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Sunday, October 08, 2023

Dia do Gordo

(Originalmente publicado em 20/09/2020)

Confesso a decepção. Um único amigo me deu parabéns pela data. Esperava mais, muito mais, mas solidariedade não é o forte de uma parte dos brasileiros, entendo. 

Sou bem gordo. Isso não me impediu de ser sexy, atraente e interessante, pude comprovar através dos tempos. Não perdi nenhuma mulher por isso - muitas magras e outras saborosamente gordas -, mas sim por situações realmente tóxicas. Que tal o fundamentalismo religioso, por exemplo? 

Nem sempre foi assim. Eu era um garoto gordinho, até que comecei a crescer. Aí, na chatice chamada de adolescência, começam a te sacanear o tempo todo como se isso fosse bom. Um dia me encheram tanto o saco que botei um par de tênis e fui para a praia correr. Resolvi que ia perder peso, 1986. Eu detestava correr sem ser para jogar bola. Subitamente me apaixonei para sempre.

Na primeira semana, duzentos metros. Depois, quatrocentos. Depois oitocentos. Em poucas semanas eu já corria três ou quatro quilômetros. Cinco. Sete. Perdi 15 quilos em três meses sem mexer num hambúrguer. Em pouco tempo ia do Bairro Peixoto ao Vidigal e voltava. Comecei a sonhar em disputar a São Silvestre, virar o ano correndo, era o máximo. 

Entrei pra faculdade, as garotas eram lindas, riam das besteiras que eu dizia, às vezes eu tinha coragem de mostrar algo que escrevi. E dava certo. Mas num belo sábado de sol, brincando de goleiro no grupo de escoteiros, ao fazer um defesaço no ângulo, desci com o pé virado no solo. Fui direto para o Miguel Couto, não quebrei mas foi uma tremenda entorse, doía demais e veio o fim da minha carreira de atleta. Não tratei direito, não tinha dinheiro nem plano, não havia SUS. Manquei por muito tempo, chorei e isso me tirou do futebol na faculdade - tanto Egídio tirando onda de craque, eu jogaria fácil. 

Engordei um pouquinho quando passei a ter o direito de almoçar, depois de conseguir um estágio e, posteriormente, meu emprego por 26 anos. Houve um tempo em que eu trabalhava demais e quase não saía para almoçar. Por sua vez, o ticket refeição era um bom reforço para sustentar a família em casa. Devo ter ficado uns quatro anos sem almoçar direito, o que destruiu meu metabolismo. Aí, passei dos 100 kg e tive outros problemas de saúde. 

Depois, quando a família se foi, voltei a almoçar. Meu peso não é somente por causa dos problemas: eu também gosto de comer. Gosto de comida e fartura, gosto de refrigerante - e já sei que tudo faz mal, como quase tudo na Terra. Lembro de quantas vezes queria ter almoçado e simplesmente não pude por falta de dinheiro, mesmo sendo um trabalhador. E fiquei pesado.

Só tem uma coisa: isso é apenas uma constatação, não um problema. Não tenho nada que me incomode em ser gordo, exceto que minha saúde poderia ser melhor se eu tivesse menos peso. Mas tem tanta coisa que as pessoas fazem contra a saúde, e que eu não faço...

Em alguns momentos, recebi comentários ridículos contra mim, sem contar declarações gordofóbicas que são tão estúpidas quanto as racistas ou homofóbicas - o problema é que a gordofobia é por demais introjetada na sociedade, fazendo do gordo um safado ou sem vergonha por causa de seu peso. 

Vou repetir: o gordofóbico é tão escroto quanto o homofóbico e o racista. 

Hoje penso: sou tão legal, já ajudei tanta gente, já fiz tanta coisa legal, não posso ser limitado por causa de minha barriga - aliás, quando estou de camiseta, várias pessoas dizem que emagreci muito, quando na verdade eu uso é roupa grandona - que sempre gostei desde que vi David Byrne num terno grandão. Minha literatura, meus atos, minha inteligência e meu carinho são muito mais importantes do que o tamanho da minha barriga, e penso o mesmo de qualquer pessoa. Cresci na Copacabana dos anos 1980, onde todos os tipos eram respeitados. Tudo era normal. E como funciona o cérebro de quem vê a barriga alheia como motivo para preconceito e ódio? 

Vi por décadas que um dos homens mais inteligentes do país era um gordo. Dois dos maiores cantores de rock, também. Quem se lembra do genial Edvin, super percussionista gordo da banda de Alceu Valença? Algumas das mulheres mais atraentes que conheci são chamadas de gordas. Sem nenhum machismo: pra mim são gostosíssimas. Agora, por causa desta estúpida gordofobia, muita gente desenvolveu traumas poderosos, outros até caíram pelo suicídio. Quase ninguém fala disso. 

Ninguém é obrigado a sentir tesão por ninguém. Que cada um viva do seu jeito e tenha paz. Que as pessoas se encontrem e vivam seus desejos, sem alimentar recalque e ódio. Eu encontrei o meu caminho e não me arrependo. 

Não quero ter o corpo de fulano, a barriga de sicrano, a perna de beltrano. Quero é ter momentos de paz, comer meu sanduíche e tomar meu guaraná numa boa. Pagar minhas dívidas e sobreviver. Fazer coisas legais e o bem. Quem define quem é "gordo" ou "gostoso"? Quem define o feio e o bonito? E o sexy? 

Que as pessoas se respeitem é o mínimo que se pode exigir. Fora, gordofobia! 

É isso. Tchau. 

@pauloandel

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