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Sunday, June 04, 2023

O delicado som do trovão

Tenho tantos álbuns de tantos artistas que fico tentando entender por que só comprei este hoje. Sou um fã da banda desde sempre. 

Talvez tenha sido porque, quando pude colecionar CDs, "Delicate" não tenha sido lançado em massa. 

Ou porque o disco me leva a caminhos muito poderosos. Ele era a trilha sonora da casa de Fred, que foi uma das minhas faculdades. Uma experiência tão marcante para mim que escrevi um livro inteiro a respeito, mas desisti de lançá-lo porque não o considerei à altura da minha capacidade e nem do velho apartamento que abraçou tantas e tantas histórias nossas. 

Futebol, televisão, livros, discos, shows, plastimodelismo, revistas Playboy, jogo de botão, acampamentos escoteiros, discotecas, risos, lágrimas, conversas, amores, decepções, ódios, vinho, cocaína, cigarros, Coca-Cola, pasta Alhouette de ervas finas, LSD, gatas enlouquecidas, gatas do metal, desfiles de escolas de samba, filmes alternativos. No meio disso tudo, meus amigos. Todos nós encarando o que era ser jovem no meio dos anos 1980, saindo da ditadura, não achando nenhum sinal de emprego, não tendo um tostão e tentando sobreviver. 

Fred não gostava de sair. A casa ficava livre. Sua mãe trabalhava de meio dia à meia noite. Íamos para lá todo dia. 

O álbum é a retomada mundial do Pink Floyd, já sem Roger Waters. Fizeram o show em Veneza que literalmente quebrou tudo. A guitarra de David Gilmour estava condenada à eternidade. E tinha a maravilhosa Rachel Fury, a mais gata e enigmática vocalista de apoio da história do rock. 

Gilmour solava e dávamos as cartas do mau-mau na mesa da sala. Praticamente todo dia. Chegava o Luiz, aumentavam as gargalhadas e as tensões. O pó rolava. Eu não gostava porque via tristeza nos meus amigos. Fred não ficava bem, Luiz também não. Depois descíamos para comprar o lanche na padaria. 

Muitos anos depois, o Pink Floyd tocou ao vivo uma última vez, no Live 8 de 2005. Vi na TV, passei o dia em frente à tela, foi meu recorde. Fred estava distante, mas nos reaproximaríamos como nunca em 2007 e 2008, após a morte de meus pais. Parecia um recomeço depois de ficarmos afastados entre 1992 e 2005. Pena que durou pouco: em 2009 ele se foi. 

Olho para a capa do disco e o título parece apropriado demais para aqueles anos incríveis da juventude. Era a leveza do som do trovão. Sozinho, volto no tempo e revejo meus grandes camaradas. Fred e Luiz estão mortos, mas apenas para a burocracia: eles estão por perto, ora rindo, ora brincando, ora recuperando os melhores anos de nossas vidas. 


(2020)

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