, passo a prestar mais atenção à TV e parabenizo a curadoria do festival: Kingfish e James são o que há.
IV
Victor me alertou para algo sério: a quantidade de gente que, mesmo sem a menor felicidade ou satisfação, precisa mostrar vitórias em suas redes sociais o tempo inteiro. O tempo inteiro. Falamos por horas sobre a opressão do mundo.
Mas, pensando bem, quem vive em função de suas postagens nas redes sociais realmente vive? Ou finge que vive?
V
Enquanto o fogo destrói o verde do Brasil, negacionistas acreditam que é desejo de Deus contra o comunismo. Um pensamento tão estúpido assim me dá vontade de descer e comprar uma cerveja, ou sair andando pelas ruas do meu bairro, sem destino. Eu não vou fazer isso. Eu quase não desço mais à noite. Eu quase não faço muita coisa, mas produzo arte que encanta alguns corações precisos.
VI
Um copo de água bem gelada. Parece pouco, mas é um privilégio. O mundo é tão mesquinho que 1/6 da população mundial não tem água. A maioria nem liga.
Refrescante.
O copo me foi dado de presente pelo Eric quando fomos ao Maracanã. Tem o time do Fluzão. O Fluminense me cerca desde pequeno e, até alguns anos atrás, eu tinha certeza de que me acompanharia até a morte, já que eu tenho prazo de validade, ao contrário da bela instituição decretada por Nelson Rodrigues como vocacionada para a eternidade. Entretanto, se algumas picaretagens realmente prevalecerem, chego a ter medo do futuro - e aí me lembro de uma pichação que vi na Rua de Santana em 1993 ou 1994: "Para que ter medo se o futuro é a morte?"
Um copo de água bem gelada é uma benção. Eu me sinto muito infeliz porque muita gente perto da minha casa não pode beber um copo de água bem gelada. Eu me sinto muito infeliz todos os dias há muitos anos, o que tem piorado com o envelhecimento, mas nas horas vagas trabalho, faço pequenas artes e consigo alegrar meia dúzia de corações distantes.
VII
O show do James é excelente. As pessoas estão felizes na plateia. É um ótimo show. Tem pop, rock, soul, sopros, percussão, violino. Música faz bem à alma. Ouço música desde criança e tive o privilégio de ouvir muitas coisas por intermédio de meus pais e do Fred. Estão todos mortos, mas penso neles diariamente.
Se minha mão doer menos, escreverei um pouco mais tarde. Tenho dois livros para revisar também. Está um calor infernal.
Ainda são nove da noite. Ainda é sábado. Posso ter ficado milionário e não sei. Talvez converse com as pessoas pelo WhatsApp. Talvez veja vídeos antigos de gols imortais no velho Maracanã que os picaretas destruíram. Um filme, talvez. Será que vai ter outro show bom? A conferir.
Posso também virar de costas até fechar os olhos e quase sonhar com outra rua de antigamente. Ou pensar e pensar nas situações opressoras que tenho visto e vivido. Ou pensar em quem está longe para sempre. Posso desistir de tudo e procurar um calmante no YouTube: desenhos animados, especialmente os de Dick Vigarista e Penélope Charmosa mais Tião Gavião (Silvester Soluço), a Quadrilha de Morte e o Calhambeque Chugabum.
Piccoli está em Laranjeiras. Marina está em Paciência. Victor está no Espírito Santo. Eric talvez esteja no Maranhão ou em outra capital a trabalho. A Anne viajou. A Ana está voltando ou já voltou da França.
Cada um de um jeito no mundo.
Amanhã tem o Fluminense. O Fluminense. Mas vivamos o sábado, mesmo que entrincheirados em casa.
VIII
Nós somos muitas coisas.
Muito muitas coisas.
Nós somos muita saudade.
@p.r.andel
No comments:
Post a Comment