Translate

Sunday, October 01, 2023

Sobre "A alma aflita das ruas"

Há motivos para o que se considera uma produção literária frenética de minha parte, com 40 livros em 13 anos, na verdade 14 porque o primeiro estava quase escrito desde o ano anterior. O principal deles foi a morte repentina dos meus pais, que me levou a mergulhar vertiginosamente para tentar ocupar a cabeça - e não adiantou nada. Em menor escala, minha vontade de ser publicado desde os anos 1990, o que acabou acontecendo somente em 2010. Também conta o fato de poder produzir meus próprios livros, sem os vícios preconceituosos que costumam povoar a mente de boa parte dos editores, lutando para tornar o livro um objeto hermético. 

Agora, um grande motivo para essa correria desenfreada foi o medo da morte. Não exatamente o medo, porque ela é inevitável, mas o medo de morrer sem ter escrito um conjunto de livros que considerasse razoável. O medo de que não desse tempo. Hoje ainda me falta muita coisa, claro, mas era inimaginável o número de 40 há 13 anos e ele foi alcançado. Alguns venderam milhares de cópias, outros venderam centenas e provavelmente os melhores não venderam nada, mas tudo bem - o autor quer ser lido mas não faz um pacto de plateia antes de escrever. Só lamento que meu trabalho como autor "carioca" fique à margem do trajeto no futebol - do qual me orgulho muito mas não não sou 100% dependente. De toda forma ele existe e pode ser lido há anos no Correio da Manhã e no meu blog, "otraspalabras!". 

Vivi e vivo com medo. Sempre foi assim, havia e há muito sofrimento. Por muitos motivos, achava que minha vida seria curtíssima - e quase foi mesmo -, o que se acentuou quando alguns colegas meus morreram jovens. Então acabei chegando aos 55 anos, que para muitos ainda é uma réstia de juventude nos tempos modernos, mas me tem pesado com enorme cansaço. A luta pela sobrevivência, a sensação da velocidade do tempo, as perdas e danos mais a certeza da ruindade da maioria dos humanos aumentam a fadiga. Só que eu não paro, nem sei por que motivo. Então continuo escrevendo e produzindo livros de terceiros, enquanto sigo cumprindo minha pena por aqui - nada que se compare às verdadeiras penas aplicadas em presídios, mas também longe de ser fácil. 

Meu novo livro estará pronto em duas semanas mais ou menos. Ele se chama "A alma aflita das ruas" e é uma brincadeira com o craque João do Rio, inspirada em meu amigo Luiz Carlos Lacerda - poeta e consagrado diretor de cinema -, dado que algumas pessoas veem semelhança entre o que tenho feito e a produção avassaladora dele. Obviamente não cabe comparação: João foi o maior cronista de seu tempo, inaugurou a ABL e seu talento venceu as décadas. O que faço é tentar registrar alguns cenários do Centro do Rio para que, no futuro, alguém os ache numa garrafa que atirei no mar da internet. "Alma" é um livro de humanidade, de minha incapacidade em desprezar o próximo, e está alinhado com todos aqueles que veem o Rio de Janeiro com amor mas sem hipocrisia, entendendo a verdadeira tragédia que nos cerca há anos. Vários de seus textos foram produzidos durante a pandemia ou depois de suas consequências, portanto não são leves. Contudo, não se trata de um livro fúnebre, como a primeira vista sugere a capa, mas sim sobre a vida real, que é feita por aqui de descaso, indiferença, desprezo, falsidade e mau caratismo, tudo devidamente varrido para debaixo do tapete do Facebook. Um livro sobre a opressão, naturalizada pelo neoliberalismo e tolerada com candura por certa esquerda cheia de discurso, mas pouca ação prática no sentido coletivo. 




Os interessados em "A alma aflita das ruas" podem encomendá-lo pelo WhatsApp 21 99634-8756. A princípio ele não terá um lançamento. Venderá pouco e é para poucos mesmo - os que nele acreditam. Nenhum problema para quem não acreditar: a recusa e o desprezo fazem parte do jogo literário. Porém, até segunda ordem, não há mau resultado financeiro que me faça parar de escrever. É uma causa e, como disse Borges, "aos verdadeiros cavalheiros só interessam as causas perdidas. 

Enquanto isso, vamos esticando a corda até onde der. 

@pauloandel 


No comments: