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Friday, April 26, 2024

Casilhas

Está lá há décadas, aos pés do Shopping dos Antiquários. Era o bar reserva da minha turma. Nosso aquário natal era o Sniff's, alguns metros depois, já dentro da galeria.

Uma vez ou outra o pessoal dos escoteiros passava lá. Eu, calouro de faculdade, voltava de Niterói e saltava na porta depois da baldeação, 996 até a Praia de Botafogo - Sears! - e 434 ou 435, o que viesse primeiro, até a Siqueira Campos.

Macedo, que foi nosso chefe no grupo e uma pessoa, digamos, excêntrica, gostava do boteco. Em certa ocasião, sabe-se lá por que, desandou a falar sobre a importância da higiene íntima masculina entre bebuns discutindo o jogo do Flamengo. Mais: declarou quantas vezes fazia a assepsia peniana diária e começou a questionar os interlocutores sobre suas estatísticas de combate ao esmegma. Entre risos, alguém foi curto e grosso: "Quer lavar pra mim?". Ele ficou put0 por alguns instantes, mas acabou rindo também.

Nosso grande ano pelo Casilhas foi em 1986 por dois motivos: a ascensão midiática do pagode com Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Jovelina Pérola Negra e grande elenco, mais a Copa do México. Dois motivos para a realização de inúmeros churrascos, quase todos resolvidos na hora. Vai ali nos Supermercados Leão, compra carvão e bebida, alguém busque a churrasqueira, a carne a gente vê depois. Linguiça, asinha de frango, uma carninha e risos, muitos risos. Charlie, o também excêntrico gringo que morava nos arredores - e que desconfiávamos ser um mercenário de tanto que ia ao Paraguai, sem trazer qualquer muamba - passava pela calçada com uma estonteante negra de um metro e oitenta, para disparar seu brado clássico "OH, SCOTEIRRRRSSSSS". 

Um churrasco acabou triste, também por dois motivos, um à vista e outro a prazo. Copa do Mundo, Brasil e França. Perdemos nos pênaltis. Na outra Copa, ainda criança, eu nem fiquei triste pois achei que o time de 1986 seria o mesmo, uma doce ilusão. Muita coisa havia mudado. Mas a gente tinha confiança e o Brasil fez um partidaço, perdeu vários gols - Zico de pênalti, Muller na trave no último minuto da prorrogação (foi isso?) e acabou castigado. Ficaram as boas lembranças dos golaços de Josimar e Careca, Júnior no meio e o jovem Branco voando. Terminado o jogo, não teve samba. Continuamos comendo, mas com o silêncio que só o nunca mais proporciona. Nunca mais fizemos churrascos lá, nem em outro lugar. Anos mais tarde, aquela turma ia se separar para sempre.

Pelo Casilhas, volta e meia passava Ramiro, famoso não pedinte em situação de rua que vivia pela Siqueira Campos. Era silencioso e muitas vezes era visto picando papel, como se aquilo fosse uma terapia. Certa vez, do nada, acertou um soco num cliente na porta do bar e foi embora, sem falar nada. À primeira vista era uma agressão, mas a vítima era fascista. Vá entender. Mr. Éter, outro ícone das ruas do bairro, também passava por lá e bebia a purinha - na verdade era engambelado com água da torneira, o que pode ajudar a explicar sua longevidade depois de anos mergulhado em éter. 

O bar continua. João não está mais no balcão. Aos sábados tem calçada cheia, mesas e cadeiras - uma evolução - mais churrasco. Os personagens passam, mas certas coisas nunca mudam. É Copacabana, meu nobre. 

@p.r.andel

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